O Alentejo tem algumas castas brancas autóctones que imprimem um forte carácter regional ao vinho, variedades perfeitamente adaptadas aos solos, ao clima e à geografia da paisagem transtagana há centenas de anos. Todavia, nos últimos anos foram sendo substituídas por outras castas oriundas de outras regiões portuguesas e de outros países. Nesta reportagem fomos conhecer a Perrum, uma variedade local que pode originar, quando compreendida, vinhos excecionais.
Texto Manuel Baiôa
Nos últimos anos a maioria das castas brancas regionais alentejanas tem vindo a perder espaço, com exceção da Antão Vaz, que, de entre as castas ancestrais da região, foi a única que teve um crescimento explosivo, sendo hoje a variedade branca mais plantada no Alentejo com 1309 hectares. As razões apresentadas pelos enólogos e produtores para terem abandonado estas castas são quase sempre o facto de terem pouca frescura e oxidarem passado alguns meses. Estamos a falar de castas muito produtivas que marcaram gerações e gerações, como a Rabo de Ovelha, Diagalves, Manteúdo e Perrum, entre outras. No entanto, são castas que merecem um estudo aprofundado, para desenvolver novos clones e novas práticas na vinha, pois estão bem adaptadas ao território, resistem às doenças e às alterações climáticas, podendo ainda vir a ter um papel importante na viticultura alentejana.
A casta Perrum Desconhece-se a origem da casta Perrum, embora seja no Alentejo onde surgiram os primeiros registos da mesma no início do século XIX. No estudo ampelográfico de 1900 a Perrum surgia como uma das principais castas brancas do Alentejo. Os seus vinhos têm uma amplitude de cor entre o citrino aberto e o amarelo palha. No aroma prevalecem as notas cítricas medianamente intensas, mas muito finas. No sabor predomina o carácter ácido a lima e certo mineral, característico da casta, que com guarda pode evoluir para aromas químicos e benzina. Neste momento está plantada no Algarve e especialmente no Alentejo. A sua área tem vindo a minguar, sendo atualmente a décima quinta casta branca mais plantada no Alentejo, totalizando apenas 54 hectares (ha). É nas sub-regiões de Vidigueira (38,8 ha) e de Reguengos (7,8 ha) onde a podemos encontrar nalgumas pequenas bolsas. É uma das nove castas principais da denominação DOC Alentejo, sendo usada predominantemente em lote com a Antão Vaz e a Arinto para acrescentar frescura e acidez, como acontecia nos primeiros “Pêra-Manca” da década de 90. Como quase todas as castas antigas, tem uma tendência para a produtividade excessiva, quando não controlada, pois os viticultores do passado apreciavam a produção abundante. Por isso, para melhorar a qualidade das suas uvas é necessário conduzir a planta com uma poda curta, que reduza a produção de cachos, para concentrar nestes os nutrientes. Prefere terrenos medianamente férteis e porta enxertos pouco vigorosos. Segundo o enólogo Filipe Perdiz, da empresa Elite Vinhos, a Perrum “é uma casta de ciclo longo e em determinados anos com grande dificuldade na concentração de açucares na fase de maturação. Motivo que levou os viticultores a abandonarem o seu cultivo”. Contudo, é uma variedade regional de grande qualidade, e por isso, a Quinta do Paral e a Elite Vinhos engarrafaram um monovarietal Perrum para destacar a sua singularidade. Segundo Luís Morgado Leão, enólogo da Quinta do Paral, “apesar de ser normalmente utilizada em lotes, acreditamos que a Perrum merece um destaque exclusivo, devido às suas características únicas e ao potencial de expressão que oferece quando vinificada sozinha”.
