Texto Manuel Baiôa
Os vinhos com a marca “Pias” são um fenómeno de vendas em Portugal ao nível dos ‘bag-in-box’, isto é, vinhos embalados em caixas, que vieram substituir os antigos garrafões. No entanto, a quase totalidade destes vinhos não são de Pias, no concelho de Serpa. Uma parte destes vinhos é proveniente de outras zonas do Alentejo e de outras regiões de Portugal. Contudo, a quase totalidade destes vinhos tem origem em Espanha, tendo na caixa a menção “Vinho da UE”. A maioria dos consumidores não olha para esta indicação, quer apenas comprar um vinho que tenha na sua marca “Pias … qualquer coisa”. Os chefes de compras da moderna distribuição têm incentivado os engarrafadores a criarem novas marcas com estas designações, e já são mais de uma centena no mercado nacional. Esta situação está a prejudicar os “verdadeiros” vinhos de Pias, que passaram a estar associados a um vinho barato, mas que nem sempre tem qualidade.
Como podem os produtores de Pias defender o nome da sua terra desta apropriação indevida? Neste momento não é possível empreender ações judiciais contra esta situação com grandes probabilidades de sucesso, pois o nome “Pias” não está legalmente protegido. Pias encontra-se integrada na sub-região de Moura, que é uma Denominação de Origem Protegida/Controlada dos vinhos do Alentejo. Portanto, só o nome “Moura” é que está protegido. Pias vai continuar a sofrer com esta situação, pelo que só um bom esclarecimento dos consumidores fará separar o “trigo do joio”. É essa a estratégia empreendida pela Sociedade Agrícola de Pias, o mais antigo produtor de vinho situado nesta vila alentejana.
Esta empresa foi formada em 1973 por José Veiga Margaça, um comerciante de Torres Vedras que encontrou nesta localidade um enorme potencial para produzir vinhos de grande qualidade, devido entre outras questões, aos seus solos argilo-calcários. Contudo, em 1976, por conta do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e da Lei da Reforma Agrária, as propriedades e a adega da Sociedade Agrícola de Pias foram ocupadas e integradas na Unidade Coletiva de Produção (UCP) A Esquerda Vencerá. Pias passou a ser identificada como um dos lugares exemplares da revolução em curso. Nesses anos chegaram centenas de trabalhadores de todo o país para visitar, testemunhar e ajudar no sucesso desta UCP. No regresso às suas terras levavam a memória de Pias e o seu delicioso vinho embalado em garrafões, que passou a fazer parte de muitas celebrações em todo o país. Portanto, a disseminação da fama dos vinhos de Pias fora do concelho de Serpa teve um forte contributo da revolução e das ocupações.
A empresa foi restituída aos proprietários nos anos 80 e José Veiga Margaça reiniciou a sua atividade, tendo lançado o seu primeiro vinho engarrafado em 1988, o Encostas do Enxoé, que obteve grande sucesso. A empresa viu-se recentemente amputada em 100 hectares para a construção de uma barragem do sistema de Alqueva. Mesmo assim, ainda ficou com uma área de 700 hectares, 138 dedicados à vinha, 70 ao amendoal e 160 ao olival.
Hoje a empresa está entregue à gestão de Luís Margaça, representante da terceira geração da família. A Sociedade Agrícola de Pias produz cerca de 800 mil litros de vinho, sendo que uma parte cada vez maior é ocupada pelos vinhos ‘premium’, que trazem valor e reconhecimento à marca. A estratégia para melhorar a imagem dos vinhos de Pias foi iniciada nas vinhas, com mudanças no sistema de rega e na gestão da exploração agrícola no sentido de aperfeiçoar a consistência dos seus vinhos. Na adega procedeu-se à modernização tecnológica. Compraram-se novos equipamentos para poder elaborar vinhos diferenciados, de baixo volume e de nicho, que pudessem mostrar todo o potencial dos vinhos de Pias. Este processo de restruturação das vinhas e da adega foi conduzido sob supervisão do enólogo e viticultor Renato Neves que integra a Sociedade Agrícola de Pias desde 2016. Por fim, para concluir todo este processo de reorganização da casa, iniciou-se um processo de ‘rebranding’ dos seus vinhos, assinado pelo Atelier Rita Rivotti.
A reorganização das marcas e da sua imagem foi iniciada pelo seu porta-estandarte “as Pias”, nas versões tinto, branco e rosé. Os vinhos mantêm o seu perfil tradicional, agora com uma imagem contemporânea e mais próxima do consumidor moderno Lançou-se uma nova linha de vinhos, na categoria ‘premium’, “Família Margaça”, uma homenagem ao trabalho desenvolvido por José Veiga Margaça, pela família e pelo povo de Pias na criação de vinhos de excelência. Esta nova gama inclui seis referências: “Família Margaça Vinha do Furo”, nas versões tinto, branco e rosé; seguindo-se os vinhos “Família Margaça Reserva Tinto”, “Família Margaça Reserva Branco” e “Família Margaça Touriga Nacional”.
Família Margaça Touriga Nacional 2018
O vinho exibe um rubi intenso. No aroma mostra algumas notas associadas à casta, nomeadamente flores, complementadas por fruta vermelha madura. Na boca revela um corpo médio, harmonioso, elegante e fresco, com taninos suaves e arredondados. O estágio de 12 meses em barricas de carvalho francês conferiu-lhe algumas notas de especiaria e fumo, que se percecionam num final de boca longo. Na mesa será um parceiro ideal do porco alentejano ou de umas favas que estão a chegar. É um vinho de enorme prazer que homenageia Pias e reforça a imagem dos vinhos desta terra que tem visto o seu nome injustamente apropriado por outros. PVP: 10,59 euros.