Diário do Alentejo

“A ideia de que o pior já passou pode ser enganadora”

08 de março 2021 - 09:40

Mário Jorge Santos é médico especialista em saúde pública. Está há cerca de um mês a coordenar a Unidade de Saúde Pública da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba). Em entrevista ao “DA” diz que os próximos dias e a evolução da pandemia dependem do comportamento da população. Pensar em desconfinar ainda é uma atitude precipitada.

 

Texto Marta Louro

 

Como tem visto a evolução da pandemia da covid-19 na região?

Desde o início do confinamento, que se tem verificado uma evolução muito favorável, principalmente a partir do momento em que as escolas terminaram as suas atividades presenciais. Desde essa altura, houve uma diminuição muito significativa no número de casos. Atualmente, temos um número de casos diário que é perfeitamente ajustado ao atual momento da pandemia, ou seja, vamos tendo alguns casos e alguns surtos, mas a situação está sob controlo.

 

Deve-se ao comportamento das pessoas?

Não tive acesso a nenhum estudo sobre o comportamento, de qualquer forma, a ideia que tenho, é que os alentejanos sempre se comportaram à altura das circunstâncias. Na altura das festas do Natal, houve um aumento no número de casos. Esse crescimento das infeções por covid-19 coincidiu com o surgimento, na nossa região, da variante britânica, que mostrou ter a capacidade de se disseminar muito mais rapidamente do que as que estávamos habituados. Desta forma, podemos concluir, que não é só o comportamento que está em causa. Era espectável que houvesse mais convívio na altura do Natal, mas a dimensão que isso atingiu foi superior ao esperado, devido ao aparecimento dessa variante. As condições metrológicas verificadas no início de janeiro também contribuíram para a capacidade de disseminação e multiplicação do vírus.

 

Qual a pior situação que viveu em ambiente hospitalar desde o início da pandemia?

O mês de janeiro, sem dúvida. Chegámos a ter dez lares de idosos com surtos de covid-19. Essa altura coincidiu com a “erupção” da nova variante, o que foi uma situação muito preocupante. Felizmente, muitas das pessoas já tinham levado a primeira dose da vacina e a gravidade não foi a que se esperava na altura, o que mostra que a vacina é eficaz, pelo menos da prevenção das formas mais graves.

 

Nas alturas em que se verificou o “caos”, e em que o Hospital de Beja atingiu a ocupação máxima na enfermaria covid-19, em seu entender, o que poderá ter falhado?

São coisas diferentes. A ocupação máxima não implica caos, implica grandes dificuldades de dar resposta a tantos casos, mas foi sempre uma situação organizada, aliás muito bem organizada. Nada falhou, o que se passou foi que existiram números de casos muito acima da capacidade de resposta, algo que se notou não só aqui no distrito de Beja, mas no país todo.

 

Consegue caracterizar quais foram as principais vítimas de covid-19 no Baixo Alentejo?

Sem dúvida, os idosos, principalmente os institucionalizados em lares. Isso notou-se muito, antes da administração da vacina. Agora já não é tão versátil, mas, no entanto, temos vários óbitos a lamentar. Os idosos são de facto, a polução que mais nos preocupa pelo efeito devastador que a pandemia provoca nessas faixas etárias. 

 

O confinamento tem sido a chave para combater a pandemia?

De certa maneira sim, porque a partir do momento em que há muitos casos os serviços não têm capacidade para proceder às vigilâncias. E, portanto, quando estamos no confinamento, os serviços de saúde já têm essa capacidade de prevenir, isolar atempadamente e identificar os contactos todos a partir do momento em que o volume [de novos casos] diminui. O confinamento é um instrumento que permite aos serviços de saúde, nomeadamente à saúde pública, voltar a ter controlo sobre a situação. Ao ter controlo sobre a situação gera muito menos casos. 

 

Já podemos começar a pensar em desconfinar?

Não, isso ainda é prematuro. É evidente que há sempre equilíbrios difíceis de fazer, mas ainda temos muitos doentes em cuidados intensivos e muitos doentes internados, embora, já se verifique uma diminuição significativa na nossa região. Para fazer determinadas intervenções cirúrgicas é preciso ter vagas em cuidados intensivos. Enquanto estiverem ocupados com doentes covid-19, essas vagas não podem ser reservadas e, portanto, para termos uma situação estável ainda temos de manter o confinamento mais algum tempo.

 

Agora que os números estão a baixar, quais são os maiores riscos na região?

Os riscos estão relacionados com o comportamento das pessoas. A melhoria das condições climatéricas aumenta a interação social e a ideia de que o pior já passou pode ser enganadora. A perceção de que os testes são a solução para o problema é errada. As pessoas pensam que por fazerem o teste já não podem apanhar nem transmitir o vírus. Exemplo disso foi na altura do Natal, em que a realização dos testes disparou. As pessoas queriam viajar em segurança, mas os testes forneceram uma falsa sensação de segurança, porque só medem o que acontece naquele momento.

 

A reabertura das escolas pode ser um risco acrescido?

Enquanto uma pessoa adulta tem um número de contactos de alto risco semanal de cerca de sete ou oito pessoas, uma criança consegue gerar em média 30 contactos de alto risco. Se falarmos em dez crianças, falamos logo em 300 contactos de alto risco, o que pode ultrapassar a nossa capacidade de vigilância. Quando ultrapassada essa capacidade de vigilância, há atrasos nos inquéritos e nos isolamentos. Isso torna-se um ciclo vicioso. As escolas têm de ir abrindo pausadamente e com critério e avaliação.

 

O pior já passou, ou ainda se pode esperar dias difíceis?

Ainda podemos esperar dias difíceis. Temos de verificar como é que vai ocorrer o desconfinamento. Embora, saibamos à partida que os coronavírus são “vírus do frio”, e por isso têm uma maior capacidade de disseminação em baixas temperaturas e condições de humidade elevadas.

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