Na sua Memória Sobre os Processos de Vinificação, apresentada ao ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria em agosto de 1866, João Inácio Ferreira Lapa diz que a região de Cuba, Vidigueira, Vila de Frades e Vila Alva está “fazendo grossa exportação de seus vinhos, mais delicados que os de Évora, não só para outros pontos da província, mas para Setúbal e Lisboa”. Interessante é também a descrição que nos deixa de uma viagem à vila de Cuba, onde é recebido por um dos maiores proprietários agrícolas do País: “A adega do senhor visconde da Esperança é verdadeiramente um templo, um grande templo consagrado a Baco, de três vastas naves com arcarias que enfiam em sentidos cruzados. Ao longo das pilastras que sustentam as arcarias alinham-se em filas quase duzentas talhas de barro pesgadas. É uma completa exposição deste género de vasilhame, porque entre elas se encontram de todas as figuras e tamanhos, conforme a terra aonde foram fabricadas”.
Em meados do século XX ainda existiriam em Vila Alva cerca de mil talhas, das quais restam perto de 200. Das 72 adegas onde ali se fez vinho – entre as quais a do “Chico Topa”, do “Calmança” ou do “Almeirão” – subsistem 22, embora 14 destas – como as do “Carapuço”, do “Espanta” ou do “João das Jóias” – estejam desativadas. Restam então as adegas do Francisco Cerejo, do “Guel”, do Izalindo Marques, do João Carraça, do José Francisco Arvanas, do Manuel Fernando e do Marcos “do Panóias”, além da do “mestre” Daniel, onde João Santos desempenha as funções de adegueiro.
Além de produzir vinho, Daniel António Tabaquinho dos Santos utilizava também o espaço para trabalhar como carpinteiro, profissão à qual as gentes de Vila Alva foram buscar o substantivo que lhe haveria de anteceder o nome. Seguindo uma tradição herdada de pais e avós, “mestre” Daniel dedicou-se ao vinho durante 30 anos. A sua morte em 1985, com 62 anos, fez com que a atividade entrasse em declínio, tendo a adega acabado por encerrar. Em 2018 a tradição local e familiar de produção do vinho de talha haveria de ser retomada, com a fermentação a ser feita em 26 talhas, algumas delas datadas do século XIX.
José Pernicha, um dos familiares do “mestre”, dá uma ajuda em todo o processo. “Lembro-me bem de neste espaço existir a carpintaria e a adega, de o Daniel fazer vinho para o consumo da casa e para os amigos que aqui vinham beber um copo. Hoje dou uma ajuda a fazer o vinho mas o que gosto mesmo é de o provar. O deste ano, sobretudo o branco, está mais encorpado, mais bem apaladado do que o do ano passado. Na minha perspetiva está melhor”.
De acordo com a Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA), a ânfora de barro é um dos mais antigos recipientes para conservar e transportar líquidos. Na sua versão de maior dimensão, a talha, serve desde há mais de dois milénios para fazer vinho, uma tradição que o Alentejo nunca perdeu. “Dados históricos indicam que a talha existe desde a época romana, ou seja, há sensivelmente mais de dois mil anos. Assim aponta, por exemplo, o facto de sabermos por gravuras que os romanos vinificavam e guardavam os seus vinhos em potes e vasos semelhantes, ou mesmo iguais, às talhas que ainda hoje encontramos em Portugal”.
Dizem os etimologistas que talha deriva do latim tinalia que significa vaso ou vasilha de grandes dimensões. “Uma talha é, portanto, um pote de barro, mais ou menos poroso de acordo com o tipo de argila de que é feito, com o destino de permitir a fermentação de mostos vínicos e posterior armazenagem de diversos produtos líquidos com destaque para o vinho”.