Diário do Alentejo

Seca: Mais apoios só com o novo Orçamento

14 de março 2022 - 15:25

A comissão permanente da Assembleia da República reuniu a 3 de março, já depois do fecho da edição número 2080 do “Diário do Alentejo”, para analisar a grave situação de seca que atinge mais de 90 por cento do território nacional e que se encontra em regime de seca severa ou extrema. Ministra da Agricultura diz que novos apoios só chegarão com o próximo Governo.

 

Texto Aníbal Fernandes*

 

Na reunião da comissão permanente da AR, proposta pelo PCP e pelo PAN, para discutir a situação de seca, participaram os ministros do Ambiente e da Transição Energética e da Agricultura, Floresta e Desenvolvimento Rural, respetivamente, José Pedro Matos Fernandes e Maria do Céu Antunes. Na véspera do debate João Dias, do PCP e Pedro do Carmo, do PS anteciparam os argumentos que iriam apresentar.

 

O deputado do PCP, que defendeu a posição do seu partido, considera a situação “preocupante e estrutural” e queixa-se de durante as últimas legislaturas a Assembleia da República não ter aprovado “medidas apresentadas” pela sua bancada parlamentar e que, no seu entender, poderiam ter contribuído para a minimização do problema.

 

João Dias defende um maior “aproveitamento da pluviosidade”, a distribuição da água “de acordo com a produção”, a sua distribuição a mais agricultores e a “transferência entre baías hidrográficas”. Para o PCP em causa está a opção por uma “agricultura extensiva e permanente” que necessita de mais água, em detrimento da aposta nas hortofrutícolas que, para além do mais, poderia contribuir “para a redução do défice alimentar” do País. João Dias priorizou as medidas a tomar e que passam pelo aumento do armazenamento; assegurar a água para uso humano e garantir a saúde pública, abeberamento animal, pequenos agricultores e aumento da eficiência.

 

O deputado comunista disse ainda ao “Diário do Alentejo” que a situação na Ucrânia – grande produtor de cereais – veio pôr a nu a dependência de Portugal no que diz respeito aos cereais e critica o plano de incentivos à sua produção por ser pouco ambicioso.

 

João Dias lamenta ainda que a proposta apresentada pelo PCP para a criação de uma “reserva estratégica nacional de forragens” tenha sido recusada no parlamento, de forma a precaver situações de penúria como aquela que agora penaliza os agricultores.

 

Já Pedro do Carmo, deputado socialista e presidente da comissão parlamentar de Agricultura e Pesca, disse ao “Diário do Alentejo” que iria centrar a sua intervenção “numa análise do que tem sido feitos e daquilo que não chegou” para resolver um problema que considera “estrutural”.

“Há que ter consciência que o clima mudou e que nos temos de adaptar à situação”, disse acrescentando que a “questão da retenção da água é fundamental. A água é tão pouca que temos de reter o máximo possível”.

 

Entretanto, o deputado do PS também refere o compasso de espera que a repetição das eleições pelo círculo da Europa obrigou. “O Governo está em gestão e não pode tomar medidas de fundo” que se impõem, lamenta.

 

CAP: DECISÕES CÉLERES

 No dia 24, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) pediu uma reunião com caráter de urgência ao primeiro-ministro, António Costa, com o objetivo de virem a ser tomadas “decisões céleres e eficazes que permitam mitigar os efeitos da seca extrema que Portugal está a atravessar”.

 

Com o pedido, seguiu um documento onde a CAP apresenta um conjunto de trinta medidas que considera dever ser tomadas “de imediato por forma a evitar que a seca severa e extrema agrave ainda mais a situação de catástrofe que a agricultura nacional já vive”.

 

No comunicado emitido na altura a associação representativa dos agricultores diz que “não sendo possível prever a evolução meteorológica – quando chove, onde chove e em que quantidade – há que atuar imediatamente, de forma decidida e coordenada”, e critica o Governo dizendo que “os anúncios de apoio ao setor até agora apresentados, são parcos, insuficientes e pouco adequados para fazer face à gravidade da situação que se vive”, considerando-os “inconsequentes”, por não esclarecerem “como se conseguem, quando chegam e qual o seu valor.”

 

A CAP considera que a situação de seca severa e extrema em que vivemos, aliada a uma “conjuntura internacional de enorme incerteza e cujos efeitos nas cadeias de produção e abastecimento não é possível antecipar, mas que comportam riscos reais”, devem ser argumentos suficientes para uma imediata “intervenção do Primeiro-Ministro” e apela a uma “resposta coordenada dos ministérios das Finanças, do Ambiente, da Coesão, do Planeamento e da Agricultura, para se enfrentar de forma pragmática as exigências e necessidades do atual contexto”.

 

CNA QUER ELETRICIDADE VERDE

Também a Confederação Nacional de Agricultura “não compreende” o atraso na implementação da medida “eletricidade verde”, uma vez que está aprovada pela Lei 37/2021, de 15 de junho e entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano e tinha como objetivo apoiar os custos com a energia na produção, armazenagem, conservação e comercialização de produtos agrícolas e pecuários.

No entanto, uma fonte do Ministério da Agricultura citada pelo jornal “Público”, explicou que esta medida “só pode avançar quando o novo Governo tomar posse” porque “não constava no Orçamento de Estado” e ainda não está regulamentada.

