Na sua 16.ª edição Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja mostra obras de autores oriundos de Espanha, Itália, França, Egito, Brasil, Canadá e Portugal, num total de 13 exposições, nove individuais e quatro coletivas. À semelhança dos anos anteriores, trata-se de uma edição “muito diversificada”, juntando nomes consagrados com novos autores, diz o diretor do festival, Paulo Monteiro.
Texto Nélia Pedrosa
Depois de a edição do ano passado ter sido cancelada devido à pandemia de covid-19, o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja está de regresso, prolongando-se até ao próximo dia 19. À semelhança dos anos anteriores, esta éuma edição “muito eclética, muito diversificada”, juntando, “uma vez mais, grandes nomes da banda desenhada internacional com nomes menos conhecidos e que estão agora a começar o seu percurso”, diz, ao “Diário do Alentejo”, o diretor do festival, Paulo Monteiro.
A 16.ª edição do certame organizado pela Câmara Municipal de Beja, acrescenta o também diretor da Bedeteca, vai, no entanto, “ficar restrita à Casa da Cultura, não se espalhando pelo centro histórico”, como é habitual, até como “forma de coordenar melhor todas estas contingências a que a covid-19 tem obrigado”. Apesar de “as últimas regras [do desconfinamento] divulgadas serem bastante mais generosas para os eventos”, e de “as pessoas terem muita vontade de estarem juntas”, frisa o responsável, ainda “existe algum receio, pelo que, com certeza, vamos baixar o número de visitantes”. Na última edição, em 2019, passaram pelo certame perto de 10 000 pessoas.
O festival conta, nesta edição, com 13 exposições, nove individuais e quatro coletivas, de autores como Bartolomé Seguí, “talvez um dos autores espanhóis contemporâneos mais conceituados”, sublinha Paulo Monteiro; Lele Vianello, de Itália, que “trabalhou com Hugo Pratt durante muitos anos”; e Nicolas Barral, autor francês que publicou, no final de 2020, o livro “Ao Som do Fado”, uma estória “que se passa durante o Estado Novo, na ocasião em que Salazar cai da cadeira, portanto, que envolve a PIDE e a censura, um livro bastante interessante que tem tido muito sucesso em Portugal e muito em França, naturalmente”.
A estes nomes, o diretor do festival acrescenta, a título de exemplo, Carlo Ambrosini, também italiano, “um autor espetacular que trabalha numa área mais dedicada à banda desenhada de aventuras”, e os portugueses António Jorge Gonçalves, “considerado uma referência a nível nacional e não só, sempre com propostas gráficas muito modernas e arrojadas”, e Luís Louro, “um autor também muito conhecido, muito apreciado pelos mais jovens”. E, ainda, as coletivas “Umbra” (Brasil/Canadá/Portugal), “Toupeira” – o ateliê de banda desenhada de Beja, “o coletivo mais antigo do País e um dos mais antigos da Europa”, que comemora 25 anos de existência –, e a egípcia “Shennawy, Tok Tok & Companhia”, “muito inusitada, porque muitas vezes temos uma ideia do mundo árabe até um pouco preconceituosa, e é engraçado olhar para a banda desenhada egípcia e ver até que ponto eles são críticos da sociedade, até que ponto falam da sexualidade, da libertação e emancipação da mulher, da crítica social, da crítica política”, refere Paulo Monteiro, adiantando que “é muito interessante ver que o mundo árabe não é a preto e branco, que existem estas correntes e que os países, no fundo, são muito diferentes uns dos outros”.
Para além das exposições, o programa inclui a apresentação de projetos, lançamento de livros, conferências, oficinas, revisão de portefólios, sessões de autógrafos, concertos desenhados e tasquinhas de comes e bebes. Será ainda entregue o Prémio Geraldes Lino à autora portuguesa de BD Bárbara Lopes, “que está agora a começar o seu percurso”, diz o diretor da Bedeteca.
FESTIVAL DE BEJA É EXEMPLO
Para Paulo Monteiro, “é fundamental” que o certame tenha conseguido colocar “Beja e a banda desenhada” no roteiro dos festivais europeus, tornando-o “uma referência não só a nível nacional, mas também internacional” e atraindo gente de todo o lado. “É ótimo para a região, porque as pessoas esgotam os hotéis, esgotam os restaurantes, e voltam muitas vezes depois para visitar a cidade e a região. E é também muito importante para a imagem de Beja, porque a banda desenhada é uma arte muito moderna, muito urbana, e é importante que Beja tenha também essa face. Não pode ser só a face da tradição, que é fundamental, no fundo é quem somos, mas é importante que exista também o sopro de modernidade e de frescura”.
E fruto dessa projeção, realça, há alguns autores de banda desenhada de Beja que “estão, neste momento, a desenhar” para países como os Estados Unidos da América, Espanha e França, entre outros. “Muitos dos autores de Beja são até bastante conhecidos no nosso País. Tudo isso é muito importante, porque estão a trabalhar em Beja, estão a criar em Beja e levam o nome da cidade a muitos locais, isso é essencial para nós”.
“Há muita gente a trabalhar com propostas muito interessantes e temos feito realmente esse percurso pela Europa”, reforça o responsável, sublinhando que o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja é dado muitas vezes como exemplo: “Como uma cidade do interior, uma cidade pequena – às vezes não temos essa noção, mas Beja é uma cidade pequena –, e relativamente perto da fronteira, consegue romper uma série de condicionantes e tornar-se ela própria o centro do movimento, isso é muito importante para nós”.
