Diário do Alentejo

António Zambujo prepara lançamento de novo disco

02 de março 2021 - 14:40

Com lançamento no próximo mês de abril, “António Zambujo Voz e Violão” é o novo disco de António Zambujo, o oitavo de originais. Um trabalho inspirado num dos álbuns da vida do músico bejense, “João Voz e Violão”, de João Gilberto (1999), que marca o regresso ao essencial, num registo mais intimista.

 

Texto Rita Palma Nascimento

 

“Lote B”, o single de estreia, já disponível nas plataformas digitais, tem letra de Pedro da Silva Martins, coautor da música com José Luís Martins. Nele, “só com uma voz e uma guitarra”, António Zambujo não apenas faz “parar a rua inteira”, como se atravessa nas demais ruas do coração, na sua peculiar meiguice interpretativa, de deleite para tantos que lhe prezam o primor artístico.

 

“Um dia, num qualquer futuro mais ou menos distante, dir-se-á que este disco é um dos mais importantes da carreira de António Zambujo. Não por se julgarem menores alguns dos álbuns que o antecederam e ainda menos pela qualidade de todas as canções que ainda não compôs ou deu voz. Simplesmente porque ‘Voz e Violão’ será sempre associado a um tempo que nos provou o quanto somos frágeis e o quanto precisamos de nos repensar numa urgência do que é essencial”, diz o jornalista Luís Osório

 

“Toca essa canção pra mim…”, citação retirada do mais recente ‘single’, ouvir-se-á, certamente, por aí, num desejo adiado de voltar a ver o músico nos palcos. E se anos houve em que atingiu a marca dos 120 concertos, no presente não tem qualquer espetáculo confirmado. Em 2020, após a catadupa de cancelamentos e adiamentos de espetáculos, foi-lhe ainda possível a realização de uma série de atuações intimistas, já sem continuidade em 2021. A paragem forçada remete, assim, para janeiro de 2022 as cinco sessões do “Desconcerto” e um sem fim de outros palcos. Entre os espetáculos sem data definida, encontra-se aquele que junta António Zambujo ao Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento e a convidados como Carolina Pinto, Jorge Benvinda, Luísa Sobral, Mafalda Vasques, Pedro Mestre e Rita Sanches, a realizar no Centro Cultural de Belém e na Casa da Música, no Porto.

 

Ao longo da sua carreira, o músico bejense incorporou e abordou na sua música diferentes influências, da bossa nova, à orquestra, passando pelo fado ou pelo Cante alentejano. Características que lhe foram conferindo singularidade e distinção, numa identidade artística reconhecida além-fronteiras, capaz de comover Caetano Veloso. Nas suas beneméritas palavras “de arrepiar e fazer chorar”.

 

Em 2021, ano em que os compassos do mundo se distorcem e os acordes da vida nos soam a espera, perante a fragilidade humana diante de um cenário pandémico, António Zambujo regressa, também ele, ao seu íntimo e lançará o seu nono álbum, uma viagem musical complacente que se adivinha tão medular e humana quanto esta entrevista ao “Diário do Alentejo”.

Fale-nos um pouco daquilo que podemos encontrar neste novo trabalho?

Este disco já tinha sido pensado antes do confinamento. Tinha pensado que queria fazer um “começar de novo”, regressar à base e fazer um disco que mostrasse como começam todos os meus discos: sozinho em casa, com a viola. Claro que o facto de ter que ficar fechado em casa, por tempo indeterminado, assim como a morte do João Gilberto, vieram reforçar esta minha ideia de fazer um disco assim. O que podemos encontrar é um conjunto de canções selecionadas antes do confinamento, que fizeram sentido na minha cabeça, acompanhadas por uma guitarra.

 

O seu percurso artístico pauta-se pela solidez, pela grande capacidade criativa e de interpretação e pelas várias valências e abordagens a estilos muito diferentes. Este registo mais intimista é um regresso ao essencial? À fragilidade da qual tantas vezes fugimos ou tentamos encapuzar, mas que, no fundo, nos torna (mais) humanos?

É o essencial sim. É como tudo começa. E é o que eu imagino para a minha música. O último disco que fiz, “Do Avesso”, foi um disco muito importante e muito diferente de todos os outros que tinha feito, porque era um disco com muitas camadas. Desde a orquestra, a outros instrumentos que normalmente não utilizava, veio mudar muito o tipo de som mais acústico que costumava apresentar. Depois disso era importante para mim regressar ao básico e fazer o disco explorando mais os espaços, os silêncios.

 

O nome do álbum reforça, uma vez mais, a importância desta referência no seu percurso artístico. Contudo, o António junta, neste novo álbum, outros nomes como Pedro da Silva Martins, Luís Miguel Martins, Miguel Araújo, Maria do Rosário Pedreira… Como é ser-se alguém que transporta tantos outros mundos no seu?

Desde sempre tive como que uma esponja, para absorver tudo o que me agradava nos outros, e depois transformar em alguma coisa que fizesse sentido na minha cabeça, a fim de a introduzir na minha música. Juntar-me a estes autores com regularidade, faz com que eu consiga fazer mais e melhor música e consiga ir transformando o que tenho imaginado naquilo que quero apresentar.

