Diário do Alentejo

Primeira edição do Prémio Literário Infantil e Juvenil Assesta

25 de abril 2024 - 12:00
“O valor da liberdade e da democracia”
Ilustração | Joaquim RosaIlustração | Joaquim Rosa

A Associação de Escritores do Alentejo (Assesta) e a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) promoveram no presente ano letivo, 2023/2024, a primeira edição do Prémio Literário Infatil e Juvenil Assesta “O valor da liberdade e da democracia”, destinado a todos os alunos do primeiro ciclo ao ensino secundário da região. Anunciados ontem os premiados, o “Diário do Alentejo” publica os textos vencedores em cada categoria, em jeito de visão presente e de futuro do que a Liberdade e a Democracia significam para os mais jovens.

 

1.º ciclo

 

Onde nasceu a liberdade? É um segredo bem guardado. Dizem que nasceu no coração de um passarinho que estava dentro de uma gaiola.

No princípio, a liberdade era uma ideia pequena, um pontinho mesmo no meio do coração do passarinho. Aos poucos, cresceu e desabrochou como uma flor.

Ninguém sabe bem como surgiu aquela melodia que um dia o passarinho cantou bem alto.

Pelas ruas, voou este canto que sonhou ser livre.

A alegria das crianças floriu os campos e os quintais com cravos de abril.

Há quem diga que o canto chegou também aos ouvidos do ditador que logo desconfiou que a liberdade tinha chegado.

Pensou guardá-lo bem fechado para que ninguém o encontrasse.

Era tarde. As crianças que dormiam despertaram e segredaram ao ouvido dos pais:

– “A liberdade chegou!”

O ditador esqueceu-se que este canto era um tesouro que tinha um segredo, só tinha valor se fosse partilhado.

Por isso, cabe-nos a nós partilhar este segredo que temos ainda hoje guardado no coração.

 

Manuel Maria Revez Batista4.º ano – Escola Básica Mário Beirão – Agrupamento de Escolas n.º2 de Beja1.º lugar | 1.º ciclo

 

2.º ciclo

 

A Revolução de 25 de Abril de 1974 foi um dos momentos mais altos da História de Portugal, a concretização de pôr fim aos 48 anos da ditadura fascista e à guerra colonial. Devolveu-se a Liberdade ao povo e passou-se a viver numa democracia.

A Democracia e a Liberdade foram devolvidas sem violência, foram simbolizadas desta forma por cravos que significaram o renascer da vida e da mudança.

A Liberdade é um dos valores mais importantes para a sociedade. Poder ter liberdade de expressão, não ter receios de que a opinião possa ser divergente e ser aceite, poder debater e discutir sem medos, foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril, por isso ser tão importante e valioso para o povo português.

O valor da Democracia é sem dúvida o respeito pela dignidade humana. A Democracia defende que todos os cidadãos têm direitos e deveres. Viver em Democracia, deixar que as pessoas sejam autores do seu próprio destino e ter a liberdade de exercer o seu dever cívico, foi a principal vitória da revolução do 25 de Abril de 1974. Ter direito ao voto e à participação política, poder influenciar o rumo do país, foi muito importante para o povo português.

A revolução do 25 de Abril trouxe às pessoas direitos e liberdades que lhes tinham sido restringidos pelo regime do Estado Novo. A democratização de Portugal procurou promover a justiça social e a igualdade perante a lei. Foram implementadas políticas para combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, independentemente de origem étnica, religião, género ou classe social. Todos os cidadãos passaram a ter direito à saúde e a um Serviço Nacional de Saúde público, à educação pública e gratuita, o direito à Segurança Social pública, o direito à greve, entre outros valores conquistados. Essas mudanças transformaram profundamente Portugal, marcando o início de uma nova era de democracia, desenvolvimento e integração europeia. Embora tenha havido desafios ao longo do caminho, a Revolução dos Cravos continua a ser celebrada como um marco na história do país.

A Liberdade e a Democracia são princípios essenciais que devem ser cultivados e defendidos por todos. Viver em democracia é respeitar a vida, o ser humano e as suas diferenças

Em resumo, viver em liberdade após o 25 de Abril significou não apenas a ausência de restrições políticas e sociais, mas também a oportunidade dos portugueses participarem ativamente na construção de uma sociedade mais justa, democrática e próspera.

 

Matilde de Fátima Almeida Mendes6.º ano – Agrupamento de Escolas Professor Francisco Honrado Pereira – Amareleja (Moura)1.º lugar | 2.º ciclo

 

3.º ciclo1974, 25 de Abril

 

Um povo de irmandadeOrganiza-se,Proclama a liberdade.

 

De cravo na espingardaIam os soldadosCom a Bandeira alçadaTodos abraçados.

 

Em todas as regiõesSe cantava vitória.Finalmente livre das prisõesQue infelizmente perduram na memória!

