Diário do Alentejo

“Sem pessoas não há desenvolvimento possível”

20 de agosto 2021 - 10:50

“Sem pessoas não há desenvolvimento”, diz o presidente do Observatório do Baixo Alentejo, criado em 2020 para “agregar visões, vontades e ideias, estabelecer compromissos e agir em defesa do desenvolvimento sustentável” da região. Segundo Jorge Barnabé, a falta de pessoas “é um problema estrutural do qual depende a concretização de vários projetos, como as estradas, a ferrovia, os investimentos públicos em escolas e equipamentos de saúde ou de cultura, as estratégias de proteção ambiental e a capacidade e o interesse de investimentos privados”.

 

Texto Marta Louro

 

Uma das principais bandeiras do Observatório do Baixo Alentejo (OBA) é a “promoção de políticas de desenvolvimento a partir dos interesses e necessidades das pessoas”. Quais são efetivamente os interesses e as necessidades das pessoas?

 

O Observatório do Baixo Alentejo tem defendido uma mudança de paradigma nas políticas de planeamento e nas decisões políticas. Ao longo de décadas desenvolvemos políticas considerando que o desenvolvimento serviria o interesse das pessoas, quando na realidade isso, tendo trazido benefícios em alguns aspetos, criou maiores fossos e obrigou as pessoas a abandonarem os seus territórios. O que defendemos é que o planeamento deve ser feito a partir dos interesses e das expectativas dos cidadãos, colocando as pessoas como o centro das políticas de desenvolvimento e que a partir daí conseguiremos alcançar o desenvolvimento económico e social sustentado, promotor de qualidade de vida, de coesão territorial e de cumprimento dos seus objetivos no futuro. Sem pessoas não há desenvolvimento e esta é uma realidade inalterável. Podemos criar desenvolvimento com a construção de estradas, de equipamentos de saúde ou de educação, mas se não existirem pessoas isso não funciona. As pessoas são o centro da sociedade e têm de ser a principal preocupação de qualquer estratégia.

 

Os dados preliminares dos Censos 2021 apontam para uma redução da população no Alentejo em 6,9 por cento. Este é um problema que deve merecer especial atenção?

 

Deve e tem que ser a principal preocupação, pelo que referi, mas sobretudo porque a baixa densidade populacional da nossa região é o seu maior problema. É um problema estrutural do qual depende a concretização de vários projetos, como as estradas, a ferrovia, os investimentos públicos em escolas e equipamentos de saúde ou de cultura, as estratégias de proteção ambiental e a capacidade e o interesse de investimentos privados, entre outros. Repito a ideia: sem pessoas não há desenvolvimento! Precisamos urgentemente de repovoar a nossa região, ter a capacidade enquanto comunidade de acolher novos cidadãos, as comunidades imigrantes, que são importantes e decisivas, atrair massa crítica em todas as áreas, desde a cultura à tecnologia, da investigação à ciência e de todos os setores e áreas do trabalho.

 

Como se pode atrair população para o Baixo Alentejo?

 

A nossa região já tem em curso uma “revolução de repovoamento” que são as comunidades imigrantes a trabalhar nas áreas da agricultura. Mas olhamos para estas pessoas como se fossem um problema quando, na verdade, são uma parte da solução, são a nossa melhor oportunidade. Muitas destas pessoas são qualificadas em várias áreas que necessitamos e devemos integrá-las e aproveitar o seu conhecimento para nos enriquecer, para nos ajudarem a cumprir as necessidades que são exigidas por investidores privados e criar dinâmica. Este é um exemplo daquilo que falei: olhemos em primeiro lugar para as pessoas e com elas virá o desenvolvimento. Mas também temos que ter a capacidade de atrair mais gente, através da cultura, da tecnologia e da investigação, potenciar a relocalização de quadros através da possibilidade de trabalho à distância, de criar uma oferta de trabalho qualificada que permita investimentos. Para nós o aeroporto de Beja, nas suas vertentes principais de indústria aeronáutica e de logística, será o grande motor de desenvolvimento de toda a região, com um impacto de fixação e atração de milhares de pessoas, não só em Beja mas em quase todo o território da região. E para corresponder a essa estratégia de desenvolvimento do projeto do aeroporto é necessário em primeiro lugar desbloquear a capacidade de instalação de empresas e ao mesmo tempo garantir às empresas que têm uma bolsa de oferta de trabalho. Perguntando às empresas com interesse em investir no aeroporto de Beja, nenhuma levanta a questão das acessibilidades, mas sim a da parca oferta de trabalho qualificado.