Sobre o single de estreia, “Lote B” o Luís Osório diz tratar-se de “cantar palavras tranquilas e inquietas”, que serão “cantadas em todas as ruas onde possa existir um desencontro sem deixar de existir futuro”. Será o desencontro o princípio do futuro?

É um princípio. É a partir de um desencontro, de fugir ao óbvio, que podemos eventualmente encontrar um novo caminho.

 

E o que é isto de “cantar palavras tranquilas e inquietas”? O António Zambujo é mais uma coisa ou outra?

Tudo o que nos faça pensar. Eu sou e serei sempre as duas. Sem uma não saberia como seria a outra.

 

Numa primeira fase, já com grande parte dos espetáculos cancelados ou adiados, o António foi dos artistas que mais atuou. Agora, vê cinco sessões do “Desconcerto” adiadas para 2022 e um sem fim de outros espetáculos sem confirmação. De que forma encara esta realidade?

Com naturalidade. Há coisas que me preocupam mais no meio disto tudo. Assusta-me ver tanta gente a morrer. E isso é o que mais interessa. A única coisa que interessa neste momento é salvar vidas. No resto pensamos depois.

 

O espetáculo com o Rancho de Cantadores de Vila Nova de São Bento, a realizar no CCB e na Casa da Música, foi também adiado. Que importância tem para o António Zambujo esta junção de raízes?

Nada me deixa mais feliz do que sentir o reconhecimento que o rancho de cantadores teve no lançamento do seu disco e destes espetáculos de apresentação completamente esgotados, em salas tão emblemáticas do país. Tenho colaborado com eles nos últimos anos, continuaremos a fazer coisas juntos e isso para mim é muito importante, porque representa uma memória musical determinante para a minha vida, e formação enquanto músico.

 

Fugindo, ou recolhendo-nos, agora, na banalidade dos dias, na sua opinião o que é o momento presente nos apela a que façamos?

É difícil, para mim, pensar no coletivo, numa altura em que as pessoas estão tão entrincheiradas nas suas “guerras”. Acho que a humanidade é capaz do melhor e do pior que acontece no mundo. Resta-me acreditar que consigamos ficar mais perto do melhor e, aos poucos, consigamos dar a volta sendo resilientes e olhando mais para nós próprios, percebendo o que nos faz falta e o que nos faz bem.

 

O que é que o segura? Ou a que é que se segura?

Eu sempre gostei muito de ler. Essa é uma das rotinas mais importantes da minha vida. Agarrar-me a coisas bonitas, que me façam pensar, sonhar acordado, e a leitura tem sido o mais importante para mim.

Recordo palavras suas, enquanto jurado no The Voice: “Ler poesia não é só para se ser cantor. Era bom para toda a gente, para termos um bocadinho noção de humanidade”. Esta é uma “dica” que gostaria de ver os portugueses seguirem neste confinamento, por exemplo?

Eu gostaria que cada um encontrasse alguma coisa que o fizesse pensar melhor nesta maravilha que é estar vivo. No meu caso é a leitura, pode não ser assim para outras pessoas. Mas que cada um pudesse encontrasse a sua coisa. Precisamos de ser mais introspetivos.  

 

HOMEM DO MUNDO E DE MUNDOS

 

Homem de viagens, do mundo e de mundos, incluindo aqueles que guarda dentro do seu próprio, tem entre as suas referências nomes como João Gilberto, Tom Waits, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Chet Baker, Chico Buarque, mas também a avó Joaquina, com quem, ainda criança, aprendia as letras das modas alentejanas que os homens cantavam na Taberna do Sintra, para se lhes juntar, cativado pela harmonia das vozes e cadência das frases. António Zambujo estudou clarinete no Conservatório Regional do Baixo Alentejo e, ainda criança, viria a descobrir no fado outra paixão. Após se sagrar vencedor de um concurso de fado aos 16 anos, rumou a Lisboa onde atuou no conhecido Clube do Fado, em Alfama. Seguiu-se o Musical “Amália”, de Filipe Lá Féria, e atuações na casa de fado Senhor Vinho. Em 2002 lançou o seu primeiro álbum “O Mesmo Fado”, distinguido com o prémio “Melhor Nova Voz do Fado”, em 2006 venceu o prémio Amália Rodrigues para melhor intérprete masculino de fado e, em 2008, viu o seu terceiro álbum “Outro Sentido” considerado pela revista “Songlines” como um dos melhores álbuns do mundo, feito que repete em 2010 com “Guia”. Em 2012 lançou “Quinto”, um disco com entrada direta para a segunda posição do top nacional de vendas e em 2015 recebe dois Globos de Ouro nas categorias de melhor intérprete individual (com o álbum “rua da Emenda”( e de melhor música (“Pica do 7”). Foi com “Do Avesso”, o seu oitavo álbum, que em 2019 foi distinguido com o prémio José Afonso.

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