Diário do Alentejo

Alentejo: 50 mil pessoas abaixo do limiar de pobreza

11 de junho 2021 - 17:30

No distrito de Beja mais de 13 mil pessoas declararam um rendimento bruto anual abaixo dos cinco mil euros. Mas isto pode ser, apenas, a parte visível do iceberg, já que no escalão acima – entre os seis e os dez mil euros – serão muitos os que não auferem mais do que os 6480 euros/ano, valor que, desde fevereiro, estabelece o limiar de pobreza.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Mais de 52 mil pessoas no Alentejo, 15 por cento da população total, declararam em 2018 – últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) - um rendimento bruto anual inferior a cinco mil euros, cerca de 416 euros mês. Destes 13 264 mil são referentes ao distrito de Beja, excluindo o concelho de Odemira que, em termos estatísticos, está integrado no Alentejo Litoral.

 

Caso Odemira fosse contabilizado juntamente com os outros concelhos do distrito de Beja, a taxa de incidência desta sub-região seria de 21 por cento – mais seis por cento que a média de todo Alentejo –, já que este concelho do Alentejo Litoral é aquele que em números absolutos tem mais pessoas nestas condições.

 

No entanto, em fevereiro deste ano, o INE, num relatório sobre Rendimento e Condições de Vida referente ao ano de 2020, revelou que “a taxa de privação material dos residentes em Portugal diminuiu para 13,5 por cento (15,1 em 2019) e a taxa de privação material severa para 4,6 por cento (5,6 em 2019), sendo que o Alentejo e a Madeira viram agravar os seus dados, respetivamente, de 4,6 para 4,8 por cento, e de 7 para 11 por cento. 

 

Os números “confirmam a tendência para a redução da privação, exceto no caso da falta de capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de dois em dois dias, que aumentou de 2,3 por cento em 2019 para 2,5 por cento em 2020”, lê-se no relatório do INE.

 

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2020 sobre rendimentos do ano anterior, indica também que “16,2 por cento das pessoas estavam em risco de pobreza em 2019 (17,2 em 2018), mantendo-se a tendência para a redução do indicador”. A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2019, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto equivalente) inferiores a 6480 euros anuais (540 euros por mês). Há ainda a ter em consideração que estes dados são anteriores à pandemia, o que pode indiciar um aumento da taxa de pobreza nos próximos relatórios.

 

PROBLEMA COMPLEXO

 

Maria Cristina Faria, coordenadora Observatório das Dinâmicas do Envelhecimento no Alentejo do Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) diz que “a abordagem da pobreza obriga-nos a compreender a complexidade do problema social e circunscrevê-lo a nível local e global, ao longo do tempo”.

 

Para esta investigadora, é necessário “prestar atenção ao impacto estatístico da pobreza na produção de políticas sociais e económicas adequadas de forma a erradicar pobreza” e chama a atenção para o inquérito às “Condições de Vida e Rendimento” e ao seu efeito estatístico nas estratégias anti-pobreza, pois, “com a queda do rendimento mediano cai o limiar de pobreza”.

 

Isto tem implicações, alerta Maria Cristina Faria: “Nem sempre a interpretação dos números é favorável aos pobres. As estatísticas servem o seu propósito, mas não podemos esquecer as causas da pobreza em épocas passadas nem ignorar o presente ou o que nos perspetiva o futuro. Só assim é possível intervir no sentido de erradicar as condições desfavoráveis à vida das pessoas, à eclosão e persistência da pobreza, à intergeracionalidade da pobreza portuguesa”.

 

“A crise iniciada em 2008 colocou a os desempregados e suas famílias numa subcategoria central da nova pobreza. Os estudos chamam a atenção que parte importante dos pobres em Portugal são indivíduos que alternam entre a pobreza e a vulnerabilidade. Pelo que, qualquer incidente do percurso de vida, em particular, o desemprego, os faz voltar à situação de pobre, não um novo pobre, mas, a um pobre reincidente por ser vulnerável empobrecido”, explica.

 

Por cauca das implicações da pandemia da covid-19, “a probabilidade do desemprego aumentou, em particular nos setores do turismo e restauração”. Quem se encontra numa situação precária fica mais vulnerável e perto de “ingressar na situação de pobreza ou no seu reingresso. Beneficiar de subsídio de desemprego, estar numa situação de ‘lay‐off’, ainda que temporária, pode levar ao limiar de pobreza”, diz Maria Cristina Faria.

 

DIVERSOS FATORES

 

“O Alentejo rural, as raízes da agricultura de tipo familiar, a integração da massa de trabalhadores sazonais migrantes de países distantes, as atividades laborais com ligações contratuais mais precárias, as famílias com vários filhos, por vezes adultos e sem trabalho, em que o ordenado parco é dividido por todos, a mudança frequente de emprego, de atividade e entidade patronal, as baixas qualificações, o envelhecimento da população, em particular das mulheres”, são outros fatores que determinam esta situação. Tal como a situação de reformados, “que mesmo com baixas pensões/reformas ajudam a família”, ou “as vulnerabilidades de saúde, a falta de estruturas governamentais de empoderamento e de apoio ao emprego (e não ao desemprego), os problemas de saúde mental ligados ao desânimo apreendido e depressão, a situação de isolamento e a reincidência de pobreza, não são favoráveis à erradicação da pobreza e perpetuam-na”.

 

Ou seja, a pobreza na velhice “não começou hoje”, é uma realidade resultante de uma trajetória de vida, de opções, falta de oportunidade, ausência de projetos de vida, ou de acumulação de desvantagens e desigualdades sociais. “Se queremos erradicar a pobreza no futuro temos de promover a riqueza para todos no presente e criar condições favoráveis e esperançosas, organizadas e planificadas para as pessoas viverem com saúde e bem-estar”, concluiu a investigadora.

 

Já Madalena Palma, presidente da Associação Estar, de Beja, diz não conseguir encontrar outra explicação para esta situação que não seja sermos “uma zona muito envelhecida”. A associação a que preside é contactada por muitas empresas. No entanto, esclarece, “não somos uma empresa de trabalho temporário. Temos ofertas de trabalho, mas não temos pessoas”.

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