Está a nascer um novo projeto vitivinícola que aproveita as potencialidades da Serra do Mendro e do Vale do Guadiana. Foi plantada uma vinha nova desenhada em patamares e foram lançados vinhos personalizados de grande qualidade com uma visão diferenciadora do Alentejo.
Texto Manuel Baiôa
A FAMÍLIA ROQUE DO VALE
Mariana Roque do Vale nasceu no seio de uma família com fortes tradições ligadas ao vinho. No entanto, abalou do Alentejo com 18 anos, tendo-se licenciado em Direito pela Universidade Católica de Lisboa. Desde essa altura desenvolveu o seu percurso profissional na área da consultoria, da banca e da gestão, entre Lisboa e Londres, onde viveu cinco anos. Passados mais de vinte anos decidiu que era tempo de regressar ao Alentejo, para se tornar sócia dos seus pais, no projeto Casa Clara. A sua mãe, Clara Roque do Vale, licenciada em Engenharia Agronómica pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, foi uma das primeiras mulheres no Alentejo a destacar-se no mundo dos vinhos. Foi a primeira presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) entre 1989 e 2001, tendo sido responsável pela implementação da estrutura de controlo, certificação e promoção dos vinhos do Alentejo e da Rota dos Vinhos do Alentejo. Teve um papel fundamental no crescimento e afirmação do Alentejo, enquanto região líder dos vinhos nacionais. O seu pai, Carlos Roque do Vale, foi presidente da Adega de Redondo entre 1979 e 1989, administrador da empresa Roquevale e sócio fundador da ATEVA - Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo -, instituição que também chegou a dirigir.
A CASA CLARA
A Casa Clara é um projeto da família Roque do Vale que ganhou um novo impulso com a chegada da Mariana à empresa em 2019. A família mudou já há alguns anos o seu eixo de ação de Redondo para Pias (Serpa). No início deste século adquiriram a Herdade da Capela e em 2010 inauguraram uma nova adega na zona industrial de Pias. A propriedade estende-se ao longo de 72 hectares (64 hectares de vinha), entre suaves encostas, que descem até à albufeira de Pias. Situa-se numa das regiões com maiores tradições no vinho do Baixo Alentejo, na sub-região de Moura, na margem esquerda do rio Guadiana.
Esta zona é marcada pelo clima quente, mas as suaves encostas, a proximidade da albufeira e principalmente os seus solos calcários criam um “terroir” magnífico para a elaboração de vinhos concentrados na cor, no aroma e no sabor, mas que revelam grande frescura. Foram plantadas essencialmente castas regionais, nomeadamente Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira (tintas). Nas uvas brancas apostou-se na Arinto, Antão Vaz, Alvarinho, Viosinho, Verdelho e Trincadeira-das-Pratas.
Recentemente a empresa adquiriu uma propriedade não muito longe da sua sede, mas que se situa na margem direita do rio Guadiana. A Quinta de D. Maria está debruçada numa encosta entre a Serra do Mendro e as margens do rio Guadiana. Situa-se na sub-região de Vidigueira, entre as aldeias de Alqueva (Portel) e do Pedrógão (Vidigueira). A Quinta de D. Maria tem 231 hectares, sendo 30,5 hectares de vinha com cerca de 30 anos de castas tintas, as mais adaptadas ao local: Aragonez, Alicante Bouschet, Trincadeira, Castelão, Alfrocheiro e Cabernet Sauvignon. Na propriedade existe ainda um olival com 40 hectares (variedades Cobrançosa, Redondil, Galega, Cordovil e Azeiteira), sendo o restante espaço ocupado pelo montado tradicional situado nas vertentes declivosas da Serra do Mendro, um ecossistema de grande biodiversidade.
Esta quinta tinha uma longa tradição na produção de vinho (“Convento da Tomina” e “António Maria”, entre outras marcas) e azeite, mas Mariana Roque do Vale pretende dar um novo impulso e uma nova orientação à propriedade, criando novos produtos e uma nova marca – Ermo.
ERMO WINES
Mariana representa a nova geração da família e pretende dar continuidade ao projeto que os seus pais implementaram, honrando o passado e estabelecendo uma ponte para o futuro. No entanto, a sua experiência na banca e nas finanças internacionais levaram-na a lançar um “projeto pessoal onde pretendi ser mais arrojada, trazendo uma visão e abordagem moderna no mundo dos vinhos”. Uma das alterações que introduziu foi a criação de uma nova empresa dentro do chapéu da Casa Clara – Ermo Wines – com metas e objetivos diferenciados face à casa mãe. Na Ermo Wines serão lançados alguns vinhos “super premium” oriundos das duas propriedades: Herdade da Capela e Quinta de D. Maria. Pretende-se identificar os melhores talhões e as melhores castas de cada propriedade para elaborar vinhos personalizados de grande qualidade. Mariana revela que as duas propriedades têm características distintas e por isso irão dar origem a vinhos diferenciados.