 

Outro dos objetivos do OBA é a criação de um projeto capaz de dar resposta a um conjunto de constrangimentos, no que diz respeito às indústrias criativas da cultura e da tecnologia. Esse projeto será uma mais-valia para captação de jovens na região?

 

Esse é um projeto pensado para responder ao grave problema da baixa densidade populacional e para inverter a tendência do êxodo populacional. O que pretendemos é fixar e atrair jovens e pessoas de todas as gerações, criar condições para dinamizar espaços culturais fechados ou com pouca atividade, criar residências artísticas permanentes em aldeias e vilas com baixa densidade populacional. Acreditamos, à semelhança daquilo que foi feito no pós-II Guerra Mundial em várias cidades e regiões de outros países europeu, que este modelo de repovoamento funciona e que adaptado à nossa realidade e a um contexto tecnológico é viável. É uma das soluções que é preciso implementar.

 

Recentemente, durante uma reunião com o Corredor do Sudoeste Ibérico de Badajoz, o OBA disse querer “pensar a lógica do sudoeste ibérico para os próximos 30 anos”. O que quer isso dizer em concreto?

 

Não podemos fazer as coisas acontecerem sozinhos, precisamos uns dos outros. E pensar a estratégia para um território ignorando o que se passa no território vizinho é um erro crasso. Devemos criar e consolidar uma relação de planeamento estratégico com as regiões espanholas da Andaluzia e da Extremadura, assim como o devemos fazer com o Algarve. Os problemas, as expectativas e as potencialidades destes territórios são muito semelhantes e é preciso pensar em conjunto o que fazer. Tudo o que no Baixo Alentejo for feito tem que ter impacto positivo nas outras regiões, tudo o que for feito em cada uma das outras regiões tem que ter impacto positivo no Baixo Alentejo. Vivemos num território relativamente pequeno no contexto europeu, mas que aliado a outras regiões ganha força e escala globais.

 

Existe, de facto a necessidade de criar uma plataforma formal com os territórios do sudoeste ibérico?

 

Na nossa perspetiva, sim. É preciso criar uma plataforma para trocar opiniões e formalizar uma visão comum do território do sudoeste ibérico, para pensar e ajudar a definir a estratégia para estes territórios nos próximos 30 anos. E para conciliar projetos e infraestruturas, para evitar duplicações ou soluções antagónicas que apenas geram confusão e dificultam a decisão política dos governos de Portugal e de Espanha. Dito de outra forma: temos que ganhar influência e reforçar o ‘lobby’ com um pensamento estratégico comum e capaz de facilitar a decisão política.

 

Quais são efetivamente os problemas estruturais da região?

 

O maior problema de todos é a baixa densidade populacional. Sem pessoas não cumprimos os rácios de decisão sobre muitos investimentos públicos. Por isso devemos fazer valer a nossa força pelo impacto económico da região. Somos agora a segunda região que mais contribui em produtividade para o PIB nacional e com valores de exportação muito relevantes. E é urgente investir na habitação, não só para famílias carenciadas mas também para permitir a atração e fixação de pessoas. Também temos um problema sério, que não pode ser ignorado, que é o das alterações climáticas, que nos fará perder território e acentuar a desertificação. Do ponto de vista económico, necessitamos de atrair mais investimentos privados. A região criou ao longo de décadas vários investimentos públicos como o Alqueva, o aeroporto de Beja e o porto de Sines que são motores importantes para o futuro e que indireta ou diretamente trazem benefícios à região, mas é preciso que interajam, que funcionem numa lógica de desenvolvimento partilhado. E temos um défice significativo de massa critica, que se reflete em tudo, sobretudo na influência da decisão política e na falta ou na má estratégia de planeamento. Precisamos de melhorar a qualificação da nossa sociedade, de atrair gente qualificada.

 

E quais as soluções, na perspetiva do OBA?

 

Há vários problemas e cada um tem soluções diferentes, mas acreditamos que a solução principal passa por conciliar interesses e criar uma perspetiva comum a todos que valorize uma estratégia regional assente em várias soluções e dinâmicas. Estamos a viver um tempo de oportunidades através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que deve ser aproveitado pelos municípios, não só numa perspetiva local mas sobretudo intermunicipal e que a partir daí se crie uma dinâmica regional.

 

De que forma?

