No tempo do escudo, 300 contos foi o que custou o terreno onde Amália Rodrigues ergueu o seu refúgio balnear. “Ficámos admirados de a senhora dona Amália, uma senhora de tanto valor, vir para uma terra destas. Uma terra tão pobrezinha. Uma terra sem vistas, mas ela gostou. Se fosse hoje não sei quanto valeria aquele terreno”, dispara Jácome. Que acrescenta ainda: “Antes já tinha ouvido falar no grande nome da dona Amália Rodrigues. Sabia da sua existência, da sua música, mas nunca pensei que a visse alguma vez, quanto mais pensar que a começaria a ver todos os dias, que falaria com ela e que ficaria seu amigo. Dela e do seu marido, César Seabra, que era quem passava aqui temporadas ainda maiores”.
E a atestar que esta terra não se esquece de Amália Rodrigues, logo assim que se chega, quatro paredes, que são laterais de casas desta povoação, evocam a artista. Quatro grafitis que retratam a fadista. Mas a provar que também não se esquece de César Seabra, tal como Amália, também ele, nesta terra, dá o nome a uma rua.
“O senhor César era a sorte da gente do Brejão. Todos os dias havia quem se colocasse à beira da estrada, à espera de o ver passar, para apanhar boleia. E não havia um dia em que ele não parasse. Levava gente para ir ao médico, para tratar de papéis, o que fosse necessário”, recorda Jácome.
A memória de José Oliveira regressa novamente no tempo. “O meu pai um dia sentiu-se mal e tentou chegar de bicicleta a São Teotónio para ir ao médico. Só que um pouco antes de chegar à estrada nacional não conseguiu andar mais e ficou caído. Ela, a dona Amália, passou com o seu marido, o César Seabra, viram-no e levaram-no, mas não o levaram para São Teotónio, levaram-no para Lisboa. Meteram-no no hospital, foi operado e depois como o meu pai teve alta antes de eles [Amália e César] regressarem ao Brejão, teve dois dias em casa da Amália Rodrigues. O meu pai era um camponês que mal sabia escrever o seu nome. Isto para que as pessoas de fora vejam a simplicidade que esta gente tinha, pelo menos para connosco”.
“Povo, povo, eu te pertenço”, diz outro fado que Amália tantas vezes cantou. “Para a população de Brejão ainda hoje representam muito. Ajudavam muito as pessoas, quando era necessário, e davam-se bem com toda a gente”, conclui José.
A uma segunda-feira, junto à povoação, avistam-se, sobretudo, trabalhadores agrícolas, e de várias nacionalidades. Brejão é hoje, como muitas outras terras vizinhas, um verdadeiro caldeirão multicultural. E por aqui erguem-se estufas sem fim, onde crescem pequenos frutos vermelhos. E é nestas estufas, por sinal, que trabalham estas pessoas vindas de várias partes do mundo. No cultivo, na apanha, no embalamento…
Na estrada, ladeada por estufas, a uma certa altura avista-se uma encruzilhada. E avista-se uma grande flor amarela. “Costumo dizer às pessoas que cá vêm, de propósito para verem a casa de Amália Rodrigues, que quando encontrarem uma flor estão no caminho certo. E as pessoas ficam muito espantadas, porque flores há muitas. Mas, de facto, aquela é diferente das outras”, atira agora António Pacheco, de 60 anos de idade.