Na Quinta de D. Maria (sub-região Vidigueira) irão nascer especialmente vinhos tintos, provenientes de “solos de xisto e pedra rolada”, com uma “topografia entre a Serra do Mendro e o rio Guadiana, atingindo em alguns pontos 300 metros de altitude”. Da Herdade da Capela (sub-região Moura) irão nascer alguns vinhos brancos provenientes de “solos calcários, com pequena formação granítica, beneficiando da tangencia da água do Alqueva”.
Um dos aspetos mais inovadores desta nova empresa é a plantação de um vinhedo com técnicas modernas na Quinta de D. Maria, num lugar de imensa beleza nas margens do rio Guadiana. Respondendo à topografia íngreme do lugar, invulgar no Alentejo, plantaram uma vinha nova, parcialmente desenhada em patamares tradicionais, semelhantes aos que existem no vale do Douro. O experiente técnico de viticultura João Torres revelou que estão a fazer “um reforço e algumas enxertias na vinha velha” (30,5 hectares) e nos 10 hectares de vinha nova apostaram em algumas castas regionais, bem-adaptadas ao clima desta região, e noutras que aportam frescura: Alicante Bouschet, Castelão Tinta Francisca, Tinta Miúda, Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. O solo onde está a ser plantada a vinha nova é muito diversificado, com “vários tipos de xistos e texturas e zonas com pedra rolada”, prova de que o leito do rio Guadiana passou por esse “terroir” há alguns milhares de anos. João Torres salienta que escolheram a “localização para cada casta na parcela mais adequada tendo em conta o solo, a orientação do Sol e a topografia do local”. Assim, por exemplo, “a Sousão, casta sensível ao calor, foi plantada virada a nascente”, protegida das tardes tórridas pela sombra da encosta.
As vinhas estão na fase final da transição para o modo de produção biológico, tendo já conseguido o selo de produção sustentável, uma certificação inédita em Portugal promovida pela CVRA.
Esta distinção possibilita que o consumidor possa identificar os produtores alentejanos que cumprem com boas práticas de poupança de recursos, que promovam a biodiversidade, que utilizem energias renováveis, protejam os solos ou fomentem iniciativas que envolvem toda a comunidade na adoção de comportamentos sustentáveis. Esta distinção é muito relevante na promoção e vendas em alguns mercados modernos e sofisticados que valorizam o esforço dos produtores na produção sustentável.
Nos últimos anos houve um forte poder de atração pela Serra do Mendro, levando diversas empresas a aí instalarem as suas vinhas. A explicação deste fenómeno poderá estar nos terrenos pobres de xisto e calhau rolado, no seu clima, que é condicionado pela altitude e pelas várias vertentes da serra, que aporta um fluxo constante de vento e elevadas amplitudes térmicas e no seu ecossistema natural, diverso e preservado, o que proporciona condições espantosas para o crescimento de uvas de grande qualidade que irão dar origem a vinhos intensos, mas com frescura e mineralidade.
OS VINHOS ERMO
Mariana Roque do Vale pretende “levar os vinhos do Alentejo mais longe, criando vinhos de baixa intervenção, de produção limitada, aliando o melhor dos solos e o melhor das pessoas”. Para isso, convidou o experiente João Torres, que coordena a viticultura e a Joana Pinhão, que lidera a enologia. Esta destacada enóloga da nova geração ainda não tinha trabalhado no Alentejo e por isso Mariana está convicta que irá “trazer sangue novo e novas ideias à região”.
Num futuro próximo está previsto construir um salão de provas na Quinta de D. Maria com uma vista deslumbrante sobre o vale do Guadiana e uma unidade de enoturismo na Herdade da Capela.
Foi criada uma gama de quatro vinhos, embora neste momento ainda só estejam no mercado três. Em termos da filosofia destes vinhos, Mariana destaca o facto de “serem o menos interventivos possível. Apostando em fermentações espontâneas e vinhos com macerações mais suaves. Vinificação separada que respeitem a natureza e a singularidade do lugar”. Os vinhos Ermo são elaborados inteiramente com uvas próprias, colhidas manualmente em parcelas selecionadas da Quinta de D. Maria (sub-região Vidigueira - castas tintas) e Herdade da Capela (sub-região Moura, castas brancas).