 

O ministério diz que está a elaborara portaria que irá regulamentar a medida e “permitir ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) executar este financiamento”, recusando, assim, as críticas da CNA. “Na ausência de Orçamento aprovado, a despesa encontra-se a ser executada por duodécimos, o que impede o reforço do orçamento do IFAP para financiamento deste novo apoio, uma vez que, em 2021, esta medida não existia”, esclareceu esta fonte do Ministério da Agricultura.

 

No dia 22, a ministra Maria do Céu Antunes, anunciou em Bruxelas, que tinha solicitado ao Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas uma série de apoios para minimizar o impacto da seca, nomeadamente o recurso aos “fundos destinados ao desenvolvimento rural” do PDR mas, avisou, que a chegada ao terreno será “lenta”, não se sabendo, ainda, o montante com que poderá contar.

 

APA ANUNCIA MEDIDAS

 No final do mês de fevereiro, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em comunicado, anunciou a instalação de pontos de água para abeberamento animal junto a albufeiras – uma pedida há muito reclamada pelos agricultores – e a suspensão temporária da emissão de licenças para novos furos. A APA diz que estas são duas das medidas de contingência aprovadas na sequência da reunião da Subcomissão Regional da Zona Sul da Comissão de Gestão de Albufeiras, realizada em Évora, na quinta-feira, dia 23 de fevereiro e que contou com mais de 50 representantes de diversas entidades que avaliaram medidas técnicas contra a situação de seca.

 

Uma delas é a suspensão temporária da emissão de Títulos de Utilização dos Recursos Hídricos, ou seja, de licenças, para novas captações de água subterrânea destinadas a uso particular nos sistemas de Moura-Ficalho, no distrito de Beja, e de Elvas-Campo Maior, no distrito de Portalegre, ambos na bacia hidrográfica do Guadiana.

 

O objetivo é evitar “a disseminação de soluções individuais”, como, por exemplo, “captações subterrâneas, novas pequenas barragens, sem capacidade de resiliência, promovendo em alternativa a articulação entre os diferentes utilizadores”.

 

Segundo a APA, foi igualmente decidido “instalar pontos de água para o abeberamento animal junto a albufeiras de águas públicas” que estão “identificadas nos planos de contingência elaborados pelas entidades gestoras dos aproveitamentos hidroagrícolas públicos” e informou que a água do Alqueva vai continuar a ser transferida para as albufeiras das bacias hidrográficas do Sado e do Guadiana, neste ano hidrológico, e vai ser avaliada “a necessidade de voltar a operacionalizar a transferência de água do sistema da EDIA para o Sado e posterior captação na estação elevatória de Ermidas do Sado para a albufeira de Morgavel”, em Sines, pode ler-se no comunicado.

 

Proximamente, irão ser efetuadas intervenções para reduzir as perdas de água nas infraestruturas hidráulicas e nas redes de distribuição nas barragens de Morgavel e de Monte Novo (em Évora), apostando-se ainda em “projetos de eficiência dos consumos e na redução das perdas na distribuição, tanto no setor urbano como no setor agrícola”.

 

A análise técnica indicou que estudos e implementar uma solução para rebaixar o nível mínimo de exploração na albufeira de Santa Clara”, no concelho de Odemira, e “continuar a implementação dos projetos de ligação do Sistema Alqueva a sistemas menos resilientes nas bacias do Sado e do Guadiana”.

 

Às autarquias, foi sugerido que reduzam os consumos de água da rede de distribuição para usos não potáveis, nomeadamente com menos lavagem de contentores e de ruas, encerramento temporário de fontes decorativas, suspensão da rega de espaços verdes.

 

Desta reunião, em que foi destacada a importância de continuarem em curso uma série de outros projetos, pela região, saiu a decisão de “verificar semanalmente a necessidade de implementar novas medidas face ao evoluir da situação”, voltando a subcomissão a reunir-se no final de março.

 

PERIGO DE INCÊNDIOS AUMENTA

A ausência de chuva na Península Ibérica está também a aumentar o risco de incêndios. Imagens partilhadas, recentemente, pelo serviço de satélites europeu Copernicus mostram o efeito da evolução da seca nos últimos tempos, revelando uma “seca fora de época” o que comporta “um risco muito elevado de incêndios no sul de Portugal, na Catalunha, Estremadura e Andaluzia, em Espanha, mas também em Perpignan, em França, e na Sardenha, em Itália.

 

A associação ambientalista Quercus diz que a “seca severa” que assola o país “em níveis sem precedentes” aconselha respostas de fundo e exige um trabalho de articulação e envolvimento de todos os setores, entidades públicas sociedade civil.

 

A associação critica, ainda, o facto de “mais de um mês” depois de terminada a consulta pública ao estudo “Regadio 20/30 - Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, e com o prazo legal para a sua divulgação já esgotado, continuarem por publicar os respetivos pareceres e contributos recolhidos.

Por seu lado, a Liga para a proteção da Natureza (LPN) considera que a atual situação de seca será “o novo normal”, e atribui a culpa às alterações climáticas e aos “erros praticados na agricultura”, setor responsável pelo consumo de mais de 70 por cento da água.

 

*COM LUSA

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