 

É a mais importante oportunidade para os problemas estruturais da região. Não teremos nas próximas décadas outra oportunidade igual e esta tem uma condição importante: o que não for feito por esta via até 2026 já não será feito. Portanto, não só é preciso ter projetos de aproveitamento do PRR como é necessário ter capacidade de os executar até 2016. E quando falamos em executar não é no modelo que temos usado de fazer por fazer, as coisas têm que estar interligadas, Têm que fazer parte de uma estratégia de planeamento comum a toda a região. O PRR é decisivo para promover a coesão e através da coesão criar equilíbrios e sustentabilidade. Preocupa-nos que a visão possa ser muito redutora e que na maioria dos casos as autarquias não estejam a olhar para esta oportunidade como um modelo de desenvolvimento regional. É necessário esbater fronteiras e criar dinâmicas regionais, deixar de pensar os territórios na sua dimensão paroquial. É para isso que serve o PRR, para resolver os problemas estruturais e não para as soluções pequenas. Esta é uma revolução para as próximas décadas e não para os ciclos eleitorais imediatos.

 

Qual a posição do OBA sobre as condições de vida de milhares de trabalhadores migrantes no Alentejo?

 

Pensamos que é um problema grave para o qual é necessários criar soluções adequadas. Em primeiro lugar é urgente e eticamente necessário fiscalizar e resolver o problema da exploração humana. Há muita gente oportunista a ganhar dinheiro, ilegitimamente, à conta da dignidade destas pessoas. Isso é inqualificável e não pode continuar sob o manto do silêncio e de permissão por omissão. Depois, é urgente criar um parque habitacional que integre os imigrantes, que nos fazem falta, para lhes dar condições de fixação e de qualidade de vida, para que possam trazer as suas famílias e fazer parte da nossa comunidade. Mas este problema não tem a ver com as empresas que garantem o trabalho, tem a ver com a falta de condições de habitação na região e com o aproveitamento vergonhosos que alguns fazem, por mera exploração económica. As entidades empregadoras são as principais interessadas em que este problema não exista, precisam e querem ter um circuito económico internacional credível e esta situação afeta a sua imagem comercial externa. Não quer dizer que não existam maus exemplos, que existem, mas esses têm que corrigidos. O OBA está a preparar um plano de integração destas comunidades, depois de identificadas várias situações e de conversas com os vários setores económicos.

 

Podem ser um fator importante para o desenvolvimento da região…

 

São fundamentais. São a solução para o nosso défice populacional. Estas pessoas não são um problema. O problema está na nossa incapacidade de acolhimento e de integração.

 

… até para o repovoamento do território.

 

São decisivos, podem e devem ser um fator de repovoamento de aldeias e vilas que estão a ficar desertas. Com uma política adequada de integração estas pessoas ajudarão a nossa região a equilibrar-se e a promover a coesão social. Olhemos para eles como uma solução, sejamos mais conscientes da mais valia que representam, dos benefícios económicos e sociais, da sua capacidade e competências.

 

O OBA tem desde o início defendido a necessidade de o aeroporto de Beja apostar na atividade industrial. Porquê? Não tem de facto qualidades nem capacidade para apostar na vertente dos passageiros?

 

Tem condições para apostar na vertente de passageiros mas numa dimensão reduzida, complementar e não alternativa. Dizer que o aeroporto deve ser alternativa a Lisboa é uma ilusão, é um discurso que intoxica a opinião pública e que só serve para impedir decisões politicas e privadas que o desenvolvam. É o discurso de quem quer confusão ou de quem não sabe o que é e o que pode ser o aeroporto de Beja. Defendemos que pode e deve ser complementar porque sabemos que não tem capacidade e existem vários constrangimentos técnicos e legais que o impedem de ser mais do que isso, nesta fase da sua vida. Pode vir a ser daqui a 20 anos, agora não é possível. E é preciso dizer a verdade às pessoas e explicar que afinal as alternativas são mais valiosas e com maior impacto na região. O aeroporto de Beja pode preencher um vazio da rede aeroportuária nacional de uma estrutura logística e de indústria aeronáutica que não existe, que reforce com o porto de Sines um ‘hub’ aeroportuário internacional que, instalando empresas da aeronáutica e da logística, criará milhares de postos de trabalho e cujo raio de influência é a quase totalidade da região.

 

“O AEROPORTO DE BEJA É O MOTOR DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL”

 

Tornar o aeroporto de Beja numa vertente industrial vai, também, criar bastantes postos de trabalho. É uma mais valia para a região?

 

É sem dúvida. Se o implementarmos dessa maneira e com a componente logística, será um grande trunfo não só para Beja, diretamente, mas também para os concelhos limítrofes. Criará milhares de postos de trabalho nas próximas duas décadas e será o elemento comum da coesão. O aeroporto de Beja é, na nossa opinião, o motor do desenvolvimento e da coesão regionais. E o Observatório do Baixo Alentejo está empenhado em apoiar, com uma visão estratégica, como interlocutor e como agregador de vários interesses coletivos e setoriais, a construção de soluções que o viabilizem.

 

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