Diário do Alentejo

Ministra da Agricultura “aguarda ” novos apoios ao setor da UE

28 de abril 2022 - 15:40
“As situações de crise evidenciam a importância de Portugal manter um nível de produção nacional de cereais”.

Um dia antes de ter inaugurado a Ovibeja 2022, a ministra da Agricultura e Alimentação disse ao “Diário do Alentejo” ser “fundamental desenvolver modelos inovadores para criar um sistema alimentar abrangente que beneficie o meio ambiente, a saúde e a economia”. No que se refere à dependência do exterior nos cereais, diz estarem “em curso e em ponderação um conjunto de medidas no sentido de aumentar a capacidade de armazenagem, facilitar o acesso nacional às mercadorias e incentivar a produção nacional”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

A 38.ª EDIÇÃO da Ovibeja teve como  tema “como alimentar o Planeta?”. Infelizmente, dada a conjuntura atual, foi uma escolha “feliz”. Como olha para este problema e qual o papel que Portugal pode desempenhar na procura de uma solução?

Hoje, mais do que nunca, o tema da alimentação e da soberania alimentar é um dos maiores desafios à sociedade. Os recentes acontecimentos na Europa, com a Rússia a invadir a Ucrânia, vieram mostrar as fragilidades de uma sociedade de consumo e provaram que a alimentação não é um luxo. Pelo contrário, ela é essencial para a sobrevivência humana. Temos de olhar para o tema da alimentação como um todo, desde a produção ao consumo final e conhecer os seus reais impactos. Temos de entender que a agricultura é parte da solução e tem um papel essencial na economia, mas também na componente social e ambiental. Devemos apostar em políticas alicerçadas em sistemas de produção que valorizem o capital natural, que promovam o uso sustentável dos terrenos e que possibilitem aos agricultores ganhos financeiros. É fundamental continuar a desenvolver modelos inovadores de forma a criar um sistema alimentar abrangente e que beneficie, em simultâneo, o meio ambiente, a saúde e a economia.

 

O presidente da ACOS – Agricultores do Sul, Rui Garrido, afirmou, numa entrevista recente, ser necessário que “a ministra da Agricultura oiça os agricultores, trabalhe connosco, oiça as nossas opiniões”. Encara isto como uma crítica ao seu trabalho na tutela da agricultura?

Desde que assumi a tutela da Agricultura que trabalho com os representantes dos agricultores, no sentido de conhecer as suas preocupações e necessidades e ouvindo sempre as suas propostas para o desenvolvimento do setor. Desde sempre que tenho realizado, de forma sistemática, reuniões com as confederações e todas as associações do setor. Estes encontros permitiram-me assegurar a participação do setor e saber o que pensam os agricultores, nos momentos de crise como aquele que estamos a viver. É assim que vou continuar a trabalhar e estou certa de que conto com o apoio dos agricultores nesta missão de alcançar, com sucesso, o desenvolvimento sustentável do setor agrícola em Portugal.

 

As medidas já tomadas de apoio aos agricultores devido à seca que (ainda) atravessamos, têm sido acolhidas, em parte, pelos agentes económicos do setor. No entanto, pedem ajudas diretas e dizem que as linhas de crédito disponibilizadas não são uma solução. Portugal e Espanha, em conjunto, apresentaram em Bruxelas propostas no sentido de minimizar os efeitos financeiros negativos desta situação. Para quando respostas concretas da UE?

Para além da situação de seca, o setor foi atingido pelos efeitos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, pelo que têm vindo a ser estudadas, a nível europeu, um conjunto de medidas que visam amenizar estes efeitos e que destaco dois exemplos. Primeiro a Reserva de Crise. Trata-se de uma medida com uma dotação financeira total para Portugal de 27,3 milhões de euros (9,1 milhões de euros proveniente do orçamento comunitário e 18,2 milhões de euros do OE). O apoio no âmbito desta medida, de natureza forfetária, destina-se a apoiar os setores mais afetados pela subida dos custos de produção, nomeadamente dos custos com a alimentação animal. Em segundo lugar, um apoio excecional e temporário através do Feader para apoiar os setores com quebras de rendimento provocadas pela situação de conflito Rússia/Ucrânia. Este apoio virá complementar o da Reserva de Crise. Em resultado das decisões tomadas na reunião do Agrifish de 7 de abril, o Comissário Europeu para a Agricultura ficou de apresentar uma proposta legislativa tendo em vista a criação desta medida excecional de crise através do Feader, que se aguarda a todo o momento. Para além destas medidas e das linhas de crédito em curso, existe ainda um conjunto de outras medidas que têm efeitos na tesouraria das explorações como sejam, os adiantamentos no âmbito das ajudas diretas e ajudas de superfície do Desenvolvimento Rural, mas também a isenção do IVA sobre adubos, fertilizantes, corretivos e outros produtos para alimentação do gado, quando usados na atividade de produção agrícola. Há ainda a flexibilização de Pagamentos Fiscais e de Contribuições para a Segurança Social, que contempla um regime extraordinário de diferimento do pagamento das contribuições para a segurança social da responsabilidade da entidade empregadora e das contribuições dos trabalhadores independentes, referentes aos meses de março, abril, maio e junho cujo pagamento seja feito em prestações, a partir de agosto e sem acréscimo de juros.

