Diário do Alentejo

Os diversos estilos dos ‘super premium’ alentejanos

10 de fevereiro 2021 - 09:30

Na prova realizada de vinhos ‘super premium’ comprovamos a grande qualidade dos vinhos tintos alentejanos. Os vinhos provados apresentaram estilos diferenciados, mas com um cariz profundamente alentejano. A marca de identidade do Alentejo mantém-se, com vinhos intensos, concentrados, pujantes, que enchem a boca e a alma, refletindo o clima e o solo onde nasceram. No entanto, a maioria dos vinhos apresenta-se com equilíbrio e elegância, revelando frescura e mineralidade.

 

Texto Manuel Baiôa

 

Conseguimos identificar nesta prova quatro caminhos que o vinho alentejano está a trilhar: o Alentejo clássico; os Vinhos de Talha; o Alicante Bouschet; e o Alentejo moderno.

 

ALENTEJO CLÁSSICO

 

O primeiro estilo, que podemos denominar clássico, caracteriza-se por utilizar maioritariamente as castas tradicionais do Alentejo, com destaque para o Aragonez e a Trincadeira, provenientes de vinhas velhas e adultas. Este dueto é complementado, por vezes, com algumas castas internacionais. A maioria destes vinhos teve um estágio prolongado em barrica e garrafa, pelo que já se apresentam com os vários componentes bem integrados, mostrando os aromas secundários e terciários.

 

É caso do vinho Herdade Grande Génese do Baco 2014 que foi elaborado com as castas Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet. António Lança, proprietário da Herdade Grande, salienta que com este vinho a empresa pretendeu “homenagear a herança da viticultura antiga alentejana” e “comemorar o nosso centenário”. O vinho apresenta a tradicional fruta madura transtagana, com algumas notas evolutivas e balsâmicas, taninos finos e um final longo e persistente. O enólogo Diogo Lopes afiança que vai crescer em garrafa, surpreendendo nos próximos anos “com novas camadas de complexidade”.

 

O vinho Quinta do Carmo Reserva 2013 tem atrás de si uma longa linhagem. Embora o seu perfil tenha evoluído ao longo do tempo, manteve-se como um clássico do Alentejo, ainda que com a inserção de algumas variedades internacionais. É elaborado maioritariamente com as castas Aragonez e Alicante Bouschet, a que se acrescenta um pouco de Cabernet Sauvignon e Syrah. É um vinho com aroma complexo de frutos vermelhos, encorpado, mas simultaneamente seco, sedoso e complexo.

 

O vinho T - Quinta da Terrugem 2014 combina as castas Aragonez, Trincadeira e Cabernet Sauvignon. É um vinho de grande concentração, com frutos maduros e alguns fumados do estágio em madeira. Este vinho remete-nos para um Alentejo antigo de austeridade e elegância.

 

O Quinta do Paral Vinhas Velhas 2018 apresenta-se com grande equilíbrio e frescura, com um aroma fino de estevas, cogumelos, frutos do bosque mediterrânico e final especiado. Este vinho foi elaborado com uvas das castas Aragonez e Tinta Grossa de cepas com mais de 50 anos. É um excelente exemplo de um vinho alentejano do futuro, mas que foi buscar as suas raízes ao passado.

 

Já o Morais Rocha Grande Reserva 2013 é elaborado com as castas Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet. É um vinho poderoso e quente. Revela aroma a frutos pretos muito bem integrados com a madeira.

 

O Esporão Private Selection 2014 é um lote das castas Aragonez, Syrah e Alicante Bouschet. Apresenta-se neste momento num ponto alto da sua evolução. Tem um aroma a fruta negra madura, notas de cacau e textura equilibrada e sedosa, com apontamentos de fumo e especiarias. É um vinho muito harmonioso, que nos remete para um Alentejo que se afirma cosmopolita e internacional.

 

VINHOS DE TALHA

 

O segundo estilo de vinhos que identificamos nesta prova foram os DOC Talha. O Alentejo foi a região portuguesa (e possivelmente do mundo) que melhor preservou os vinhos de talha até aos dias de hoje, mantendo no essencial o processo de vinificação trazido pelos romanos. Contudo, este processo estava confinado até há poucos anos a alguns pequenos produtores “caseiros”, que iam passando esta técnica enologia mais oxidativa de geração em geração.

