Diário do Alentejo

O grupo Abegoaria ambiciona ser grande e continuar a crescer no setor dos vinhos

25 de junho 2024 - 08:00
Foto| Ricardo Zambujo

O grupo Abegoaria, liderado por Manuel Bio, nasceu na sub-região Granja-Amareleja em 2007. Após um forte crescimento orgânico, tornou-se numa das maiores empresas de vinhos portugueses após a aquisição da Vidigal Wines, passando a operar em quase todas as regiões, num projeto que une vinhos, queijos, enchidos, azeites e turismo a nível nacional, mas com fortes ambições internacionais.

 

Texto Manuel BaiôaFotos Ricardo Zambujo

 

Em 2007 Manuel Bio assumiu a presidência da Cooperativa Agrícola de Granja-Amareleja que tinha sido fundada em 1952 para disponibilizar aos sócios máquinas e equipamentos agrícolas, bem como produzir e comercializar azeite e vinho. Esta cooperativa atingiu uma grande projeção nos anos 80 do século passado, quando os seus vinhos ganharam alguns concursos internacionais, entre os quais se destacou o vinho tinto “Garrafeira 1983”, que se tornou “campeão do mundo”, num concurso realizado em Ljubljana, na ex-Jugoslávia, em 1989, então sob a batuta do enólogo consultor António Saramago. Contudo, no início do século XXI, a cooperativa enfrentava algumas dificuldades financeiras.

O pai de Manuel Bio era associado da cooperativa, o que o levou a interessar-se pela situação da mesma, vendo oportunidades onde outros só viam uma insolvência iminente. Assim, traçou um plano de recuperação do negócio da cooperativa, com uma nova visão estratégica e comercial, devolvendo credibilidade à instituição e à importância social e económica dos sócios, enquanto pequenos agricultores. Hoje a Cooperativa Agrícola de Granja-Amareleja é responsável por mais de 90 por cento da produção da região e é um motor do associativismo e do cooperativismo, dinamizando a economia local e retendo populações. Com o passar dos anos Manuel Bio desenvolveu novos projetos de gestão e comercialização de vinho, primeiro no Alentejo, depois no Douro, Lisboa, Tejo, Dão, Vinhos Verdes e, mais recentemente, também na Beira Interior, Algarve e Açores. Nasceu assim a Abegoaria Wine World, uma das empresas líderes do mercado nacional de vinhos.

 

O grupo Abegoaria Wine World O grupo empresarial liderado por Manuel Bio começou na margem esquerda do rio Guadiana, no Alentejo interior, primeiramente, na gestão e comercialização dos vinhos da Cooperativa Agrícola de Granja-Amareleja. Posteriormente foi criada a Amareleza Vinhos, empresa sediada em Amareleja e que traduz o saber do seu principal criador, o enólogo José Piteira, um mestre incondicional das técnicas ancestrais de vinificação do Alentejo, destacando-se os seus genuínos vinhos de talha. Estas duas empresas estão implantadas na sub-região DOC Granja-Amareleja, que se estende pela totalidade do concelho de Mourão e por uma parte do concelho de Moura, delimitada pelo rio Guadiana e pela fronteira com Espanha. Tem um dos climas mais áridos e quentes de Portugal e com mais horas de sol. As terras são muito pobres, onde se destacam os solos mediterrânicos pardos e vermelhos de materiais não calcários e os solos mediterrânicos vermelhos de materiais calcários e litossolos, com algumas bolsas de textura arenosa. A falta de água e de matéria orgânica provocam produções e rendimentos baixíssimos. Estas condições adversas originam vinhos de grande personalidade e carácter local, em que a casta Moreto, bem adaptada a este contexto, tem um papel primordial. Esta sub-região é reduto de algumas das vinhas mais velhas do Alentejo, reservas únicas de clones e variedades hoje quase perdidas, que o grupo Abegoaria tem tentado preservar.

Granja-Amareleja foi o berço da Abegoaria, mas o grupo estendeu-se para outras regiões do Alentejo, nomeadamente, para Evoramonte, na Herdade da Madeira Velha, e para o Crato, na Herdade do Gamito. Nestes dois terroir distintos são produzidos vinhos alentejanos com outros perfis, entre clássicos e modernos. Foi também estabelecida uma parceria com a Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito para a comercialização de alguns vinhos desta famosa sub-região. Para além dos vinhos alentejanos, o grupo começou a produzir e a comercializar azeites, queijos, enchidos e presunto de Barrancos, marcando, assim, uma nova etapa na diversificação para outros produtos gourmet.

