Diário do Alentejo

Vinhas da Ira : Um grande vinho de Beja

06 de abril 2022 - 12:00

BEJA: TERRA DE PÃO E DE VINHO?

 

Existe a perceção de que Beja foi sempre uma terra de cereais e não tanto de uvas. Esta imagem acentuou-se durante o Estado Novo, com a campanha do trigo, que pretendia aumentar consideravelmente a produção deste cereal. No entanto, se recuarmos ao século XIX ou a tempos mais longínquos, constatámos que os campos de Beja eram de policultura, com zonas de cereais, vinhas, olivais, montado, pastagens e hortas. Procurava-se colocar cada cultura no local mais propício e tentava-se diversificar as produções, “não colocando todos os ovos no mesmo cesto”.

 

Foi só no início do século XXI que surgiram os primeiros vinhos engarrafados de Beja da era moderna, fruto da aposta de diversas casas agrícolas na plantação de vinhas, na vinificação e na comercialização de novas marcas. Algumas destas empresas foram fruto de investimentos estrangeiros ou oriundos de outras zonas do país. O grande sucesso do vinho alentejano no final do século XX levou à expansão das vinhas para novas zonas. Contudo, algumas casas agrícolas tradicionais do concelho de Beja já tinham, nessa altura, instaladas vinhas com dezenas de anos. O seu negócio centrava-se até aí na venda de uvas para outras empresas.

 

HERDADE DA MINGORRA

A Herdade da Mingorra está situada entre as aldeias da Trindade e Albernoa e possui algumas das vinhas mais antigas do concelho de Beja e do Alentejo, com cerca de 40 anos, organizadas em talhões, aramadas e separadas por castas. Henrique Uva gere esta propriedade familiar com a colaboração das suas filhas, nomeadamente da Sofia Uva e da Maria Uva. Em 2004 decidiram deixar de vender uvas e passaram a engarrafar o seu próprio vinho.

 

A propriedade tem uma área de 1400 hectares, sendo um arquétipo das herdades tradicionais alentejanas que apostam na diversificação de culturas. Para além dos 135 hectares relativos à vinha, 210 são de olival com rega, 200 de amendoal em regime intensivo, e os restantes de cultura tradicional e floresta. A exploração cinegética é outra das grandes apostas da herdade, sendo internacionalmente conhecida pela caça de salto às perdizes, as quais fazem parte dos rótulos dos seus vinhos. A Herdade da Mingorra tem cerca de 60 hectares de vinhas velhas, com cerca de 40 anos, e 40 de vinha com 25 anos, onde imperam as castas tintas: Trincadeira, Aragonez, Alfrocheiro, Castelão, Alicante Bouschet e Merlot. Nas duas últimas décadas foram plantados mais 40 hectares distribuídos por castas brancas (Antão Vaz, Arinto, Verdelho, Semillon, Alvarinho, Viognier e Sauvignon Blanc) e castas tintas (Cabernet Sauvignon, Merlot, Aragonez, Touriga Nacional, Syrah, Alicante Bouschet, Petit Syrah, Petit Verdot, Baga e Tinto Cão).

 

Esta grande diversidade de castas e de maturidades das vinhas permitem ao enólogo Pedro Hipólito construir vários perfis de vinhos. O portefólio inicia-se com os vinhos Terras D’Uva e Mingorra Colheita, com edições de vinho branco, rosé e tinto. Subindo para o patamar premium temos o Mingorra Reserva (branco e tinto), o Mingorra Black (tinto), o Mulatto (combinação de Syrah e Moscatel Graúdo), Mingorra Grés e vários vinhos monovarietais (Alvarinho, Petit Verdot, Sauvignon Blanc e Touriga Nacional). Existe ainda a linha Mingorra Gourmet com uma colheita tardia, um fortificado, um espumante branco e um espumante rosé. Mas o vinho mais icónico desta casa, de que vos venho falar hoje é o Vinhas da Ira.

