Diário do Alentejo

Frescos seiscentistas descobertos na Igreja de Alvito

07 de julho 2021 - 14:45

Texto Júlia Serrão

 

A descoberta aconteceu durante os trabalhos de conservação e restauro do revestimento dos azulejos da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, Igreja Matriz de Alvito, classificada como Monumento Nacional pela Direção-Geral do Património Cultural. “O objetivo era conservar os azulejos, pelo que foi necessário remover uma série deles para fazer a sua estabilização. E, ao fazê-lo, demos com esta agradável surpresa”, comenta Carlos Costa, sócio-gerente do ‘atelier’ de conservação e restauro Samthiago – a empresa, a quem a Câmara Municipal de Alvito adjudicou a intervenção, com o acompanhamento técnico da Direção Regional de Cultura do Alentejo.

 

“As pinturas estavam subjacentes ao azulejo, por baixo deles”, esclarece o conservador e restaurador, explicando que a equipa levantou apenas uma pequena parte da pintura, sendo possível que ela revista toda a zona superior do arco e da nave da igreja matriz. “Chegou-se a ponderar levantar mais, apesar de não ser necessário em termos de conservação dos azulejos, mas concluiu-se que não valia a pena correr riscos”, como o do levantamento destruir a pintura ou esta se encontrar em más condições de conservação. A zona agora revelada foi “relativamente fácil” de pôr a descoberto porque os azulejos estava a soltar-se, diz Carlos Costa. “Daí que fosse necessário desmontá-los para depois os consolidar e estabilizar”. A decisão de não avançar foi tomada em conjunto com o município e a Direção Regional de Cultura.

 

MURAL CARACTERÍSTICO DO ALENTEJO

 

O conservador explica que o painel, que retrata anjos músicos, foi sujeito o “a um pequeno trabalho de conservação para estabilizar o que existe”. Ao contrário da azulejaria que reveste toda a igreja de Alvito, que está a ser sujeita a uma intervenção de restauro profunda até ao final de este ano. Recorde-se que o corpo da Igreja de Nossa Senhora da Assunção possuí três naves com abóbodas que apresentam componentes góticos e renascentistas, sendo uma significativa parte do seu interior revestido por azulejos do século XVII.

 

Catarina Valença Gonçalves, fundadora e diretora da Spira, empresa de revitalização do património, o nome por detrás do Projeto Rota do Fresco – primeiro ‘touring’ cultural em Portugal que junta 15 municípios alentejanos – diz trata-se de “uma pintura mural caraterística do Alentejo”. Segundo avaliação do historiador de arte e professor Vítor Serrão, “é uma pintura mural da escola José Escovar, um pintor do final do século XVI e início do século XVII, particularmente prolixo, que vivia, entre outras moradas, em Évora, onde tinha uma oficina.” As pinturas serão restos de uma campanha do século XVI “um pouco anterior à colocação dos azulejos, cerca de 50 anos antes”.

 

A fundadora da Spira, que também é historiadora de arte, dá conta da existência de inúmeros exemplares da escola de Escovar em muito outros edifícios religiosas do Alentejo, como a Igreja de São João Batista, em Monsaraz, e a de São Sebastião, em Alvito. Explica ainda que a Igreja Matriz desta vila alentejana tem um repositório de pintura mural a fresco de grande valor. Nomeadamente o que está visível há já muitos anos, com as personagens de Santiago, São Sebastião e Santo André, datadas dos anos 80 do século XV. “É uma das poucas pinturas murais tão recuadas que nós temos no nosso País, e em especial no Alentejo”, sublinha. Um conjunto de pintura mural continua também na abóboda da capela-mor e nas capelas laterais. 

 

APROXIMAR AS PESSOAS DO PATRIMÓNIO

 

De acordo com a especialista, no final do século XVI e início do século XVII, o Alentejo tornou-se o maior repositório de pintura mural a fresco, por excelência, do País. Um legado que permanece até aos dias de hoje, sendo que “na maior parte dos casos”, essas pinturas estão à vista. “Talvez seja o único lado bom da falta de desenvolvimento económico-social da nossa região… é que o património foi preservado”.

 

Pensa-se que haverá muito mais escondido. A esmagadora maioria das vezes está por baixo de cal, adianta. Explicando: “O intuito da caiação é esconder a pintura mural, ou porque os santos deixaram de ser os que se cultuavam – porque a pintura está degradada e não há possibilidade de fazer de novo e, portanto, não se pode prestar culto a uma figura que esteja sem um olho ou sem um braço, pois é preciso lembrar que a pintura mural tem uma função catequética, religiosa, para além da decorativa –, ou quando não há qualquer possibilidade de preservá-la ou fazer nova campanha”.

 

Amanhã, dia 3 de julho, será possível admirar os frescos agora descobertos no âmbito do evento Dias Abertos do Fresco 2021, organizado pela Spira. A visita é gratuita e acompanhada no local pelos técnicos do ‘atelier’ Samthiago que vão explicar o processo de intervenção. O programa inclui ainda uma paragem na Ermida de São Neutel, com mais de 500 anos, em Vila Nova da Baronia. Catarina Valença Gonçalves diz que "o intuito destas visitas é cumprir um propósito democrático que é aproximar as pessoas do património que é seu”.

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