Nos últimos anos, os vinhos da talha começaram a ser muito procurados, nomeadamente por um nicho de consumidores que privilegia o caráter, a autenticidade e a história que este tipo de vinhos traz consigo. O vinho de talha começou a ser olhado como uma oportunidade de negócio, pelo que muitas empresas de referência começaram a fazer experiências. Isso levou a que um número progressivamente maior de produtores começasse a apostar na talha como um produto diferenciador.

 

O vinho de talha passou das tabernas do Alentejo, onde ainda se bebe, para as mesas mais exigentes das grandes metrópoles do mundo. O preço, naturalmente, acompanhou a mudança. Os dois vinhos provados chegaram-nos de Vila de Frades, para muitos a “Capital do Vinho de Talha”. O Peculiar 2017 foi elaborado a partir das castas Aragonez e Trincadeira provenientes de solos xistosos. Revelou-se quente e poderoso, com aromas de frutos pretos maduros. Na boca mostrou-se complexo, com os taninos bem integrados e sem que a graduação alcoólica elevada perturbasse a prova, pois apenas mostrou o caráter e a identidade da terra que o viu nascer.

 

O vinho Honrado Talha Edição Limitada 2017 foi elaborado com um ‘blend’ das castas Aragonez, Alicante Bouschet e Tinta Grossa. No aroma patenteou frutos vermelhos e na boca mostrou grande frescura, mineralidade e persistência. Foram dois bons exemplos de estilos diferenciados de vinho de talha que o consumidor tem à sua disposição e que continuarão a dar prazer durante muitos anos. O vinho de talha deixou de ser um vinho passageiro do inverno e da primavera alentejana, para se tornar num vinho duradouro, aberto ao deleite de todos os que o souberem apreciar.

 

ALICANTE BOUSCHET, A CASTA QUE SE NATURALIZOU ALENTEJANA

 

O terceiro estilo de vinho que identificamos gira em torno da casta Alicante Bouschet. Esta casta tintureira (com matéria corante na polpa) nasceu em França em meados do século XIX pela mão de Henry Bouschet, que conseguiu cruzar as variedades Grenache e Petit Bouschet (cruzamento das castas Teinturier du Cher e Aramon). Pensa-se que terá entrado em Portugal no início do século XX, para acentuar a cor aos vinhos licorosos da Herdade do Mouchão.

 

Em França, foi plantada principalmente no sul, na região do Languedoc, mas não obteve grande sucesso. Em quase todas as regiões de clima quente, onde foi plantada, é considerada uma casta secundária, usada para dar cor e tanino ao lote, nomeadamente na Califórnia e no Chile. Nos Estados Unidos da América atingiu alguma popularidade durante os anos da “Lei Seca”, pois a sua cor intensa permitia que os contrabandistas misturassem água e açúcar no vinho. No entanto, parece que o Alicante Bouschet encontrou a sua casa no Alentejo, dado que é a base de alguns vinhos lendários da região de Estremoz (Mouchão e Quinta do Carmo) desde meados do século XX. Contudo, só recentemente é que ganhou projeção em outras sub-regiões, transformando-se na espinha dorsal da maioria dos grandes vinhos do Alentejo. A área desta casta no Alentejo está a crescer rapidamente, tendo chegado aos 16 por cento. Por isso, muitos defendem que o Alicante Bouschet é a casta tinta que melhor define a identidade do velho e do novo Alentejo.

 

O Alicante Bouschet adaptou-se maravilhosamente ao clima e ao ‘terroir’ alentejano. Sendo uma casta internacional, tem um coração regional. Contudo, tem que ser bem trabalhada para dar vinhos de extrema qualidade. Em jovem deve ser contida na produção com mondas rigorosas. Necessita de maturações delicadas, vinificações com algum engaço e estágio prolongado em garrafa para mostrar todos os seus atributos. Se for demasiado extraída, pode ficar com os taninos rústicos. Para além da cor retinta, esta casta dá uma estrutura taninosa, sólida e densa ao vinho, embora possa ser, por vezes, um pouco rude e opulenta. Por outro lado, transmite acidez, frescura e longevidade aos vinhos do sul. Ao nível aromático predominam os frutos silvestres, a azeitona, os vegetais secos, o mentol, o eucalipto, o chocolate amargo, o café e a pimenta.