 

A eletricidade verde e um seguro de colheitas que cubra situações de seca podem vir a ser equacionados?

O apoio nacional ao consumo de energia elétrica dirigido ao setor agrícola e pecuário, a eletricidade verde, já foi regulamentado em março. Esta medida, com efeitos retroativos, foi orçamentada em 20 milhões de euros e prevê um apoio de 20 por cento no caso das explorações com menos de 50 hectares de superfície agrícola e efetivo pecuário inferior a 80 cabeças normais, ou 10 por cento no caso das explorações não abrangidas na alínea anterior, cooperativas e organizações de produtores. Para além do apoio ao consumo de energia elétrica foi também reduzido o ISP do gasóleo colorido e marcado agrícola, resultando numa diminuição do preço deste combustível em 3,432 cêntimos/litro, até dezembro de 2022.

 

O primeiro dos quatro desafios que o Programa do Governo traça para Portugal tem a ver com a transição e alterações climáticas. A promoção da autonomia alimentar é um dos pontos destacados. Desde 2018 que existe um plano nacional para a promoção do cereal, mas, ao contrário do que seria de esperar, a nossa dependência do exterior tem vindo a aumentar. O que é está a falhar?

O Ministério da Agricultura e Alimentação continua a trabalhar no sentido de preparar o setor  face às alterações climáticas, nomeadamente através da transição energética, mas não só. Existem um conjunto de políticas em curso para apoiar o setor nesta matéria e outras que entrarão em vigor em 2023, o Pepac que está neste momento em negociação com a Comissão Europeia. Relativamente à autonomia alimentar, nomeadamente no caso dos cereais, que o ministério tem vindo a acompanhar semanalmente neste contexto de crise, estão em curso e em ponderação um conjunto de medidas no sentido de aumentar a capacidade de armazenagem, facilitar o acesso nacional às mercadorias e incentivar a produção nacional. No que diz respeito ao aumento da capacidade de armazenagem, o PDR 2020 vai abrir um aviso no âmbito da medida de apoio à transformação e comercialização de produtos agrícolas para o apoio ao investimento em silos e outras estruturas de armazenamento de cereais dirigido à indústria de moagem e produção de rações; a nível da produção nacional, é factual a diminuição da produção de cereais nos últimos anos.  As alterações na capacidade produtiva e tecnológica verificadas no nosso país levantaram um conjunto de barreiras à produção que permitiram às empresas optar por outras atividades agrícolas, como é o caso das culturas permanentes, em áreas onde se produziam anteriormente cereais. As situações de crise vividas nos últimos anos evidenciam, a este nível, a importância de Portugal integrar a União Europeia, mas também a importância de manter um nível de produção nacional. A Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais prevê um conjunto de vinte medidas de âmbito diverso, (estrutural, agroambiental, de inovação, de proteção de variedades, de organização) relativamente às quais se encontram  previstos apoios nos Programas de Desenvolvimento Rural, no PRR através do financiamento da Terra Futura e no Pepac. O Pepac contempla, aliás uma nova medida dirigida aos produtores de culturas arvenses (cereais praganosos, milho e proteaginosas), uma ajuda associada, de pagamento anual, cujo objetivo é o de assegurar a manutenção de um certo nível de produção específica com vista a um aprovisionamento estável da indústria local de transformação.  Continuaremos a trabalhar, a avaliar a situação e os efeitos das medidas tomadas face aos objetivos em causa.

 

Na semana passada, agricultores e autarcas do concelho de Moura manifestaram a sua indignação perante o plano de gestão da Zona Especial de Moura/Barrancos. Dizem-se impedidos de ser “competitivos” e acham exageradas as medidas propostas pelo ICNF, considerando que, neste momento, os prejuízos causados já somam 220 milhões de euros. Pode comentar a situação?

Essa questão deve ser dirigida ao Instituto de Conservação, Natureza e Florestas.

 

 

ORÇAMENTO RESPONDE À CONJUNTURA INTERNACIONAL

O Orçamento do Estado para 2022 (OE), no que diz respeito à agricultura, alimentação e pesca, reflete a “nova conjuntura internacional” e pretende “mitigar o aumento dos preços dos bens agroalimentares e energéticos e conter a inflação”, num valor que o Governo estima em 570 milhões de euros. Segundo uma nota distribuída pelo ministério o programa orçamental da agricultura e alimentação “regista um crescimento de quase 24 por cento face aos dados provisórios da execução de 2021”, o que representa “um acréscimo de 272,5 milhões de euros de despesa efetiva”. O OE promete ainda reforçar o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) e a sua “plena execução até 2025, integrando os Fundos de Nova Geração, para incremento de medidas que permitam uma transição justa e inclusiva para uma agricultura mais sustentável e contribuindo para uma maior autonomia alimentar do país”. O Governo diz ainda que esta estratégia “valoriza a pequena agricultura familiar”, nomeadamente, com a majoração dos subsídios relativos à utilização de gasóleo colorido “e a garantia de apoios aos pequenos investimentos nas explorações agrícolas, com a abertura de um aviso exclusivo para os detentores do Estatuto da Agricultura Familiar”, num total de 3 milhões de euros.

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