Diário do Alentejo

Em A-do-Pinto produz-se vinho biológico

08 de janeiro 2024 - 08:00
Foto | Ricardo Zambujo

Os irmãos Barão são emigrantes de segunda geração na Suíça, mas decidiram investir na propriedade dos seus avós para produzirem vinho biológico destinado ao mercado suíço. A aposta na agricultura biológica foi também uma reação à destruição dos olivais tradicionais que está a ocorrer no Alentejo.

Texto Manuel BaiôaFotos Ricardo Zambujo

Em 1983 Bento Barão e Maria Borge tiveram a ideia de voltar a plantar uma vinha na propriedade que Maria herdara em A-do-Pinto, freguesia de Vila Nova de São Bento, no concelho de Serpa. Embora estivessem emigrados na Suíça, regressavam à sua aldeia regularmente para tomarem conta da vinha e para visitarem os seus pais que se dedicavam à agricultura. Todos os anos faziam um vinho para consumo particular, participando toda a família nos trabalhos da vinha e da adega.

Os anos foram passando e, em 2008, Bento Barão, então com 74 anos, decidiu cedeu os destinos da vinha e da Quinta das Rosas aos três filhos (Brás, José e Bento), emigrantes de segunda geração na Suíça. Nos primeiros anos os irmãos ganharam um novo passatempo, que passava por regressar à sua terra natal para tratar da vinha, fazer a vindima, acompanhar a fermentação do vinho e provar o novo néctar em família. Este ritual anual virou paixão, que evoluiu, mais recentemente, para uma empresa familiar.

A EMPRESA FAMILIAR BARÃO & BORGE LDA Brás Barão é formado em Economia pela Universidade de Basileia e depois de quase 30 anos a trabalhar nos mercados financeiros em vários países do mundo decidiu que “já chegava de ser economista, de trabalhar 60 horas por semana e de estar só em frente das folhas de excel”. Nesse momento “sentia já muito pouca paixão e muito pouca emoção” naquilo que fazia e “disse chega”. Por isso, em parceria com os irmãos, decidiu que era tempo de investir na terra dos seus antepassados.

Há cerca de 10 anos começaram a delinear o projeto. A ideia era criar uma empresa familiar com o objetivo de “produzir vinhos biológicos de grande qualidade”, tendo “o mercado suíço como referência, um mercado super exigente”. Foi também uma reação ao que estava a acontecer na sua região materna, “com os olivais tradicionais a serem destruídos e a ser plantado o olival intensivo”, apoiado em agroquímicos. Para Brás Barão, e para os seus irmãos, foi também uma decisão filosófica: “Acreditamos que é possível ter uma agricultura que respeita o ambiente, respeitosa com as pessoas, com sustentabilidade em todas as dimensões, produzindo um vinho de grande qualidade. Foi um pouco esta a nossa ambição e é isso que estamos tentando fazer”.

Cada um dos irmãos tem uma área diferente de atuação na empresa familiar. Brás Barão é o diretor geral da empresa, estando dedicado quase em exclusivo a esta função desde há dois anos, passando metade do ano em Portugal, nos meses de maior trabalho na adega, e nos restantes meses encontra-se na Suíça, onde já começou a colocar a sua produção. José Barão está ligado ao mundo tecnológico, mas tem vindo a especializar-se em ecologia e na viticultura biológica, passando cada vez mais tempo em Portugal a cuidar da vinha. Já Bento Barão está focado na área do marketing e da comunicação.

No início do projeto tiveram a consultadoria na viticultura e enologia de José Miguel Almeida e Luís Morgado Leão, tendo sido delineada a estratégia ao nível das castas a plantar, o lugar de implantação das vinhas, o desenho das parcelas e o traçado da adega a construir. Neste momento trabalham com o enólogo Paulo Vareia, com vasta experiência nos vinhos do concelho de Serpa. Mantiveram a vinha velha (0,5 hectares), com base no Roupeiro e noutras castas brancas antigas, plantada pelo pai nos anos 80, que coexistia com outras culturas e árvores, como era habitual no passado, que está a ser restruturada e melhorada. Nos últimos anos plantaram sete hectares de vinha nova numa zona de transição do saibro muito arenoso, para as argilas com as castas tintas Alicante Bouschet, Alfrocheiro, Castelão, Tinta Barroca e Aragonez. As parcelas estão implantadas com uma ligeira inclinação para norte, “o que nos protege do Sol e do calor”, assevera Brás Barão.

A nova adega foi projetada pelo arquiteto João Moreira, do Grupo Norma, e ficou pronta em 2019, data da primeira vindima. É um edifício construído com técnicas modernas, bonito, funcional e com excelente isolamento térmico, essencial para elaborar e estagiar grandes vinhos. Para isso, a adega foi rebaixada no chão para ajudar a proteger do rigor do verão e criou-se uma zona de estágio climatizada, onde são colocadas as uvas antes de serem processadas, baixando assim a temperatura de início da fermentação. A sala de barricas também está climatizada para que os vinhos repousem lentamente nas barricas de carvalho francês e americano. A adega está situada no meio das vinhas, garantindo, assim, que as uvas depois de colhidas e colocadas em pequenas caixas chegam rapidamente à mesa de escolha, garantindo que apenas a uva com a mais alta qualidade seja utilizada na produção dos vinhos.

