Texto Manuel Baiôa
A Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito foi constituída em 1960 e iniciou a sua atividade produtiva em 1963. Conta atualmente com mais de 300 associados, laborando uma média de oito a nove milhões de quilos de uva/ano. Nos últimos anos a direção da cooperativa presidida por José Miguel Almeida, e com a assessoria técnica do enólogo Luís Morgado Leão, efetuou diversos investimentos na adega, identificou, preservou e valorizou algumas vinhas velhas e efetuou um profundo 'rebranding' das marcas da adega que tem por lema “Vidigueira, quando o vinho é uma viagem”.
Esta reformulação do portefólio de vinhos apoiou-se no reforço da ligação aos Descobrimentos e a Vasco da Gama que em 1519 se tornou Conde da Vidigueira. Neste sentido, o posicionamento dos vinhos associam-se a uma viagem começando no Ato I até ao Ato VII. Já no segmento 'premium' foi criado o Ato IV, A Inspiração, onde têm surgido vinhos de determinadas castas que merecem destaque. Até este momento já tinham sido lançados três monocastas tintos, o Vidigueira Alicante Bouschet, o Vidigueira Syrah e o Vidigueira Touriga Nacional, e um monocasta branco, o Vidigueira Antão Vaz. Agora chegou a vez do tinto Vidigueira Trincadeira.
A casta Trincadeira é uma casta tradicional portuguesa (designada por Tinta Amarela no Douro), bem adaptada às zonas quentes do interior e tem uma forte presença no Alentejo (16,5 por cento). No século passado fazia um dueto de sucesso com o Aragonez em grande parte dos vinhos alentejanos. No entanto, nas duas últimas décadas foi perdendo protagonismo para outras castas que se foram instalando no Alentejo, como a Syrah, a Petit Verdot, a Touriga Franca ou a Touriga Nacional. Estas castas têm algumas vantagens para o agricultor, pois são mais regulares, e os seus aromas e sabores a fruta gulosa vão ao encontro do gosto de muitos dos consumidores atuais. Já a Trincadeira é propensa a algumas doenças e a alguma irregularidade. Alguns produtores afirmam que só costuma dar grandes vinhos uma vez em cada década, pois a sua película fina e frágil faz com que apodreça se chover na altura das vindimas, ou que fique em passa com temperaturas extremamente altas.
Saúda-se o regresso deste monocasta, pois atualmente são poucas as casas que a apresentam a solo. A Trincadeira merece ser estudada com mais minúcia por parte da viticultura e enologia alentejana no sentido de aumentar a sua regularidade qualitativa, pois faz parte da nossa identidade e remete-nos para os aromas e sabores de um "antigo" Alentejo. Os vinhos desta casta são tendencialmente florais e vegetais, e apresentam um final que nos remete para as especiarias, em particular a pimenta. Os seus taninos e a sua acidez ajudam a criar vinhos elegantes, equilibrados e frescos, fatores de estrema importância no Alentejo. A cooperativa da Vidigueira poderá nos próximos anos apresentar outras castas que estão afastadas da ribalta, mas que são uma marca diferenciadora da nossa região, como o Aragonez, o Castelão, a Tinta Grossa ou a Tinta Caiada.
O vinho Vidigueira Trincadeira 2019 nasceu de uma escolha exaustiva das melhores uvas desta casta. O mosto fermentou em lagar com pisa mecânica e o vinho estagiou nove meses em barricas usadas de carvalho francês. Foram produzidas 13.333 garrafas, com um preço de venda ao público recomendado de 7,29 euros. O vinho apresenta-se opulento e intenso, com aromas a ameixa e frutos do bosque maduros. Este lado balsâmico é contrabalançado pelo toque vegetal característico da casta e pela sua frescura natural, tornando-o complexo e desconcertante. No entanto, ao ter um grau alcoólico elevado (16 por cento) é aconselhável servi-lo a uma temperatura nunca acima dos 18ºC. Este vinho destina-se preferencialmente aos amantes dos vinhos encorpados e poderosos e é a companhia adequada para pratos de sabor intenso, como caça, borrego assado, ou uns secretos de porco alentejano grelhados. Pode ainda ser mais arrojado e prová-lo com uma sobremesa de chocolate e menta.