O Ermo Arinto 2020 utiliza a casta branca portuguesa mais versátil e consensual. É uma casta que mantém uma grande frescura, com excelente equilíbrio entre a acidez e o álcool. Depois de uma seleção criteriosa das melhores uvas provenientes de talhões selecionados realiza-se uma prensagem muito suave na adega, separando-se apenas a lágrima do mosto. É a partir deste primeiro escorrimento que se obtém os mostos mais equilibrados, que fermentaram posteriormente com controle de temperatura em barricas novas de carvalho francês (50 por cento) em câmara de frio a 14ºC e em cuba inox (50 por cento) a 16ºC. De seguida, o vinho estagiou durante 10 meses em contacto com as borras finas. É um vinho admirável de baixa graduação (12 por cento) e colocou-se logo na sua primeira edição no pelotão dos melhores brancos do Alentejo. Este vinho enquadra- se num novo estilo que está a nascer no Alentejo, focando-se na frescura, na austeridade e na mineralidade. Para se conseguir produzir um vinho deste tipo tem de se ter uma atenção redobrada à data de vindima, para colher a uva com boa acidez natural e níveis de álcool provável mais baixos. Perde-se algum volume de boca, mas ganha-se em estrutura e nervo. São vinhos que privilegiam a frescura, precisão, tensão e mineralidade, em vez da untuosidade e exuberância aromática.
O Ermo Arinto de Barro 2020 foi elaborado com a mesma casta do anterior, embora as uvas estivessem num ponto de maturação ligeiramente mais alto. Ainda assim, estamos perante um vinho de baixa graduação (12.5 por cento). O mosto teve uma maceração pelicular a frio durante 48 horas antes do início da fermentação. A vinificação foi feita em Talhas típicas alentejanas de 750L com uma maceração pelicular durante duas semanas com temperatura controlada em câmara de frio a 14ºC e posterior estágio final sobre borras finais durante 10 meses. Não é, portanto, um DOC Talha. Utiliza a Talha como um recipiente de fermentação, embora de uma forma mais breve do que os tradicionais vinhos de Talha.
O Ermo Castelão 2020 foi elaborado com esta casta tradicional portuguesa, também conhecida por Periquita. No passado já foi a casta mais plantada no Alentejo e em Portugal. No entanto, começou a perder a atenção dos produtores, tendo sido arrancada ou reenxertada nos últimos anos. Felizmente algumas casas começaram a olhar com outros olhos para esta variedade, que pode fazer regressar o vinho alentejano ao estilo que teve noutros tempos. Num passado relativamente recente os tintos alentejanos apresentavam- se abertos na cor, eram frescos e tinham um grau alcoólico contido. Este vinho enquadra-se numa corrente que está a surgir na Serra do Mendro e noutros locais do Alentejo, que procura produzir tintos com pouca cor, concentração e álcool. São vinhos contidos no aroma e na fruta, mas com grande elegância e frescura. Tintos gastronómicos de prazer.
Em suma, estamos perante vinhos de grande qualidade que mostram um Alentejo diferente. Vinhos frescos, de baixa graduação alcoólica e que expõem as diferentes expressões do “terroir” alentejano.
ERMO ARINTO 2020 - Vinho Regional Alentejano, Branco Ermo Wines
Casta: Arinto
12% vol. / PVP: 25 €
Descrição: O vinho apresenta um aroma cítrico contido, com apontamentos minerais e de pederneira. Na boca mostra grande vivacidade e alguma tensão, mas com excelente integração entre a acidez e a textura do vinho, tendo o estágio parcial em barricas novas de carvalho francês contribuído para toda esta harmonia. Final de boca de grande persistência e verticalidade. É um vinho branco alentejano marcante e de grande sofisticação.
ERMO ARINTO DE BARRO 2020 - Vinho Regional Alentejano, Branco Ermo Wines
Casta: Arinto
12,5% vol. / PVP: 35 €
Descrição: A breve fermentação e curtimenta em Talha deu-lhe um caráter texturado, que se conjuga maravilhosamente com a frescura da casta. Na boca revela ser um vinho de grande largura, surgindo algumas notas terrosas suaves. O vinho mostra grande equilíbrio em todas as suas componentes e tem um perfil extremamente gastronómico.
ERMO CASTELÃO 2020
Vinho Regional Alentejano, Tinto Ermo Wines
Casta: Castelão
12,5% vol. / PVP: 35 €
Descrição: Aroma subtil, com notas de frutos vermelhos e especiarias. Na boca mostra grande frescura, mineralidade e elegância, com textura e taninos muito finos. A madeira está muito discreta e ajuda apenas a tornar a Castelão mais aveludada e sofisticada.