Mas a ambição do grupo Abegoaria era estar presente noutras regiões, mostrando os produtos genuínos que cada zona oferece. Assim, assumiram a gestão da Quinta Vale de Fornos, Azambuja, na região Tejo. Uma quinta emblemática e histórica situada na transição entre a região do Tejo e a região de Lisboa, com um terroir complexo com terras na zona do campo e do bairro. Foram ainda estabelecidas parcerias e, nalguns casos, tomando o controlo da gestão e comercialização dos vinhos de diversas adegas que possibilitaram estar presentes em praticamente todas as regiões de Portugal. Da Adega de Alijó, famosa pela produção de moscatel do Douro, à Adega Cooperativa de Penalva do Castelo, referência da elegância dos vinhos do Dão, passando pela Adega Ponte da Barca (Vinhos Verdes), ou a Adega da Meda (Beira Interior) e ainda a Adega de Dois Portos (Lisboa) e, por, último a Única – Adega Cooperativa do Algarve (Lagoa).Nos primeiros anos o grupo Abegoaria começou a afirmar-se com uma estratégia de forte presença na grande distribuição, por isso as suas múltiplas marcas estão presentes em quase todas as cadeias de supermercados portugueses, por vezes criando marcas exclusivas para estas empresas. “Somos um grupo pouco convencional, nascemos e crescemos de uma forma pouco convencional. A maior parte dos grandes grupos ligados aos vinhos nasceram e cresceram por heranças e já têm muitos anos. Nós somos uma empresa jovem e uma empresa familiar que tem ido para todas as regiões. Fomos crescendo organicamente e através de aquisições”, realça Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria. Como o grupo não tem vinhas próprias em algumas regiões, foram estabelecidas parcerias com algumas adegas cooperativas, criando boas marcas, com volume e boa relação preço qualidade.

O grupo Abegoaria alicerçou a sua estratégia de crescimento começando pelas marcas de grande consumo, “pelo volume e pelos vinhos da grande distribuição”. No entanto, atualmente, sentem que chegou o momento de dar um passo em direção aos fine wines. “Nós também queremos criar marca e ganhar esta imagem na restauração. Foi o que deixámos para último, não que seja o menos importante, pois é o mais importante do setor, é onde se constroem as marcas mais fortes. Mas porque tínhamos a noção de que se começássemos por aí corríamos grandes riscos de falhar”, conclui Manuel Bio.Em 2022 foram lançados os vinhos “Eruptio”, um dos projetos mais arrojados do grupo. Esta é a primeira incursão da Abegoaria nos Açores, concretamente, na ilha do Pico. Os vinhos “Eruptio” são a expressão das várias nuances das castas e do terroir vulcânico e atlântico dos Açores, sob a batuta do enólogo Bernardo Cabral.Contudo, o passo mais ambicioso do grupo foi dado um ano antes, em 2021, quando foi adquirida a Vidigal Wines. Esta empresa está localizada na zona de Leiria, na região vitivinícola de Lisboa, onde tem estabelecidas diversas parcerias que, no total, representam cerca de 450 hectares de vinhas. A grande maioria dos vinhos é produzida muito perto do oceano Atlântico e, por isso, sofrem grande influência dos ventos marítimos, o que resulta em vinhos frescos. É uma empresa essencialmente implantada no mercado externo e com marcas de grande sucesso internacional. O ex-libris é o vinho “Porta 6”, uma das marcas portuguesas de maior sucesso no estrangeiro e um dos vinhos portugueses mais vendidos no Reino Unido. Depois de ter alargado a sua produção a praticamente todas as regiões vínicas do País, esta aquisição reforçou e consolidou a diversificação do projeto Abegoaria, dando-lhe um sólido impulso nos mercados internacionais.

Em 2024 chegou a hora de apresentar os vinhos da joia do projeto, e que dá nome ao grupo, isto é, os vinhos da Abegoaria dos Frades, uma herdade com 500 hectares situada na Granja (Mourão), junto à barragem de Alqueva. Está ainda em fase de construção um projeto eno turístico, composto por um hotel de charme situado numa colina, rodeado por vinhas e searas. O edificado até este momento já deslumbra, com um paço murado com duas torres a ladearem o portão de entrada, que nos transportam para um cenário do passado entre as villas romanas, as haciendas mexicanas ou os montes apalaçados alentejanos. Ana Bio lembra que “é um sonho tornado realidade”. “Passava muitas vezes aqui na estrada e olhava e dizia: ‘eu gostava de um dia ir ali’. Um dia viemos visitar este local e disse ao meu marido: ‘não sei como, mas um dia este projeto vai ser nosso’. Tem sido uma luta, pois é um projeto de família. Nós somos a primeira geração que criámos esta empresa e o seu património”.