Elite Vinhos e Quinta do Paral A empresa Elite Vinhos surgiu em Monsaraz em 2017 devido à amizade e partilha da mesma visão sobre a viticultura de dois casais (Christian Vermet e Mary Wilkinson; Filipe Perdiz e Helena Godinho). A empresa juntou os vinhedos das duas famílias, comprou outras parcelas, gerindo neste momento 110 hectares de vinha. Em 2018 edificou uma nova adega e lançou os primeiros vinhos. Uma das apostas da Elite Vinhos foi a forte ligação às origens da viticultura alentejana, respeitando ao máximo a natureza, para produzir vinhos com sustentabilidade e com uma grande identidade regional. Por isso, dão relevo às castas regionais e decidiram converter as suas vinhas gradualmente para a produção biológica. Uma das variedades que tratam com mais carinho é a Perrum, que “é uma das bases da estratégia da Elite Vinhos, que tem por objetivo trabalhar e desenvolver conhecimento à volta do património vegetativo identificado com a região”. Neste momento a Perrum é uma casta quase extinta. E por isso “mais do que incluirmos a casta nas nossas novas plantações e preservarmos as vinhas existentes desta casta, em conjunto com a Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira (Porvid) plantámos também uma vinha experimental, onde estão enxertados todos os clones conhecidos da casta, com o objetivo de preservar e conhecer a variabilidade genética da Perrum, assim como avaliar as potencialidades individuais dos vários clones, podendo servir para fazer face às alterações climáticas e à preferências dos consumidores”, segundo nos confidenciou o enólogo Filipe Perdiz.A Elite Vinhos lançou um vinho monovarietal da colheita de 2021 denominado “Artesano Perrum”. As uvas foram selecionadas e levadas com todo o cuidado e rapidez para a adega, tendo passado por um choque térmico para baixar a temperatura das mesmas. A fermentação começou com uma maceração pelicular com temperaturas controladas em cubas de inox. Finda a fermentação remexeu-se periodicamente o vinho para levantar a borra fina (bâtonnage), com o objetivo de dar maior volume de boca e sofisticação ao vinho. Posteriormente fez estágio durante seis meses em barricas de carvalho francês e outros seis meses em garrafa. Segundo Filipe Perdiz, este vinho mostra grande “complexidade, frescura e bom potencial evolutivo”, e justifica terem escolhido a Perrum como “um dos pilares da Elite Vinhos”.A Quinta do Paral foi adquirida por Dieter Morszeck em 2017, uma propriedade com 85 hectares na Vidigueira. Desde então, este empresário alemão lançou vinhos de grande qualidade, ampliou a adega, comprou diversas vinhas velhas na região e construiu um hotel de luxo que será inaugurado brevemente. Uma das apostas desta casa são as vinhas velhas, das quais infelizmente já só restam 500 hectares com mais de 40 anos no Alentejo. Quando as vinhas velhas estão implantadas nos locais ideais originam regularmente vinhos extraordinários, pois ao longo dos anos as suas raízes foram-se adaptando aos solos e às condições naturais do lugar, ajustam-se mais facilmente às mudanças de cada ano agrícola. Por isso, cepas provectas criam normalmente vinhos com maior concentração e complexidade, vinhos genuínos, distintos, profundos e singulares. A Quinta do Paral adquiriu uma destas vinhas da casta Perrum com 1,3 hectares, implantada num solo granítico com uma textura franco arenosa em Vila de Frades, e decidiu lançar um vinho monovarietal: “Quinta do Paral Origem Perrum 2021”. Para potencializar as características da Perrum foi adotada uma abordagem específica de vinificação. Após a colheita manual, as uvas foram selecionadas na adega, desengaçadas e delicadamente prensadas. A vinificação e estágio decorreram durante 18 meses em esferas de cimento com bâtonnage, permitindo uma integração suave dos sabores e uma complexidade adicional, mas sem utilizar barrica. Segundo o enólogo Luis Morgado Leão, estas “técnicas personalizadas garantiram um vinho de qualidade excecional, refletindo fielmente o terroir único da região”, podendo, assim, “oferecer aos nossos consumidores a oportunidade de explorar plenamente o caráter distinto da Perrum, através de um vinho que capture a sua essência”.Estas duas casas demostraram que vale a pena acreditar na Perrum como uma casta alentejana de futuro, pois é uma variedade de maturação tardia, está adaptada ao nosso território e é nossa, dando origem a vinhos extraordinários e distintos, quando bem compreendida. Em suma, dois vinhos que vale a pena descobrir e replicar, pois mostram o vinho branco tradicional do Alentejo dos tempos modernos, que vão ao encontro das novas tendências dos mercados mais exigentes que procuram vinhos autênticos e com história.
“Artesano Perrum 2021”
Vinho Regional Alentejano, BrancoElite VinhosCasta: PerrumNo aroma apresenta notas cítricas, toranja, casca de laranja e mel. Na boca percecionamos um vinho com grande volume de boca, mas com frescura e equilíbrio, em que a laranja confitada sobressai, num final de boca persistente e complexo. Experimente a harmonizá-lo com queijo, pratos de peixe, carne branca, massas e sushi.13% vol. / PVP: 29€
“Quinta do Paral Origem Perrum 2021”
DOC Alentejo Vidigueira, BrancoQuinta do ParalCasta: PerrumAroma de grande pureza e profundidade, com notas de flor de laranjeira, casta de laranja e alguma pedreneira, características da casta e da região. Na boca mantém o mesmo registo de grande sofisticação e complexidade, mostrando volume, frescura e crocância, com laivos cítricos e final infindável. É um vinho com grande potencial de guarda e harmonizará com mestria com peixes nobres da costa portuguesa.14% vol. / PVP: 65€