 

O enólogo Paulo Laureano, grande conhecedor da casta, distingue algumas diferenças no seu comportamento nas várias regiões onde está plantada: “na Vidigueira o Alicante Bouschet tem diferenças bem marcadas quando comparado com o Alentejo mais a norte, onde as notas de prova são marcadas por um eucalipto forte e uma menta verde e, no caso da Vidigueira, mais pasta de azeitona e frutos negros muito maduros”.

 

O Grande Rocim Reserva 2017 foi elaborado a partir de uma vinha velha de Alicante Bouschet plantada em solos xistosos da Herdade do Rocim. Revela um aroma balsâmico de grande complexidade com fruta preta. Na boca mostra-se opulento, mas fresco, com notas vegetais e de menta. É, nas palavras do enólogo Pedro Ribeiro, um “gentle giant”. Isto é, “um vinho poderoso, com grande capacidade de evolução, mas ao mesmo tempo elegante e cheio de detalhes”.

 

Já o Alyantiju 2018 provém de uma vinha de Alicante Bouschet da Vidigueira. Tem um perfil muito fresco e profundo, com uns taninos de filigrana. Ainda está muito jovem e em crescimento. O enólogo Jorge Alves salienta o facto de ser um “vinho de território”, uma vez que realizaram “uma procura minuciosa de sítios únicos para a criação de um vinho intemporal”. O também enólogo António Cavalheiro realça o facto de ser um “vinho cheio, mas pleno de equilíbrios”.

 

O Herdade do Moinho Branco Alicante Bouschet 2015 tem origem numa vinha ainda relativamente jovem da Vidigueira. No entanto, rapidamente superou as expetativas do produtor Mário Pinheiro. Segundo o enólogo Paulo Laureano, “revela um nariz bem fresco e exuberante, com o ‘bouquet’ de frutos silvestres e fruta madura bem evidenciado e enriquecido pelas notas secundárias de madeira, balsâmico, alcaçuz e café fresco. Na boca é um vinho cheio e sedoso, com taninos bem presentes conjugados com a acidez ideal que lhe garante todo o equilíbrio”. Ainda está muito jovem, pelo que se augura uma fantástica evolução em garrafa.

 

Temos ainda um conjunto de vinhos em que o Alicante Bouschet é protagonista, mas que se conjuga com outras castas. O Herdade do Sobroso Grande Reserva 2018 é elaborado com as castas Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. É um vinho concentrado na cor, revelando frutos pretos e pasta de azeitona no aroma. Na boca é encorpado e quente, mas ao mesmo tempo tem frescura e equilíbrio. Segundo o enólogo Filipe Teixeira Pinto, estas duas castas proporcionam “suavidade e elegância, e por outro lado, complexidade, frescura e capacidade de evolução e estágio. Pretende-se um vinho de guarda mas que ao mesmo tempo possa ser apreciado mesmo enquanto novo, no fundo, a grande vantagem que a região do Alentejo tem para oferecer”.

 

O Marmelar 2017 é um lote das castas Alicante Bouschet, Petite Sirah e Petit Verdot. O vinho revela grande profundidade e requinte, com aromas de frutos negros e taninos finos e secos. É um vinho alentejano de grande esmero, mas ainda está bastante novo e fechado, pelo que deverá guardar algumas garrafas em cave, uma vez que se pressagia uma excelente evolução. O enólogo Nuno Elias defende que este vinho mostra uma “personalidade forte, sendo harmonioso em novo, demonstra boa capacidade de envelhecimento”.