A Bedeteca, equipamento municipal inaugurado em 2005 para dar “enquadramento” aos autores de Beja, e uma das três existentes no País, tem feito “um percurso espetacular”, frisa ainda Paulo Monteiro, lembrando que têm sido convidados para vários eventos. “Há dois anos tivemos oportunidade de ir a Bruxelas fazer uma grande exposição de banda desenhada com autores portugueses e tivemos entrevistas sobre o festival de BD na EuroNews e na televisão belga. Já falámos para uma série de televisões europeias, para a televisão brasileira, para a televisão de Angola. Temos feito conferências em Espanha, França, Itália, Polónia, Sérvia, Bélgica, sobre o festival de Beja e sobre a banda desenhada portuguesa”, enumera. E para comemorar os 25 anos do ateliê Toupeira, para além da exposição em Beja e de outras na Amadora e em Lisboa, os autores bejenses irão marcar presença no Festival Internacional de Banda Desenhada de Bruxelas, “o segundo maior da Europa”. “Isto dá-nos uma projeção enorme a nível europeu, principalmente aos autores”.
Dezasseis anos volvidos sobre a sua criação, Paulo Monteiro considera que falta ao certame, “essencialmente, ter uma máquina promocional maior, ter a capacidade de divulgar ainda mais o festival, inclusivamente no estrangeiro, talvez até através de um gabinete que possa funcionar com uma certa frequência”. Para além disso, “falta convidar jornalistas espanhóis, franceses, italianos, a virem ao festival e a partilharem com os seus leitores aquilo que podem ver cá”.
O diretor do festival frisa que há uns anos começaram a convidar editores estrangeiros – “porque os portugueses estão todos em Beja [durante o festival]” –, presença essa “muito importante”, uma vez que “há a possibilidade de fazerem revisão de portefólios, a possibilidade de os autores mostrarem o seu trabalho a esses editores e de publicarem no estrangeiro”. “Há três ou quatro anos esteve cá o diretor da Disney para a Europa a ver uma série de trabalhos, todos os anos temos tido editores, este ano vamos ter Nicolas Grivel, de França. E alguns autores acabam a trabalhar para o estrangeiro, não só autores de Beja, mas de todo o País, porque vêm muitos para terem a possibilidade de falarem com os editores e tentarem colocar o seu trabalho à venda nas editoras estrangeiras”.
FUTURO MUSEU DEVERÁ SER APRESENTADO
No decorrer do festival deverá ser ainda apresentado, pela autarquia, o projeto do futuro museu de banda desenhada de Beja, o primeiro do País. “Estranhamento é o primeiro. Na Europa ocidental somos, talvez, o único país que não tem um museu”, afirma Paulo Monteiro, salientando que Portugal “é um dos países com uma história mais interessante” em termos de banda desenhada. “Temos uma coisa muito má, que é também uma coisa muito boa: a coisa muito má é que o nosso mercado é muito pequeno, a coisa muito boa é que como o mercado é pequeno os autores fazem o que lhes apetece. Do ponto de vista autoral e artístico o nosso trabalho é realmente espetacular, e tem sido sempre. A primeira BD portuguesa saiu em 1850, fomos talvez o quinto ou sexto país do mundo a ter autores de banda desenhada, temos uma história riquíssima”, prossegue, lembrando nomes como Rafael Bordalo Pinheiro, Stuart Carvalhais, Carlos Botelho, Eduardo Teixeira Coelho e Almada Negreiros, “para falar de alguns dos mais famosos”.
Segundo o diretor da Bedeteca, a criação de um museu em Beja “tem suscitado muito interesse por parte dos leitores, porque há muitos milhares de leitores em Portugal, muitos milhares de pessoas que gostam realmente de banda desenhada”, mas também por parte dos autores ou das famílias, “porque grande parte dos autores já morreu”.
O futuro museu, que ficará instalado num edifício propriedade da câmara, situado na rua Dr. Afonso Costa, vulgarmente conhecida como rua das Lojas, no centro histórico, apresentará, de acordo Paulo Monteiro, “uma série de originais de banda portuguesa de 1850 até ao ano 2000, dando um panorama muito rico e variado da produção artística” num conjunto de épocas, para além “de livros em exposição, revistas antigas, diários de esboços, alguns materiais dos próprios autores”.
O museu acolherá ainda a Bedeteca, atualmente a funcionar na Casa da Cultura, assim como galerias de exposições temporárias “para continuarmos a fazer o que sempre fizemos, que é divulgar os autores que estão agora a trabalhar”, diz o responsável. Existe também a possibilidade de o futuro museu de BD de Beja “integrar um circuito nacional e internacional”.
A “MAIOR E MAIS COMPLETA” LIVRARIA DE BD
A XVI Feira Internacional de Banda Desenhada de Beja tem ainda ao dispor dos visitantes o habitual Mercado do Livro, onde estarão presentes mais de 70 editores, algumas lojas, e muitas serigrafias e originais. “Durante estas duas semanas [de festival] é a maior e mais completa livraria de banda desenhada do País, porque conseguimos ter desde os autores mais comerciais, as maiores editoras, aos editores dos fanzines mais alternativos e mais ‘underground’ que circulam em circuitos muito fechados. Conseguimos ter um bocadinho de tudo à venda e há pessoas que vêm ao festival com o objetivo de ir ao mercado do livro”, diz o diretor do festival.