 

VINHOS BIOLÓGICOS Os vinhos biológicos têm vindo a afirmar-se nos últimos anos, principalmente, nos mercados mais exigentes do mundo. Existe uma grande procura por parte de consumidores informados e preocupados com o futuro do planeta. No entanto, a mudança de abordagem à agricultura tem de partir dos próprios produtores, algo que os três irmãos assumiram desde o início. Praticar a agricultura biológica “não é só a questão da não aplicação dos produtos fitossanitários, é muito mais do que isso. É todo um conceito e uma filosofia” de vida, defende Brás Barão.

Por isso, plantaram várias sebes na propriedade, habitat de alguns insetos auxiliares no controlo das pragas, como as joaninhas. Utilizam energia solar para a produção de eletricidade e aquecimento da água. Foram implementadas ainda uma série de práticas ancestrais, como a redução da mobilização de terras, o cultivo de plantas entre linhas que enriquecem o solo de azoto, aumentam a infiltração de água da chuva no solo, reduzem a evaporação de água nos meses de verão e reduzem a erosão. Estas práticas promovem a biodiversidade, a fertilidade, a retenção de água, a estrutura do solo e criam condições propícias à flora e à fauna local, com efeitos benéficos na produção de uvas de qualidade. Pretende-se criar um ecossistema resiliente, em que as plantas, o solo e os animais encontrem o seu equilíbrio. No inverno, em colaboração com os pastores da zona, deixam as ovelhas pastar na vinha durante alguns meses. Evita-se, assim, o uso de máquinas para destroçar a erva e fertilizam-se os campos. E as ovelhas “fizeram uma limpeza incrível”, conclui Brás Barão.

Outra preocupação constante na Quinta das Rosas é a retenção da pouca água que chove e a boa utilização da mesma. Existem duas charcas na propriedade que recolhem a água da escorrência da chuva que se deposita no fundo do vale. No verão esta água é bombeada para regar, mas apenas em alturas estritamente necessárias, sendo que no pico do verão apenas regam seis horas semanais.

Os critérios da produção biológica são muito diferentes da agricultura convencional. Aqui não se pretende produzir o máximo que a videira dá. “Temos um grande respeito pelas plantas. Não queremos que a vinha produza mais de cinco toneladas por hectare, para estar em harmonia com o ambiente. Pois, a vinha, se for induzida a produzir muito, é mais suscetível de atrair doenças e pragas”. Por outro lado, a empresa não tem neste momento a pressão de “ser rentável já”. Neste ano “fizemos uma poda em verde numa parcela para diminuir a produção, e como exagerámos um pouco, produzimos só 1,5 toneladas por hectare”. Mas não é problemático, dado que para a empresa “o essencial é a qualidade”, conclui Brás Barão. E a “vinha estar confortável”, acrescenta Sofia Santos, colaboradora da empresa.

A filosofia biológica também tem boas repercussões na adega, pois, com “o nosso trabalho no campo respeitando a natureza, leva a que tenhamos de fazer poucas correções na adega”. “[O nosso] produto é de certa maneira artesanal, mas diferenciado. Trabalhamos num nicho muito específico”, epiloga Brás Barão. Este tipo de vinho tem de retratar o ano e o local, mostrando as particularidades do ecossistema e as nuances do ano agrícola, pelo que todos os anos são produzidos vinhos diferentes, mas com identidade e carácter. Em contrapartida, os produtores de vinho tecnológico e convencional procuram fazer um vinho com um determinado perfil, sempre semelhante em todos os anos.

 

O PORTEFÓLIO DA BARÃO & BORGE LDA Os primeiros vinhos lançados são da colheita de 2019, embora os que estejam neste momento em comercialização sejam das colheitas de 2021 e 2022. Algumas das marcas criadas traduzem as alcunhas que existiam na família, como é o caso do branco “Góias”, que era o epíteto do pai que plantou a vinha branca nos anos 80 do século passado.

O vinho branco “Barão & Borge Lda Góias 2022” é elaborado a partir da vinha velha, com base em Roupeiro e outras castas regionais. O rosé “Barão & Borge Lda 2022” foi feito com a casta Aragonez. O vinho tinto “Barão & Borge Lda 2021” tem por base as castas Alicante Bouschet e Castelão. O tinto “Barão & Borge Lda Fino 2021” é um vinho monocasta de Alicante Bouschet. O vinho tinto “Barão & Borge Lda Reserva 2021” estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o vinho tinto “Barão & Borge Lda Maria dos Reis 2021” é uma homenagem à mãe e combina Alicante Bouschet, Castelão, Alfrocheiro, Tinta Barroca e Aragonez. Nos próximos tempos estarão em preparação novos produtos e projetos, nomeadamente, uma colheita tardia de Castelão. A empresa produziu sete mil garrafas em 2019 e tem vindo a crescer lentamente, esperando colocar no mercado 25 mil garrafas da colheita de 2023.

A empresa está focada, essencialmente, no mercado suíço, embora tenha começado em 2023 a implantar-se comercialmente no distrito de Beja e a explorar a procura de vinho biológico nos mercados urbanos portugueses. Começou também a dar os primeiros passos no enoturismo, recebendo grupos de enófilos na sua propriedade que procuram vinhos genuínos criados em campos biológicos.

Em conclusão, esta empresa familiar de emigrantes de segunda geração na Suíça investiu na terra dos seus avós para criar um projeto inovador, com pontes no passado e no futuro, mas que respeita, acima de tudo, a terra, as plantas e os animais que vivem nos terrenos dos seus antepassados, para criarem vinhos biológicos, artesanais e autênticos que irão ser bebidos “nos quatro cantos do mundo”.

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