A pandemia de covid-19 está a provocar prejuízos de milhares de euros no Museu do Relógio, de Serpa. Em 2020, as receitas diminuíram cerca de 70 por cento.
Texto Marta Louro
O tique taque dos relógios no espaço museológico do Convento do Mosteirinho, em Serpa, e no polo de Évora, já teve melhores dias. Encerrados durante nove semanas, entre 17 de março e 27 maio, aquando da fase de confinamento devido à pandemia da covid-19, os dois espaços museológicos, “sem qualquer visitante ou volume de faturação”, acumularam prejuízos a rondar os 20 mil euros.
Durante esse período, o espaço foi pintado, o sistema de iluminação melhorado e uma sala do museu foi totalmente restaurada. A expectativa era que, aquando da reabertura, o fluxo turístico pudesse atenuar os prejuízos. O que não aconteceu. “Ninguém estava preparado para esta pandemia. Os prejuízos são, lamentavelmente, avultados”, diz Eugénio Tavares de Almeida, diretor e proprietário do museu, acrescentando que, apesar de tudo, os oito postos de trabalho continuam a ser mantidos. “Vamos ter de tomar algumas decisões no primeiro trimestre deste ano. Se tivermos de fazer despedimentos, a qualidade nos nossos serviços de excelência poderá estar em causa”.
Segundo Eugénio Tavares de Almeida, o museu continua a laborar, o problema é que, sem turistas, as receitas são insuficientes. “Temos os colaboradores a fazer restauros, reparações, manutenções diárias, trabalho de museografia e pesquisa. O museu até vai tendo alguma receita, mas não é a suficiente para cobrir todos os custos. Os prejuízos têm vindo a aumentar”, sublinha.
Caso a planificação se tivesse cumprido, 2020 teria sido um “ano épico”. Estavam agendadas conferências, eventos e lançamentos de relógios para celebrar os 25 anos de existência de museu que, desde a sua abertura, soma cerca de 350 mil visitantes. “Foi tudo cancelado por força da pandemia”. Acabaram-se as celebrações, mas também as excursões, as visitas de estudantes, os passeios turísticos e as “escapadinhas” de fim de semana. Daí que a quebra de receitas chegue aos 70 por cento. O número de visitantes caiu mais de 80 por cento, comparativamente com 2019. “Durante boa parte do ano, as pessoas nem queriam visitas guiadas, evitavam todo e qualquer contacto personalizado”, lamenta o diretor do museu.
As contas são fáceis de fazer. “Em ambos os espaços, recebíamos cerca de 500 visitantes por mês, neste momento estamos a receber 30”, exemplifica Eugénio Tavares de Almeida, sublinhando que estes números não incluem o público escolar, este ano reduzido a zero, nem as crianças que ainda não têm idade para pagar ingresso. Outro número: “Recebíamos, em média, 60 a 70 excursões por ano. Em 2020 foram apenas sete”.
Perante esta nova realidade, o espaço teve de se “adaptar” e “criar novas dinâmicas de promoção, divulgação e novos canais comerciais, de forma a conseguir arranjar outras fontes de receita, que não fossem as excursões e os visitantes”. Nos últimos meses, houve um reforço nas redes sociais e nas vendas ‘online’. Nos passados meses de novembro e dezembro existiu mesmo um aumento no volume de vendas, comparativamente com os meses anteriores, embora insuficiente para “salvar” o ano. Existiu também um reforço das visitas virtuais ao museu. É certo que essas visitas não geram receitas. Mas, pelo menos, “fazem com que as pessoas não se esqueçam, e que as agências de viagens e os promotores turísticos se lembrem que existe o Museu do Relógio em Serpa”.
FECHAR SERIA UMA “CATÁSTROFE”
Para já, e apesar das dificuldades, fechar portas não está nos planos dos proprietários do museu. “Isso seria uma catástrofe”, desabafa Eugénio Tavares de Almeida, sublinhando que o encerramento do museu representaria “uma ferida para a nossa sociedade local e para a região, porque estaríamos a perder mais um cartão-de-visita, que ao longo dos tempos tem atraído muitos e muitos milhares de visitantes”.
“A solução”, diz o diretor do Museu do Relógio, poderá estar em “encontrar mecenas, parceiros ou patrocinadores, para o museu. Não queremos injeção de dinheiro nem subsídios, o que precisamos é de parceiros que ajudem na estrutura de custos”. E nem isto é novo. No passado, lembra, as brochuras e ‘flyers’ para a promoção eram suportados por mecenas. “No fundo, estamos à procura de parceiros, preferencialmente na região, que se queiram associar à cultura. Isso acontece em todos os grandes museus do mundo”.
No espólio do Museu do Relógio constam mais de 2.300 peças, todas mecânicas, datadas desde 1630 até aos dias de hoje, contando com exemplares de bolso, pulso, sala, entre outros. Uma das salas de exibição é dedicada ao relógio de origem nacional, onde temporariamente decorrem exposições temáticas. O museu integra ainda uma biblioteca, composta por mais de 600 livros temáticos, uma oficina de restauro – “trabalhamos não só em relógios de bolso e pulso mas também nos de sala e de parede” – e desenha e produz relógios mecânicos com a sua marca em parceria com manufaturas alemã e russa.
25 ANOS DE HISTÓRIA
Tudo começou em 1972 quando António Tavares de Almeida (falecido em 2012), o principal dinamizador deste espaço, herdou dos seus avós três relógios de bolso avariados. A partir de então, este colecionador procurou relógios por todo o mundo, com vista ao restauro e ao aumento do espólio. Em 1995 abriu a sua coleção ao público, criando o Museu do Relógio, no Convento do Mosteirinho, em Serpa. Desde então, perto de 400 relógios avariados foram doados ao museu. Recuperados pelos mestres relojoeiros que ali trabalham, são depois mostrados ao público. Em dezembro de 2011 deu-se a expansão do espólio, com a abertura de um polo na cidade de Évora. Trata-se de um dos cinco espaços que a nível mundial se dedica à exposição e restauro de peças.