Diário do Alentejo

Alvito e Beja entre concelhos com mais sem-abrigo

17 de outubro 2021 - 07:30

Os últimos dados divulgados sobre pessoas em situação de sem-abrigo (PSSA) em Portugal revelaram que existem cerca de oito mil homens e mulheres nesta situação. Alvito e Beja são os concelhos que apresentam o valor por mil habitantes mais elevado, mas Almodôvar também consta do top 10 da lista.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Não é segredo para ninguém que um dos objetivos do Presidente da República passa por sensibilizar a sociedade portuguesa para a causa das pessoas sem-abrigo e, em 2019, numa sessão promovida por ele e pela coordenação da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, apontou a data de 2023 para resolver este problema.

 

Na altura estavam referenciadas mais de sete mil pessoas nesta situação, 2767 das quais sem teto e a viver na rua ou em locais precários. Lisboa era, e continua a ser, em termos absolutos, o concelho onde o problema se apresentou mais agudo, seguido do Porto. No entanto, o último relatório sobre esta temática, revela que os números, em um ano, em vez de baixarem, aumentaram. O relatório agora divulgado, com dados de dezembro de 2020, mostra que existem mais mil pessoas nesta situação, 8200 no total.

 

Em termos relativos, Alvito e Beja encabeçam o top 10 a nível nacional, com, respetivamente, 11,35 e 9,72 pessoas sem-abrigo por cada mil habitantes. Lisboa aparece a seguir (7,42) e o Porto surge na sexta posição (2,72). Almodôvar, no nono lugar (1,8) também faz parte da lista.

 

Márcio Guerra que lida há muito com esta problemática, disse ao “Diário do Alentejo” que “na altura em que saiu o relatório” foram contactados pelos autores para aferir da sensibilidade local para este problema. “A nossa área de atuação é apenas concelhia, mas as outras paróquias fazem chegar regularmente pedidos de ajuda,” o que lhe permite ter uma ideia geral sobre a situação no distrito e perceber que as necessidades locais são mais elevadas do que aquelas que o estudo detetou: “A estratégia nacional estava completamente desatualizada”, afirma

 

O técnico da Caritas de Beja revela que desde 2013 estão atentos a esta problemática, tendo na altura proposto à Segurança Social um protocolo para a criação de um centro de atendimento porque, à data, “a situação já não era boa”. O centro existe e está a funcionar com capacidade para 22 pessoas, mas não chega. No entanto, só em Beja, em 2019, os pedidos de ajuda atingiram quase as nove dezenas.

 

Márcio Guerra revela que, ao contrário do que se possa pensar, “a maior parte das pessoas que nos chegam a necessitar de ajuda são portugueses” e vêm com outros problemas associados, nomeadamente, de álcool, drogas ou de saúde mental. Apesar de tudo o trabalho para a integração destas pessoas no mercado de trabalho parece estar a dar frutos, pois são várias as pessoas que precisaram de ajuda da instituição que atingiram esse objetivo e são autónomas.

 

“Temos desenvolvido várias valências para ajudar estas pessoas”, uma vez que no distrito “não havia ninguém a abordar o assunto”, explica Isaurindo Oliveira, presidente da Caritas Diocesana de Beja. Foi assim que, em conjunto com a Segurança Social, nasceu um serviço de apoio 24 horas por dia, para toda a gente, incluindo migrantes.

 

Atualmente está para avaliação na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) Alentejo uma proposta para a criação de um projeto que, contando com o apoio a fundo perdido de financiamento da União Europeia, irá permitir a criação de uma equipa de rua durante dois anos para fazer o diagnóstico e rastreio desta população e ajudar a implementar a estratégia nacional.

 

Isaurindo Oliveira diz que já existe um espaço para isso, na antiga casa do estudante, em Beja, e que a equipa, para além de monitorizar a situação, tem como objetivo “a reintegração das pessoas no mercado de trabalho e a sensibilização da comunidade para o problema”. A iniciativa tem como lema “Estou tão perto que não me vês”.

 

O Beja Hostel, gerido por António Freire, é um dos locais a que a Caritas e a Segurança Social recorrem para resolver alguns casos urgentes. Ao “Diário do Alentejo” o empresário disse que o volume de pedidos é muito irregular e diverso ao longo do ano. “A maioria das pessoas que aqui nos chegam é portuguesa, mas existem estrangeiros refugiados, vítimas de violência doméstica ou sem-abrigo, mas também temos casos de doença mental, normalmente, de curta duração de passagem para serviços especializados”, explica.

 

António Bota, presidente da Câmara Municipal de Almodôvar, confessa ignorar esta situação: “Não conheço nenhum caso no concelho e ando na rua todos os dias”. A Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (Enipssa) “deve ter fatores de avaliação que desconheço. Eles que digam quem é que vamos lá ajudar”.

 

O documento publicado há duas semanas no portal Enipssa, diz que a maioria das pessoas nesta situação se encontra na Área Metropolitana de Lisboa, que representa 58,3 por cento do total, seguindo-se a área metropolitana do Porto com cerca de 12 por cento. A maioria são homens na faixa etária dos 45 aos 64 anos. Contabilizaram-se ainda 734 casais que não tem casa, mas que estão instalados em centros de alojamento temporário, ou em quartos pagos pela segurança social ou outras entidades.

 

MAIORIA VIVE DO RSI E TEM BAIXO NÍVEL DE ESCOLARIDADE

O relatório refere que a maioria das pessoas sem-abrigo tem como única fonte o Rendimento Social de Inserção (RSI) e que no ano passado cerca de quinhentos indivíduos deixaram a situação de sem-abrigo, 39 por cento do total. Na maioria dos casos, esta situação dura um ano. O nível de escolaridade tem o 2.º e 3.º ciclo do ensino básico, mas cerca de um terço apenas apresenta o 1.º ciclo. No Alentejo, 48 por cento das pessoas tem o 1.º ciclo e 19 por cento não tem qualquer de escolaridade. O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em comunicado, reconheceu o aumento de casos, mas justificou os números com a “melhoria no processo de diagnóstico em todo o País” o que irá permitir, “no curto e médio prazo a adoção de estratégias para um acompanhamento mais personalizado e próximo de cada pessoa e, em simultâneo o desenho e adoção de estratégias de prevenção”.

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