 

O Monte Branco 2016 é feito com duas castas de duas parcelas. O Alicante Bouschet é proveniente de um solo xistoso e o Aragonez de um solo calcário. O vinho mostra aromas a frutos vermelhos. Na boca revela boa acidez e grande equilíbrio em todos os componentes, tendo um final longo e persistente. Segundo o enólogo Luís Louro “faz lembrar alguns dos grandes vinhos antigos da região, mas sem alguma da rusticidade que existia. É um vinho profundo, fresco e com grande potencial de guarda”.

 

O Herdade da Capela Grande Reserva 2016 é elaborado com as castas Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Syrah. A fruta está já muito bem combinada com o carvalho francês, tornando-o macio e aveludado. A enóloga Alexandra Mendes refere que “é um vinho de destacada complexidade aromática, com capacidade de envelhecimento e longevidade em garrafa”.

 

ALENTEJO MODERNO: FRESCURA E PUREZA DA FRUTA

 

O último estilo que identificamos na prova caracteriza-se por enquadrar um conjunto de vinhos com grande frescura e por mostrarem uma grande pureza da fruta, utilizando para isso algumas castas novas na região, como o Syrah e a Touriga Nacional, entre outras.

 

O vinho emblemático que representa esta tendência é o Incógnito. Nasceu em 1998, numa altura em que a casta Syrah ainda não era autorizada pela CVR Alentejana. Dado o seu sucesso junto dos apreciadores, esta e outras castas passaram a ser autorizadas, mudando a panóplia de variedades que os enólogos têm ao seu dispor. A Syrah e a Touriga Nacional estão em crescimento e são neste momento a quarta e a quinta casta mais plantadas no Alentejo.

 

O Incógnito 2013 teve um longo estágio em garrafa. Mostra fruta vermelha, notas vegetais e uma enorme amplitude e frescura, reflexo do ano em que nasceu. É um Incógnito diferente dos seus irmãos, pela acidez e vivacidade que revela. É simultaneamente potente e delicado e tem um longo final, com notas minerais e especiadas. Segundo a enóloga Anna Jorgensen, “o novo Incógnito 2013 é um vinho vibrante, de elevada frescura e acidez, exuberante na boca e de grande potencial de guarda”.

Herdade da Calada Syrah 2018 tem um bonito aroma a fruta vermelha, com destaque para a framboesa. Na boca é vibrante, com os taninos sedosos e elegantes. Este vinho é fruto do ‘terroir’ onde nasceu, mas também de uma técnica enológica pouco comum neste tipo de vinhos. Combina a maceração carbónica e a fermentação alcoólica em simultâneo. O enólogo Eduardo Cardeal explica que o objetivo é criar um “Syrah com um estilo europeu, mais primário, fresco e elegante. Acreditamos que com esta técnica podemos marcar pela diferença”, face a “outros topos de gama feitos com Syrah na região. Não temos compota, nem frutas pretas, temos fruta vermelha, especiarias e um toque mineral“.

 

O Freixo Family Collection 2016 é um ‘blend’ de uvas de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot provenientes da Serra D’Ossa. O vinho mostra-se muito harmonioso, com fruta madura e notas de mentol. Na boca revela taninos finos, mineralidade e grande equilíbrio. Tem um perfil sofisticado e internacional e longa vida pela frente.

 

Finalmente, o vinho Frederick Von S. Conde de Mértola 2017 foi elaborado com as castas Touriga Nacional, Syrah, Aragonez, Alicante Bouschet e Trincadeira provenientes de uma vinha de agricultura biológica e vegan. Tem um aroma a frutos vermelhos e algumas notas florais. Na boca é fresco e elegante. Ainda está muito jovem, pelo que irá evoluir bem nos próximos anos.

 

Em síntese, o enófilo tem ao seu dispor um conjunto alargado de vinhos tintos alentejanos com vários estilos, bem diferenciados. Cada um deles leva a marca de identidade e o caráter de uma grande região de vinhos que se quer afirmar não só em Portugal, mas também a nível internacional. Contudo, o Alentejo tem de saber comunicar estes estilos contrastantes, pois há o perigo do consumidor ficar confundido com tal diversidade de castas, ‘terroirs’ e processos enológicos.

Comentários