Diário do Alentejo

Autarcas contra regantes da Barragem de Santa Clara

07 de julho 2021 - 11:30

A Assembleia Municipal de Odemira repudiou a atuação da Associação de Beneficiários do Mira (ABM) na gestão da água da albufeira de Santa Clara e exigiu a imediata reposição do caudal ecológico do Rio Mira.

 

Numa moção aprovada por unanimidade, a assembleia deliberou ainda reprovar o corte do fornecimento a pequenos consumidores e o bloqueio da água pela ABM “que não garante o necessário caudal ecológico no Rio Mira”. A decisão está relacionada com “a crescente escassez hídrica na albufeira de Santa Clara-a-Velha” que “levou ao corte do fornecimento de água a pequenos consumidores que se encontram fora do Perímetro de Rega do Mira [PRM], em Aljezur e Odemira” e por não estar a ser “garantido o caudal ecológico ao rio Mira”.

 

Esta situação, adiantaram os deputados municipais, põe “em risco a biodiversidade que depende daquela água” havendo já relatos do aparecimento de peixes mortos em troços secos do rio.

 

A moção, apresentada pelo deputado do Bloco de Esquerda Pedro Gonçalves, aludiu ainda à “inexistência de um Plano de Contingência para enfrentar a escassez de água” na albufeira de Santa Clara, o que levou o presidente da Câmara Municipal de Odemira “a afirmar na última reunião do Conselho Estratégico da ABM” que “a água disponível para efeitos de rega dá apenas para um ano, se não chover”.

 

“Segundo informação no sítio eletrónico da ABM, a albufeira de Santa Clara encontrava-se a 48 por cento da sua capacidade máxima em 23 de junho. Ou seja, contava com apenas 234 milhões de metros cúbicos de água no início do verão. Este volume já está abaixo da capacidade útil da albufeira, que é de 240,3 milhões de metros cúbicos”, é referido no documento.

 

Na albufeira, “são captados anualmente 2,5 milhões de metros cúbicos de água para abastecimento público, o que contrasta com os cerca de 33,8 milhões de metros cúbicos para a campanha de rega. O volume captado para as explorações agrícolas do PRM é já cerca de 14 vezes superior ao captado para abastecimento público”.

 

Os deputados municipais deram ainda o exemplo da Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, que pediu à ABM “uma estimativa dos custos da água a disponibilizar” por um período de três meses, após o “bloqueio das descargas de água para o rio”, tendo a associação “referido que assegurava a água a troco” de uma verba superior a 16 mil euros. “O problema aqui não é a falta de água, mas a vontade de fazer negócio por parte da ABM, com a água que não lhe pertence e que é de todos nós”.

 

Na moção, é argumentado também que a “expansão da agricultura intensiva agrava-se no PRM, delapidando os recursos hídricos da região e pondo em risco tanto o acesso dos pequenos consumidores e da população em geral à água, como a sobrevivência da fauna e da flora que dependem do caudal ecológico libertado pela albufeira de Santa Clara”.

 

Conforme noticiado pelo “Diário do Alentejo”, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) solicitou à Associação de Beneficiários do Mira a libertação de água da albufeira de Santa Clara para o caudal ecológico do rio Mira, que deverá ser feito “com a máxima brevidade”. Fonte da agência refere que esta determinação “é fundamental para acautelar valores ambientais imprescindíveis do rio, mas igualmente valores sociais associados ao espelho de água referido. É uma medida que deve ser acatada com a máxima brevidade e que a APA não deixará de fiscalizar e desencadear os meios necessários para a sua efetiva verificação”.

 

Referindo que “não está em causa o abastecimento público às populações servidas pelos sistemas de abastecimento” geridos quer pela empresa Águas Públicas do Alentejo, quer pela Câmara de Odemira, a APA diz que a jusante da barragem existe um volume de água “bastante reduzido, o que irá causar a breve prazo a produção de maus cheiros, decorrentes da exposição dos sedimentos lodosos acumulados nas margens e fundos, bem como da fauna aquática que depende da existência de água com níveis de oxigénio suficientes”.

 

Ainda de acordo com a mesma fonte, tem-se registado na região da bacia hidrográfica do Mira, após as cheias de 2000/2001, uma ausência de anos húmidos e o aumento de anos hidrológicos consecutivos com precipitação muito abaixo da média histórica.” A precipitação ocorrida no período húmido do ano em curso apenas permitiu atingir um volume total armazenado de cerca de 52 por cento”. Acresce que anualmente são captados cerca de 2,5 milhões de metros cúbicos para abastecimento público e cerca de 33,8 milhões para a campanha de rega, o que totaliza 36,3 milhões de metros cúbicos, “valor bastante inferior ao atual volume total útil armazenado”.

 

BLOCO QUER AUDIÇÃO PARLAMENTAR URGENTE

 

O Bloco de Esquerda requereu uma audição parlamentar urgente de diversas entidades sobre a gestão da água da albufeira de Santa Clara, por não estar a ser garantido o caudal ecológico do Rio Mira. No documento, os deputados do BE requerem a audição, “com caráter de urgência”, do movimento Juntos pelo Sudoeste, da Associação de Beneficiários do Mira ou da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos. A Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, no concelho de Odemira, a Administração da Região Hidrográfica do Alentejo e a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Alentejo são as outras entidades que os deputados querem, também, ouvir na comissão parlamentar. O pedido está relacionado com a falta de recursos hídricos na Barragem de Santa Clara, o “corte do fornecimento” pela Associação de Beneficiários do Mira (ABM) “a pequenos consumidores” e o “bloqueio da água” efetuado pela associação “que não garante o necessário caudal ecológico” do Rio Mira.

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