 

VINHAS DA IRA

Este vinho tem o mesmo nome do famoso romance de John Steinbeck que relata a vida de uma família de rendeiros expulsos da sua quinta no Oklahoma pela seca, pelas mudanças na atividade agrícola e pelas dificuldades económicas da grande depressão dos anos 30 nos Estados Unidos da América.

 

O vinho Vinhas da Ira nasceu também de um “romance”, de um amor a uma vinha velha que poderia ser arrancada por ser pouco produtiva. Henrique Uva conseguiu manter esta vinha de grande diversidade genética, contra a opinião de outros, e por isso, temos hoje à nossa disposição este vinho icónico de Beja.

 

O conhecimento acumulado ao longo dos anos permitiu identificar um pequeno talhão especial nos 60 hectares de vinhas velhas que existem na Herdade da Mingorra. Trata-se do talhão 25, uma parcela plantada nos finais dos anos setenta, em solo argilocalcário, com cerca de 1,8 hectares e que por ano nunca produz mais de 4000 a 4500 quilos, que dão origem a cerca de 3000 garrafas. Sofia Uva disse que este talhão estava catalogado “como uma parcela de Alfrocheiro. Mas, logo na primeira vindima, em 2004, percebemos que não seria puro”. Após uma avaliação genética à vinha “surpreendentemente, percebemos que ligeiramente mais de 50 por cento eram plantas de Alicante Bouschet, havia algum Aragonez, apenas 7 por cento eram de Alfrocheiro e foram detetadas mais 10 castas que não conseguimos identificar. Havia também algumas plantas de uvasbrancas que acabamos por enxertar em Touriga Nacional”.

 

Sofia Uva confidenciou-nos que “nem todos os anos os vinhos provenientes deste talhão apresentam qualidade para poderem ser engarrafados como Vinhas da Ira”. Existem alguns anos que tendo em conta as “variáveis ambientais e diferente comportamento das inúmeras castas que o constituem, o vinho final necessita de ser loteado com outros vinhos da Herdade e, nestes casos,acabam por ser a base do nosso Mingorra Reserva Tinto”. Até ao momento foram lançados no mercado os anos 2004, 2005, 2006, 2008, 2009, 2011, 2014 e 2017.

 

As uvas provenientes deste talhão têm um acompanhamento muito cuidado e atento para identificar o momento mais indicado para a colheita. As uvas são vindimadas à mão para pequenas caixas, procedendo-se a uma primeira escolha em plena vinha. À entrada da adega efetua-se uma segunda escolha manual, numa mesa apropriada. A vinificação é realizada em pequenos lagares com recurso a pisadores automáticos, e seguida de uma maceração prolongada por cerca de quatro semanas. Posteriormente o vinho estagia em barricas de carvalho francês de 300 litros de primeira e segunda utilização, durante cerca de 18 meses.

 

As várias edições do vinho Vinhas da Ira são diferentes, revelando as nuances de cada ano agrícola, mas todas têm um elevado padrão de qualidade e de complexidade. Sendo um vinho de grande longevidade, pode conservá-lo na garrafeira ao longo de muitos anos. Em suma, em boa hora Henrique Uva conseguiu levar a sua “Ira” avante, mantendo esta vinha que tantas alegrias tem trazido a todos os que têm tido o privilégio de provar este vinho.

 

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VINHAS DA IRA 2017 - Vinho Regional Alentejano, tinto Herdade da Mingorra

Castas: Vinha velha com diferentes castas, tais como Alfrocheiro, Aragonez, Alicante Bouchet, Touriga Nacional, entre outras.

14% vol. / PVP: 40 €

Descrição: O vinho tem uma coloração intensa e fechada. No aroma revela azeitona preta e frutos vermelhos maduros que são contrabalançados por algumas notas vegetais, dando-lhe grande frescura, equilíbrio e distinção. Na boca mostra-se volumoso e encorpado, com um final longo, complexo e persistente.

 

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