Diário do Alentejo

Manuel Camacho: O poder das palavras escritas

26 de janeiro 2022 - 16:15

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Manuel Camacho tem 66 anos, é natural de Aljustrel e residente, desde sempre, na “sua” vila mineira. Com formação técnica no ramo da eletrotecnia e também na área do ambiente, dividiu a vida profissional entre Aljustrel e Beja, destacando o seu préstimo na engenharia eletrotécnica, mas também na vida autárquica, partilhada entre as câmaras destas duas localidades alentejanas.

 

O ecletismo para a intervenção em áreas distintas da sociedade está-lhe na alma e o apego ao conceito de associativismo corre-lhe no espírito desde tenra idade. Por terras mineiras, estimulou e participou na criação de um grupo de teatro amador que, durante alguns anos, levou a cena diversas peças, engrandecendo esta arte e demonstrando que é possível, com disponibilidade e amor ao ofício, criar estruturas de carácter cultural.

 

E porque não sabe ser um homem de um ofício só, adotou as palavras escritas como atividade do espírito, assinando crónicas na comunicação social e publicando livros, de que são exemplos os títulos: “Fragmentos da vida de um autarca”, “Biografia de João Rosa” e “Mundivivências”.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

Relativamente ao gosto pela escrita, tratou-se de um impulso de registar, sob o formato de crónica, vivências tidas e acontecimentos que merecem relevo, e posicionamentos julgados oportunos de registar. No fundo, dar corpo sob a forma de escrita aos muitos estados de alma que nos percorrem nestes tempos conturbados por que passa o nosso universo.

 

Dos vários géneros de escrita experimentados, qual o de eleição?

Naturalmente que a crónica é aquele género onde me sinto mais atrevido a experimentar, já que ela incorpora uma liberdade continuada, quer nas abordagens feitas, quer na escolha diversificada dos temas em destaque. A crónica transporta uma liberdade que à notícia é vedada, onde pontua o adjetivo, dando lugar a narrativas onde impera a liberdade de diversas abordagens sem perder de vista a “pauta” da coerência assumida no seu todo.

 

Quais as motivações para escrever?

A minha inspiração bebe das vivências do meu quotidiano e das recordações do passado, facultando-me o reconhecimento de que as mudanças comportamentais e a correspondente alteração de opções radicam em mutações que me apraz registar. Nos últimos 50 anos, a nossa sociedade, mercê da evolução da técnica e da ciência, condicionou sobremaneira os comportamentos coletivos, sem que esse percurso tenha sido acompanhado pelo respeito na valoração das artes consideradas no seu todo. Existe uma crise séria na vontade de criação de grupos formais e informais que deem corpo a experiências nas mais diversas áreas, com especial destaque para a crise do associativismo, veículo moldador de uma verdadeira cultura popular.

 

Que papel desempenha o Alentejo na produção escrita de Manuel Camacho?

Na produção de ficções, os autores não ficam amarrados ao seu mundo, pois podem inventar e levar ao extremo as deambulações que projetam no seu imaginário ficando plasmadas na escrita que empreendem. Relativamente às crónicas, o fazedor das mesmas fica indelevelmente preso ao seu mundo, logo, o Alentejo com as suas amarguras, mas sobretudo com as suas virtudes, obrigatoriamente terá que ter lugar na minha produção.

 

Estar no Alentejo representa algum constrangimento para a arte da palavra?

Os meios de divulgação e a facilidade de difusão pelas mais diversas estruturas, vieram dar maior visibilidade aos autores. Basta pensarmos na liberdade que cada um possui nas redes sociais. Um caminho que está em pleno desenvolvimento, através das ferramentas disponíveis, havendo bons blogues, grupos de leitores, leituras “online”, etc. Então, julgo que as distâncias se estreitaram e qualquer autor pode escolher o seu local de produção, sem que para tal veja diminuída a sua visibilidade.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo do percurso, alguns mais marcantes?

Todos os trabalhos me deram um enorme prazer, já que cada um deles nasceu de propósitos diferentes. No entanto, destaco um pequeno trabalho sobre a biografia de um amigo, pois aí a incidência da temática foi naturalmente condicionada pelos relatos do biografado e dos seus amigos, não dando lugar a deambulações laterais.

 

Alguns momentos inusitados experimentados ao longo do percurso artístico?

O período mais fértil, porque resultou de um percurso de partilhas genuinamente saudáveis, foi na vigência do grupo de teatro. Pois desse período muitas e hilariantes cenas, fora e dentro do palco, ocorreram. A “talhe de foice” relato uma que ocorreu em Beringel. Numa certa noite de inverno fomos contratados pelo Inatel para uma sessão de teatro nesta vila. À hora aprazada, a sala permanecia praticamente vazia, contudo, nas redondezas, algumas tabernas experimentavam alguma movimentação, já que se tratava de um período de provas do vinho novo. Então um de nós sugeriu, porque já estávamos equipados e maquilhados, divulgar junto dos potenciais espectadores a sessão que iria ocorrer. Resta dizer que a sessão foi muito bem recebida e aplaudida, e julgo eu, que não foi só devido à nossa excelente atuação.

 

Que opinião sobre o universo literário em Portugal?

Na minha modesta opinião, julgo que o nosso País possui uma nova geração de grande talento e com provas firmadas. A atribuição do Prémio Nobel a José Saramago veio dar uma visibilidade maior à nossa produção literária, e o exemplo está na afirmação de autores nacionais com grande projeção mundial. As traduções falam por si, mas também os novos valores que, de forma desinibida, se vêm impondo.

 

E o acordo ortográfico?

Não concordo com o novo acordo, pois ele, no meu entendimento, viola determinadas regras que estão enraizadas no nosso léxico há várias gerações.

 

Como tem vivido este período de “stand by” no mundo?

Naturalmente que as nossas preocupações hoje são encaminhadas noutro sentido, como sejam as consequências de toda esta parafernália de condicionamentos que estavam longe de se imaginar. Porventura, este compasso de espera contribuirá para a valorização de alguns comportamentos que estavam arredados ou diminuídos nas nossas prioridades.

 

Que sonhos literários moram em Manuel Camacho?

Quase todos os autores sonham um dia produzir uma obra marcante que o projete sobremaneira. No meu caso, dou por mim a imaginar a feitura de um romance com princípio, meio e fim ancorado na minha terra, num misto de ficção e de realidade, mas para tal, necessito efetuar muita investigação e de apostar na formação que atualmente não possuo.

 

O que tem na “manga”?

A curto prazo, irei no mês de fevereiro, com edição de autor, publicar um livro de 50 crónicas, visando as gentes da minha terra nas suas mais diversas dimensões, e cujo nome será: “Crónicas Mineiras – Com Gente Dentro”.

 

Comentários