 

Os vinhos e o futuro do grupo Abegoaria O grupo Abegoria teve um crescimento assinalável no setor dos vinhos em Portugal. Em cerca de 17 anos passou de um negócio de meio milhão de euros para mais de 60 milhões de euros, num conglomerado de 17 empresas. A Abegoaria comercializa atualmente cerca de 18 milhões de garrafas de vinho e dois milhões de bag in box, que perfazem 30 milhões de litros de vinho. Por isso, Manuel Bio é claro nos seus objetivos: “A nossa ambição é sermos grandes, é crescermos. Nós queremos ser uma grande empresa do setor do vinho. E acreditamos que é muito mais fácil hoje ter sucesso se ganharmos escala”.

Um dos objetivos estratégicos da empresa nos próximos anos, e que ditou em parte a aquisição da Vidigal Wines, é a exportação. Manuel Bio explica: “Nós, há cinco anos, faturávamos sete por cento no mercado externo, 93 por cento no mercado interno. Neste ano o objetivo é faturar 50 por cento no mercado externo e 50 por cento no mercado interno. Daqui a três anos o nosso objetivo é faturar entre 20 a 30 por cento no mercado interno e 70 a 80 por cento no mercado externo”.

O grupo emprega cerca de 200 colaboradores neste momento, “mas é nos concelhos de Moura, Mourão, Barrancos e Vidigueira” que tem “cerca de metade” da sua mão de obra. Para além disso, tem “grandes preocupações sociais”: “Desenvolvemos vários projetos sociais dentro da empresa, como ajudar a aumentar a escolaridade dos nossos colaboradores”, realça Ana Bio.

A Abegoaria nasceu no Alentejo, mas tem atualmente projetos nas principais regiões vitivinícolas do País, pelo que Manuel Bio diz, com graça, que hoje é “mais fácil” dizer onde ainda não estão. “Não estamos em Trás-os-Montes, na Bairrada, na Península de Setúbal e na Madeira. Estamos presentes em todas as outras regiões de Portugal continental e insular”.

O grupo Abegoaria soube responder com sucesso às necessidades do mercado, produzindo vinhos que vão ao encontro dos gostos dos consumidores e das necessidades dos clientes. Lançaram marcas de grande sucesso, como “Piteira”, “Portal de São Braz”, “Abelharuco”, “Fonte da Perdiz”, “Quinta Vale de Fornos”, entre muitas outras. Hoje detém uma quota de mercado muito expressiva na distribuição moderna, particularmente, nos vinhos da região Alentejo. Com a compra da Vidigal Wines, em 2021, ganharam um peso acrescido nos mercados internacionais.

A estratégia é de continuar a crescer. Para isso pretendem reforçar a valia das suas marcas, criar valor e tornar o negócio mais resiliente. Trabalham com alguns dos melhores enólogos portugueses, como o engenheiro António Ventura, e contrataram recentemente o enólogo António Braga para a dinamização da categoria de fine wines. A estratégia passa agora pela dinamização da área de marketing do grupo e da criação de sinergias nas diferentes regiões e marcas do grupo.O Abegoaria Wine World apresentou recentemente na casa mãe do grupo, na Herdade da Abegoaria dos Frades, na Granja, uma mostra do seu portefólio, dando a conhecer os seus vinhos e os seus colaboradores que ajudam a fazer e a comercializar as dezenas de marcas da empresa. Houve ainda tempo para uma prova comentada dos vinhos mais emblemáticos da Abegoaria, oriundos de quase todas as regiões de Portugal, apresentados pelos enólogos José Piteira, António Ventura, António Braga, Bernardo Cabral e Luís Bourbon. Este momento serviu ainda para o lançamento oficial da marca Abegoaria dos Frades.As primeiras vinhas na Abegoaria dos Frades foram plantadas em 2017. “Foi uma longa luta com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas para nos deixarem plantar aqui vinha. Só plantamos à volta do edificado, pois os grous não vêm para aqui, e continuamos a fazer 300 e tal hectares de cereais de sequeiro, sem cortar cedo. Temos um acordo de biodiversidade que nos permitiu plantar a vinha, mas nós cuidamos da colónia de abetardas, que já duplicou desde que nós tomamos conta da propriedade” assegura Manuel Bio. Esta marca tem uma grande responsabilidade, pois têm o nome do grupo e “do coração que é a Herdade Abegoaria dos Frades”. Foi o enólogo António Braga que ficou com a responsabilidade de elaborar os primeiros vinhos da colheita de 2022 e, na sua opinião, esta “nova marca que dá corpo ao grupo apresenta uma visão moderna do Alentejo tradicional”. “Vai beber ao José Piteira, ao Manuel Bio, à Joana Barradas, mas também apresenta um olhar novo de quem vem de fora e quer construir”. Os vinhos têm como base esta “propriedade magnífica, que é gerida de forma cuidadosa, muito meticulosa e vai dar passos ainda maiores na viticultura. Tudo nasce na vinha e depois temos uma enologia que não é tão interventiva, que quer transparecer a origem para a garrafa”. O vinho “Abegoaria dos Frades tinto 2022” é um vinho de lote com Moreto, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot. É um vinho com algum estágio em barrica, e com uma viticultura que promove uma “acidez mais evidente”, através da gestão da vinha promove-se uma maior frescura, criando “uma parede vegetal que nos ajuda a manter esta frescura. Levamos a acidez para a equação”. O segundo vinho é o “Abegoaria dos Frades Moreto Preto tinto 2022”. Aqui temos um vinho monovarietal com a casta mais emblemática da região, mas que apresenta “uma visão moderna do Moreto”. Manuel Bio, referindo-se à Moreto, disse que esta casta “representa a nossa região e queremos preservá-la e desenvolvê-la”. Existem já poucas vinhas velhas de Moreto, mas na vinha nova “mantemos os clones que vêm de trás”, embora este vinho seja “uma nova interpretação da casta”.