 

2024, 22 de janeiro

 

A liberdade perdura.Porém, corre-se o riscoDe voltarmos a uma ditadura.

 

O povo Português está perdidoE iludidoCom as propostas de um partido.

 

A mentalidade está diferenteE não é para melhor.Muita gente não entendeQue aquele partido só fará pior.No próprio povo se nota diferençaJá não há aquela união, aquela crençaVai desaparecendo a irmandadeE com ela, a nossa liberdade.

 

David Miguel Brito Martins9.º ano – Escola Secundária de Aljustrel1.º lugar | 3.º ciclo

 

Ensino Secundário

A vida antes de ti

 

Sento-me numa esplanada, pouso o meu café, o meu casaco e a minha mala na cadeira velha de madeira ao meu lado. Retiro dela um bloco de folhas A4, uma caneta e o meu maço de tabaco.

Os carros passam apressadamente. A correria da cidade é atravessada pelas buzinas do trânsito da autoestrada no outro lado do rio Tejo, e pela multidão que se acumula num passadiço por causa do semáforo que continua vermelho. As gaivotas sobrevoam o Terreiro do Paço, há um senhor a tocar saxofone no meio da praça e o sol da meia tarde reflete o rio e transforma todo o céu num amarelo rosado, relembrando-me das tardes que passava no Alentejo. Na mesa à minha frente está um senhor, de cabelo branco, um pouco grisalho, e com um rapazito que não aparenta ter mais de 7 anos.

Pergunto-me em que parte da minha vida abandonei o campo e os dias em que criticava o meu avô por acender o seu velho cachimbo à minha frente. O semáforo fica verde, e a multidão é livre de seguir.Agarro no maço, retiro um cigarro. Bebo um pouco do café, agora arrefecido pela brisa da baixa e oiço o rapazito dizer:

“Avô, hoje na escola falámos do 25 de Abril, e depois, uma senhora com uns óculos roxos perguntou-me o que era a Liberdade. Eu disse que era o que eu sentia quando jogava futebol.”

A genuinidade daquele rapaz provocou em mim um leve sorriso.

Para mim a liberdade era a descrição mais excêntrica do amor.

Mas quantos amores se perdem entre sinfonias diferentes de mentes opostas?

Quantas guerras se instalam por crenças distintas? Quantas mortes houve pela necessidade persistente de transmitirmos ao outro tudo aquilo em que pensamos?

 

O senhor que estava a tocar saxofone parou. Está agora a soar Tchaikovsky num piano vindo do outro lado da rua por detrás de risos e da vibração de automóveis a passar pela velha calçada de Lisboa.

Imagino o meu avô a encarar-me, com a sua boina aos quadrados, encostado ao cajado que fizera à mão. Quase que conseguia sentir o seu cheiro desgastado e a sua profunda presença. Depois olha em direção ao rio Tejo com aquele seu olhar apaixonante e, com a serenidade que o acompanhava desde que o conhecera, pergunta-me roucamente porque ali estou.

Prometera-lhe que um dia viajaria o mundo e que escreveria um livro sobre isso. Que de alguma forma, sem nunca saber bem qual, me tornaria em alguém importante. Que, ao contrário da maioria das pessoas das terras onde o sol nasce mais tarde e se põe mais cedo, teria coragem suficiente para sonhar mais alto, e ainda maior perspicácia para me atrever a realmente tentar.

Porém aqui estou. As folhas A4 continuam em branco. Aprendi que o sol nasce ao mesmo tempo para todos, mas que apenas alguns o podem realmente apreciar. E que sonhos não passam disso mesmo, se não aprendermos a sermos livres de espírito ou talvez tenhamos nascido com o dom da sorte.

Mas ainda assim, o que é a Liberdade?

Os meus pensamentos são interrompidos por uma voz parecida à do meu avô, mas esta eu tinha a certeza de que era real: “Desculpe, importa-se de me emprestar uma folha? Queria desenhar um cravo para mostrar ao meu neto”, era apenas o senhor à minha frente.

Apaguei o cigarro. Arranquei uma folha do bloco e entreguei-lha.

Reparo que no outro lado da estrada estão a distribuir panfletos. Devem provavelmente ser acerca dos candidatos às novas eleições. Gritam pelo apelo à nossa consciência coletiva, quando, na verdade, são eles que a destroem ano após ano, milhão após milhão.

Ainda me recordo dos almoços e jantares em família da minha infância. Da casa revirada pela alegria inesgotável dos meus primos mais pequenos e da minha tia a tentar dar-lhes a sopa. Da minha mãe e avó a prepararem a secreta receita do melhor arroz-doce que já comera. Do meu pai a fumar e da minha irmã a ralhar com ele, enquanto estavam sentados no velho sofá de couro castanho, a assistiram ao “Maria Elisa” que passava na RTP. E claro, de ouvir as longas discussões políticas entre o meu tio e o meu avô à frente da lareira. Lembro-me do desejo que sentia em crescer. Sei agora que só queria na verdade ser ouvida numa casa tão barulhenta e ser séria o suficiente para que não se rissem de mim quando dizia palavras compridas que costumava ouvir num rádio daqueles de antena. Mas o que poderia uma menina de 9 anos saber de um mundo tão distante da sua realidade?

