Texto Manuel Baiôa
O processo de vinificação inventado pelos romanos há 2000 anos fazia a fermentação e a conservação do vinho em potes de barro (‘dolium’) e usava as ‘amphora’ para o seu transporte. Este processo deixou raízes nalgumas das suas províncias, mantendo-se até aos dias hoje em pequenas bolsas de tradição e de memória: na Geórgia com os vinhos ‘qvevris’; na Arménia com os vinhos ‘karases’; em Espanha com os vinhos de ‘pitarras’; e no Alentejo com os vinhos de talha. Dado o sucesso recente deste tipo de vinhos surgiu um movimento internacional modernista, quase globalizado, que recria e imita estes vinhos ancestrais – são os chamados ‘amphora wines’.
Em Vila Alva não temos ‘amphora wines’, temos autênticos vinhos de talha. Nesta aldeia do concelho de Cuba o vinho de talha nunca deixou de ser produzido, seguindo todos os preceitos tradicionais. No final de 2017, os irmãos Daniel e Alda Parreira e um amigo de infância, Ricardo Santos, enólogo de profissão, decidiram iniciar o projeto XXVI Talhas com a ajuda do adegueiro João Santos (pai de Ricardo Santos). Nessa altura os vinhos de talha voltaram a ser falados e Daniel e Alda possuíam uma adega desativada em Vila Alva com 26 talhas (daí o nome do projeto) e uma longa tradição familiar no fabrico deste tipo de vinho.
O avô de Daniel e Alda, Daniel António Tabaquinho dos Santos (1923-1985), conhecido como mestre Daniel, era carpinteiro de profissão e há cerca de 60 anos comprou um edifício para montar a sua oficina. Acontece que nesse edifício tinha funcionado uma adega e ainda lá estavam algumas talhas, pelo que iniciou também a produção e comercialização do vinho de talha na carpintaria. Em 1985, após 30 anos a fazer vinho, mestre Daniel faleceu e, em 1990, a adega encerrou. Em 2018, quase 30 anos depois, a Adega do Mestre Daniel ganhou nova vida e retomou a produção de vinho de talha.
Nestes três anos os vinhos XXVI Talhas têm vindo a ganhar notoriedade e a sua produção tem vindo a crescer. Nos cinco hectares de vinhas que exploram, em 2018 produziram cinco mil litros, em 2019 aumentaram para 7500 e iniciaram parcerias com outros produtores, diversificando as referências. O objetivo da empresa é fazer vinho como sempre se fez, utilizando uvas provenientes de vinhas velhas de sequeiro, com um mínimo de 20 anos, de solos muito pobres. A intervenção mínima na vinha e na adega deixar expressar ao máximo o ano agrícola, com todas as nuances e variabilidades. Já na adega as diferenças em cada talha também são notórias, permitindo fazer lotes diferenciados.
Neste momento a empresa tem no mercado sete vinhos em três segmentos: Branco do Tareco, Tinto do Tareco e Palhete do Tareco 2020; Mestre Daniel Branco e Tinto 2019; e os topos de gama Mestre Daniel Lote X Branco 2019 e Mestre Daniel Talha XV Tinto 2019. Os vinhos da empresa XXVI Talhas conjugam o caráter tradicional a uma notável autenticidade, tornando-se dignos representantes da essência dos vinhos de talha.
O vinho Mestre Daniel Lote X Branco 2019 foi elaborado com as castas regionais Diagalves, Manteúdo, Antão Vaz, Perrum e Roupeiro provenientes de vinhas com cerca de 40 anos. Estas videiras estão plantadas em solos pouco férteis de origem granítica. O vinho teve o processo de vinificação clássico dos vinhos de talha. As 1150 garrafas produzidas provêm de uma única talha com capacidade fermentativa de cerca de 1100 litros. O vinho tem um teor alcoólico contido (11,5 por cento), como era apanágio dos vinhos de antigamente. No aroma surgem notas elegantes de maça, marmelo, frutos secos e barro húmido. Na boca é extremamente delicado, cremoso e profundo. No final percecionamos a mineralidade, a frescura e a autenticidade de um grande vinho de talha de Vila Alva. PVP: 35 euros.