Diário do Alentejo

Em 2021 nasceram 70 crias de lince ibérico no Guadiana

02 de março 2022 - 14:30

No ano passado nasceram, no Vale do Guadiana, 70 novas crias de lince ibérico, mais 10 do que em 2020. Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “sete anos após o início do processo de reintrodução, são agora referenciados cerca de 200 linces distribuídos por um vasto território que se estende entre os concelhos de Serpa e de Tavira”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

A “monitorização de 2021 da população de linces ibéricos reintroduzida no Vale do Guadiana revela que há 70 novas crias de um total de 24 fêmeas reprodutoras”, divulgou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

 

De acordo com o mesmo organismo, “são mais 10 nascimentos e mais seis fêmeas reprodutoras” em comparação com 2020, podendo, no entanto, “estes números ainda serem revistos em alta, dada a vasta área agora ocupada pela espécie”.

 

O ICNF refere, ainda, que “sete anos após o início do processo de reintrodução, são agora referenciados cerca de 200 linces distribuídos por um vasto território que se estende entre os concelhos de Serpa e de Tavira” e considera que “um dos aspetos mais relevantes de 2021 foi a consolidação da população em território algarvio, onde agora residem cerca de 20 exemplares e onde ocorreram nove nascimentos, existindo ainda um amplo território que poderá vir a ser ocupado pela espécie”.

 

Olga Martins, diretora regional do Alentejo do ICNF, diz, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que o número de novas crias e de fêmeas reprodutoras representa, “acima de tudo, a consolidação da população de lince ibérico no Vale do Guadiana” e sublinha que se tem vindo a registar ao longo dos anos “um crescimento exponencial” da espécie, “acima do que era expectável”.

 

Segundo a responsável, “tal só se consegue também graças ao envolvimento de todos os agentes locais, o acolhimento que houve dos proprietários rurais, da população do Vale do Guadiana, dos gestores de caça, que têm contribuído, juntamente com o ICNF, para a melhoria do habitat da principal presa do lince ibérico, o coelho-bravo”. Embora “não exista abundância de coelho-bravo em todo o território”, frisa Olga Martins, “no Vale do Guadiana tem-se conseguido manter alguma população e isso reflete-se também no número de crias” de linces, sendo que o núcleo português “apresenta uma taxa de reprodução muito acima de qualquer outra região espanhola” – “uma média de três crias” por cada fêmea.

 

Nos próximos anos, ao abrigo do projeto LIFE Lynxconnect, adianta ainda o ICNF, “serão desenvolvidas iniciativas para reforçar a ligação entre as várias populações de linces e valorizar o ecossistema mediterrânico, melhorando a qualidade do habitat e a abundância de presas”.

 

Olga Martins explica que o objetivo “é criar corredores, conexões” entre os núcleos de linces de Portugal e Espanha, “de forma a que possam circular entre eles e assegurar, assim, uma maior variabilidade genética” e “um maior sucesso da espécie”. “Já existe algum movimento entre as populações dos dois países, mas o que queremos é assegurar uma continuidade de habitats favoráveis entre estas populações para que elas possam circular de forma mais contínua e não tão pontualmente como tem acontecido até agora”, reforça a responsável.

 

Ainda durante este mês ou início de março “será dada continuidade ao processo” da reintrodução de lince-ibérico no Vale do Guadiana, com as soltas deste ano de exemplares da espécie, referiu o ICNF.

 

DECLÍNIO DO COELHO-BRAVO E ATROPELAMENTOS CONTINUAM A SER AMEAÇAS

Para Eduardo Santos, coordenador do Programa Lince, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), o aumento da população de linces no Vale do Guadiana “é, obviamente, mais uma boa notícia”, mais “uma indicação de que as coisas estão a correr bem, de que não só o processo de reintrodução na natureza está a ter bons resultados, mas que a própria população introduzida está a evoluir muito favoravelmente”. A “continuar nesta tendência”, diz, “as perspetivas são muitíssimo boas”.

 

 O responsável sublinha, ainda, que um dos dados “mais importantes e positivos” será o facto de se terem atingido as 24 fêmeas reprodutoras, “porque, no fundo, o sucesso mede-se muito pelo potencial reprodutor que a espécie tem”. Eduardo Santos destaca, igualmente, o facto de se “terem ultrapassado os 200 linces” na região do Vale do Guadiana e de a espécie não se limitar apenas à região do Alentejo.

 

Estes “excelentes indicadores e notícias” não “minimizam”, contudo, “de modo algum”, as ameaças à preservação da espécie “Em Perigo de Extinção”, nomeadamente, a degradação do habitat, o declínio da população do coelho-bravo, base da sua dieta alimentar, ou a moralidade por atropelamento.

 

O coordenador do Programa Lince sublinha, assim, a necessidade de se proceder à revisão do Plano de Ação para a Conservação do Lince-ibérico, que terminou em 2020, “porque só resolvendo” todas as ameaças “é que a espécie terá futuro em Portugal”.

 

A concluir, Eduardo Santos sublinha o papel “de todos os envolvidos” na recuperação da espécie, “nomeadamente, o ICNF, e, em particular, todas as pessoas que vivem ou trabalham na região”, caçadores, agricultores, proprietários rurais, entre outros, que têm contribuído “para o sucesso deste processo”.

 

REGRESSÃO DO COELHO-BRAVO E PERDA DE HABITAT DITARAM DECLÍNIO DO LINCE

De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, durante o século XX a distribuição do lince ibérico “sofreu um acentuado declínio que teve como consequência a redução e o desaparecimento de algumas das suas populações, ficando estas cada vez mais dispersas e afastadas”. O declínio deveu-se sobretudo a dois fatores: “a regressão da sua principal presa, o coelho, como resultado de doenças virais, abandono das práticas agrícolas tradicionais e algumas práticas cinegéticas desadequadas”, e “a perda e deterioração do seu habitat, os matagais e bosques mediterrânicos, nomeadamente, devido à sua substituição por plantações de espécies florestais exóticas e/ou de crescimento rápido (eucalipto, pinheiro-bravo), à construção de grandes infraestruturas (barragens, estradas) e aos recorrentes incêndios florestais”.

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