Hoje, sentada neste café, rodeada pelo barulho ensurdecedor da cidade, desejo arduamente voltar à correria de uma família e à luz de uma casa observada pelos meus antigos olhos.

Passados anos, percebo agora o que Kant queria realmente dizer quando disse que “Somos livres quando não procuramos alguém fora de nós próprios para resolver os nossos problemas”.

Acendo outro cigarro.

É poético descrever a Liberdade enquanto um sentimento refrescante, porém apenas quem nasce com ela a pulsar por entre as veias, entende o quão oprimente é a política e a sociedade perante os direitos e desejos individuais de cada um.

Quando acordo e me apercebo que não mudei e que continuo na mesma monótona e apática vida, tento arranjar culpados que justifiquem o meu destino fracassado. Culpo a Liberdade. Culpo a Democracia. Culpo os sonhos de uma criança que apenas queria viver. Culpo o meu avô por me ter permitido sonhar. Quando, na verdade, a única culpada fui eu. Culpada por me ter perdido em algum momento desta linha que é a vida, e me ter permitido desistir da chama que me fazia, mais que gostar, amar cada pedacinho deste mundo.

Apago o cigarro.

Olho para o rapazito à minha frente, para a magia na sua voz e imagino-me a viver e a sentir de formas totalmente diferentes, mas sempre, com a mesma intensidade.

Neste momento a sinfonia de Tchaikovsky já se tornou demasiado distante e as buzinas dos carros já não me parecem fazer impressão. O mundo à minha volta está em silêncio e a única vibração que agora sinto, é a do sangue a percorrer cada canto do meu corpo, desde o mais insignificante dedo, até ao mais embaraçado pensamento.

 

Mas ainda assim, o que é a Liberdade?

Observando a cidade, olho para os anos de opressão política, lutas incansáveis contra o fascismo, o posicionamento quase idolatrado do socialismo. Chego à conclusão de que nada somos perante um governo. Os nossos sonhos não passam de caminhos para o enriquecimento de cada homem. Homens que ascenderam devido à fé depositada por uma consciência coletiva fraturada, mas que, com todas as complexidades do ser humano, apenas desejava uma oportunidade de ser livre. Livre por uma nação à sombra do seu legado e livre pelo futuro das próximas gerações.

Quero acreditar que sou feliz, porém nunca aceitei o facto de que me obriguei a apenas flutuar num mar imenso de possibilidades e de nunca me ter atrevido a mergulhar nele. Abdiquei do que era por não acreditar no que poderia ser.

A minha alma é a junção do delírio com a paixão. O mundo é a junção da Democracia e da Liberdade. Há algo que temos em comum, nenhum de nós é estático e a nossa estabilidade requer atenção e esforço suficiente para defender aquilo em que acreditamos. E assim, por entre avanços e recuos, guerras e paz, amores sonhados e amores fracassados, aprendemos a viver.

Mas ainda assim, o que é a Liberdade?

O senhor e o rapazito estão a ir-se embora. Os senhores com panfletos também já parecem ter partido. Lisboa é agora abrangida pelo anoitecer e iluminada pelos candeeiros que se vão acendendo um a um por entre as ruas.

Olho para a mesa. O bloco de folhas A4 estava agora preenchido por algumas anotações e por um retrato rabiscado do senhor e do rapaz. Não me lembro de o ter feito, mas percebo de imediato que algo em mim estava diferente. Tento convencer-me de que era a brisa que estava mais intensa, mas sabia que era algo mais. Era um sentimento familiar.

Imagino novamente o meu avô. Este agora sorri-me, levanta a sua boina e vai desvanecendo por entre o rio. Sei que não era um adeus, mas sim um até já. Teria eu finalmente conseguido ser livre num destino onde a monotonia prevalece?

Não tenho a certeza de que a Democracia algum dia irá encontrar a sua própria paz, acho que foi destinada à perpétua controvérsia, mas a minha Liberdade parece ter encontrado a sua.

Levanto-me da cadeira, agarro nos papéis amarrotados pelo suor de mãos exploradas, no maço de tabaco por acabar e na mala e no casaco jogados por cima da cadeira ao lado.

Tenho noção de que fui livre de sentir, de eventualmente quase existir. Mas contento-me com o facto de que dentro de mim serei uma eterna dona do quase e nunca a escolha do sempre.

 

Rita Dias Jacob10.º ano – Escola Básica e Secundária de S. Sebastião – Mértola1.º lugar | Ensino Secundário

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