Diário do Alentejo

Chuvas de fevereiro enchem Alqueva pela quinta vez

01 de março 2021 - 12:30

“Ela que caia que cá em baixo é que faz falta”. E de que maneira. Nos últimos anos a ausência de chuva no Alentejo tornou a região notícia pelas piores razões. As manchetes falavam em seca elevada ou extrema, vastas zonas do território e as respetivas populações, já de si com soluções precárias de abastecimento de água, ficaram mais uma vez à mercê dos autotanques dos bombeiros e a atividade agrícola e agropecuária passou por momentos difíceis. As chuvas dos últimos meses trouxeram algum otimismo para os próximos anos, mas as alterações climáticas pairam no horizonte. A única dúvida é a de quando e quantos anos de seca virão a seguir.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Quando, a 8 de fevereiro de 2002, se fecharam as comportas da barragem de Alqueva, alguns disseram em voz alta aquilo que muitos pensavam baixinho: a albufeira nunca atingiria a cota máxima de armazenamento. Oito anos depois, em 2010, no mês de janeiro, a água chegou aos 152 metros e reteve, pela primeira vez, 4 150 milhões de metros cúbicos (m3) do “precioso” líquido. Na última década o Alqueva encheu mais três vezes. No início da semana, o sítio da internet da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), assinalava a cota de 149,83 metros, muito próximo do limite máximo.

 

Esta enorme quantidade de água é igual à totalidade da água consumida durante um ano em Portugal, incluindo o regadio e o abastecimento humano e industrial. Segundo José Pedro Salema, presidente do conselho de administração da EDIA, “o volume útil da albufeira de Alqueva é de 3150 hm3 e corresponde a uma amplitude de variação no nível das águas de 22 metros, entre as cotas 152 metros e 130 metros, o nível mínimo de exploração”.

 

Já o caudal disponibilizado para a agricultura permite garantir o regadio de 170 mil hectares “com uma dotação de rega de 3000 m3 por hectare”, explica José Pedro Salema. No entanto, este nível de consumo só se verifica em anos extraordinariamente quentes, baixando o consumo para cerca de 2300 m3 nos anos mais amenos.

 

SECA PROLONGADA

 

Neste momento, as barragens de Pego do Altar e de Vale do Gaio encontram-se cheias, mas nos últimos anos o cenário tem sido bem diferente. Gonçalo Faria, da direção da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado, lembra que em 2020 “não havia água suficiente para a campanha do arroz” e só as obras de reabilitação dos canais de rega em cerca de metade da área do regadio, impedindo a utilização de uma parte dela, é que permitiu que a restante fosse regada. Nada que seja novidade por aqueles lados, uma vez que os agricultores estão habituados ao rateio de água nos anos de penúria. Num ano normal são disponibilizados 16 m3 por hectare. Nos outros é necessário apertar as torneiras. Mas nem a ligação do Alqueva à barragem de Vale do Gaio parece ser solução para o problema, já que preço da água vendida pela EDIA é cerca de 12 a 13 cêntimos mais cara por m3, onerando a produção e reduzindo as margens de lucro já de si estreitas.

 

Gonçalo Faria reconhece que a região sempre teve períodos de “menos água”, mas as alterações climáticas vieram tornar “mais frequentes” os períodos de seca. Para já, o agricultor está convencido que “no próximo ano e meio, dois anos” os campos vão ter água suficiente para a campanha do arroz.

 

Mais a sul, na fronteira com o Algarve, as populações e os agricultores sabem bem o que é viver sem chuva. Nos últimos três anos, por exemplo, na União de Freguesias de São Miguel do Pinheiro, São Pedro de Solis e São Sebastião dos Carros, no concelho de Mértola, os meses críticos foram sendo cada vez maiores.

 

António Peleijo, presidente da União de Freguesias, conta ao “Diário do Alentejo” que foi necessário recorrer ao transporte de água em autotanques para abastecer as populações e os agricultores, não só “devido à sua escassez, mas também devido à sua fraca qualidade”. No entanto, a pluviosidade dos últimos meses deixa antever “um futuro mais risonho. Os abismos, os furos, as charcas e as barragens estão cheios, existem todas as condições para termos um ano bom”, acredita.

 

Por outro lado, a empreitada já em execução por parte da empresa Águas Públicas do Alentejo, que visa a ligação da barragem do Monte da Rocha a algumas zonas de Almodôvar e Mértola, também promete resolver o problema no futuro imediato. Fica por concluir a ligação da barragem do Roxo ao Monte da Rocha, de forma a garantir que esta última albufeira – cronicamente com reservas muito reduzidas – tem a ligação à água do Alqueva assegurada. O prazo para a conclusão da obra está previsto ser em 2024.

 

FUTURO PRÓXIMO

 

As chuvadas do último mês dão “uma garantia multianual [cerca de três anos] para abastecimento às culturas, mas também às populações”, permitindo “o reforço do abastecimento público e a produção de energia, sem esquecer o usufruto do lago”, assegura o presidente da EDIA. “Em outubro, quando começou a chover, estávamos perto do mínimo deste ano”, revela José Pedro Salema. Entretanto, “a barragem começou a recuperar, ao princípio um pouco devagar porque os escoamentos não se verificam imediatamente, mas, agora, com o solo saturado e uma quantidade de precipitação assinalável”, são gerados “escoamentos e vemos a água a subir rapidamente”.

 

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

 

Segundo o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas divulgado em 2018 pela Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo, na década entre 2007 e 2017 o território esteve sempre em seca severa ou extrema e, segundo o Palmer Drought Severity Index, estes fenómenos foram “mais frequentes e severos a partir da década de 1980”. Algumas das consequências são as conhecidas de todos: secagem das pastagens e necessidade de alteração da alimentação dos animais; desistência de algumas sementeiras com a respetiva redução dos lucros na atividade agrícola; falta de água para humanos e animais. No caso extremo da barragem do Monte da Rocha, a seca obrigou ao corte da água para a atividade agrícola de forma a garantir o abastecimento de água às populações de Castro Verde, Ourique e Almodôvar, tendo ainda sido necessário proceder à remoção de peixes da albufeira.

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