De entre as dezenas de vinhos apresentados, queremos ainda destacar um vinho de talha. José Piteira é o enólogo chefe da Cooperativa Agrícola de Granja-Amareleja e da Amareleza Vinhos e tem um carinho especial pela vinificação tradicional do Alentejo e é um protetor das castas autóctones da região, tendo feito vinhos de talha desde a sua juventude, seguindo os ensinamentos dos antigos. Critica alguns vinhos de talha que estão no mercado que não seguem os cânones tradicionais, pois o vinho de talha “é um vinho de saber popular, que é o antecessor dos outros vinhos”.

Os vinhos de talha José Piteira seguem o método clássico, respeitando “os ensinamentos populares, ensinamentos de há centenas de anos”. Neste caso estamos perante um vinho branco de talha de 2018, pelo que se está a “quebrar um mito, pois dizia-se que os vinhos de talha não tinham durabilidade, não evoluíam bem. Nós achamos que os vinhos de talha evoluem bem com o tempo”. Devido à sua longa maceração com as massas, o vinho de talha é muito concentrado e extraído. Este vinho é feito com “duas uvas muito tradicionais, Pendura da Amareleja (Diagalves) e Roupeiro”. Por vezes, no início, pode ser difícil de beber devido ao carácter vegetal. Mas “é na garrafa que vai ganhar alguns aromas terciários, que lhe dão este floreado, um vinho concentrado, com alguma cor, a cor dos vinhos brancos de talha”. José Piteira explica que, “por vezes, pensa-se que se o vinho estiver amarelo pode estar passado, mas nos vinhos de talha isso é natural e podemos estar perante um grande vinho. Uma evolução saudável é uma virtude. Temos de diferenciar de uma oxidação não saudável. A nossa fruta é muito madura. As nossas uvas são amarelas. Isso vai passar para o vinho”. Estamos perante um vinho de talha branco com seis anos com grande complexidade, carácter, intensidade e volume. Um vinho de talha genuíno do Alentejo profundo.

Em conclusão, o grupo Abegoaria fez um caminho disruptivo no mundo do vinho, crescendo rapidamente do Alentejo interior para quase todas as regiões portuguesas e pretende afirmar os seus vinhos não só no mercado interno, mas, principalmente, no mercado externo.

 

“Abegoaria dos Frades 2022”DOC Alentejo Granja-Amareleja, Tinto Abegoaria.Castas: Moreto, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot.Vinho de cor rubi com notas de fruta vermelha madura. Na boca percecionámos um vinho com estrutura sólida, marcadamente alentejano, mas com frescura e algum vegetal, amparado pelas notas discretas da madeira onde estagiou.14,5% vol. / PVP: 9,99 €

 

“Abegoaria dos Frades Moreto Preto 2022”DOC Alentejo Granja-Amareleja, TintoAbegoaria.Castas: Moreto, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot.Apresenta uma cor rubi um pouco mais intensa do que os moretos tradicionais. Mostra um aroma dominado pelos frutos vermelhos, com taninos arredondados e grande frescura, mas muito harmonioso e deleitável.13,5% vol. / PVP: 19,90 €

 

“José Piteira Vinho de Talha 2018”Talha DOC Alentejo, BrancoAmareleza Vinhos/Abegoaria.Castas: Roupeiro e DiagalvesApresenta uma cor amarela dourada. O aroma é ténue, apanágio dos vinhos de talha clássicos. Na boca sentimos um vinho com grande complexidade, carácter, intensidade e volume, mostrando notas melosas e de frutos secos, alguma irreverente adstringência vegetal e uma inconfundível rusticidade. Um vinho de talha autêntico.13,5% vol. / PVP: 14 €

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