Diário do Alentejo

Um exemplo, uma missão!

29 de setembro 2024 - 08:00
José Fernando Veredas, massagista do Piense Sporting Clube
Foto| Firmino PaixãoFoto| Firmino Paixão

“Servirei o meu Piense enquanto me sentir com saúde para o fazer. Só de pensar que, um dia, terei de deixar o clube, já me faz doer o coração. São muitos anos, muitas vivências, muita dedicação, muitas alegrias e algumas tristezas, ao longo de mais de 40 anos. São muitos sentimentos e imagens que não apagamos de um momento para o outro. Um dia terei de deixar isto, todas as épocas são as últimas, mas, no ano seguinte, cá estou de novo…”.

 

Texto e Foto | Firmino Paixão

José Fernando Veredas nasceu em Pias, no concelho de Serpa, há 67 anos. Uma terra cheia de tradições, muitas vezes exemplo de resistência, uma vila de gente amistosa, de gente solidária e de dedicação às causas. José Fernando quis ser jogador da bola. Jogou no seu Piense, nos escalões de juniores e seniores. Teria passado ao lado de uma grande carreira se, porventura, tivesse nascido com um pouco mais de talento. Mas, não! O criador não lhe deu essa benesse. Mas deu-lhe resiliência, senão, vejamos: “Não tive uma infância muito feliz, porque o meu pai faleceu quando eu tinha três anos. Éramos três irmãos, fomos criados pela minha mãe, que era doméstica e trabalhava na casa de outras pessoas. Foi um tempo difícil. Andei sempre atrás dela, mas conseguimos dar a volta. Orientei a minha vida e a minha mãe, quando estava já no final dos seus dias, andava feliz porque conseguiu ver que os seus três filhos tinham uma vida normal e organizada”.

Uma contrariedade que não o impediu de crescer, de ter uma adolescência feliz e de ter conseguido estruturar a sua vida, assumiu. “Sim, dei a volta por cima. Consegui conquistar a minha felicidade, porque fui à procura dos meus meios de subsistência, fui procurar trabalho. Tinha de arranjar meios de sustentar os meus vícios, porque a minha mãe não o podia fazer. Dava-nos só a comidinha. Comecei a trabalhar cedo. O dinheiro da semana era entregue à minha mãe. Ficava com um dia [de salário] para as minhas despesas, para o tabaco e para uma ou outra bebida. Foi assim a minha realização. Com esforço, trabalho, muito sacrifício. Foi assim que me fiz homem. Não me arrependo de coisa nenhuma”.

O campo da bola era o seu destino privilegiado e terá sido por ali que encontrou umas das oportunidades de trabalho. “Comecei muito cedo a andar à volta do futebol. Trabalhei no café Central, em Pias, propriedade do Barão Espada Cachola, um dos mitos do futebol piense, grande impulsionador e dirigente do clube. Trabalhei sete ou oito anos com ele, mas, como era ambicioso, comecei a procurar outras oportunidades de vida: emigrei, trabalhei no campo e na construção civil, não virava a cara nada. Mais adiante consegui trabalho no matadouro, em Beja, comecei a ser funcionário público. Daí para a frente frequentei a escola, estudei em pós-laboral, mas andei sempre muito ligado ao futebol”.

Sobre a sua pouca aptidão futebolística, confessou, com humildade: “Sempre soube ver-me ao espelho e sabia que não tinha qualidade para ir mais além, até porque, ao meu lado, andavam grandes jogadores que passaram aqui pelo Piense”. Um dos exemplos que deu foi o do saudoso Guilhermino, uma grande figura do futebol alvinegro.

Pensou dedicar-se a outra atividade, mas sempre ligada ao futebol. Via chegar gente de fora, enfermeiros que vinham da tropa para trabalhar nos clubes. “Comecei a gostar do trabalho de massagista. O que verdadeiramente queria era continuar no futebol, porque era essa a minha paixão. A massagem foi uma forma inteligente de me manter ligado ao futebol, mas também ligado ao meu clube. Criei ali o meu cantinho, conheci imensas pessoas, fiz grandes amizades, pessoas que, de vez em quando, reencontro por esses campos de futebol”.

Como a autodidática não o habilitava quanto bastasse, tirou o primeiro curso de massagistas que foi organizado pela Associação de Futebol de Beja. “Éramos muitos, mas, atualmente, só cá estou eu e o José Milhano, que está no Moura. Os outros desapareceram. Tenho trabalhado sempre sozinho, mas tive pessoas que me ajudaram bastante: o enfermeiro Alfredo Carreira, de Serpa, e outro senhor, de Moura, que era o ‘Tio’ Carlôto. Fui sempre muito curioso, perguntava muitas coisas aos mais velhos”.

Que mezinha levará José Fernando na malinha de todas as curas? “O spray, o gelo e um golinho de água. Resulta sempre. Às vezes, ouço gritos: ‘Dá-lhe gelo, dá-lhe gelo’. Mas há lesões e lesões. Por vezes, é só para quebrar o ritmo do adversário, mas nós temos de atuar. Com os guarda-redes resulta mais, porque não são obrigados a sair do campo. São matreirices que se aprendem no futebol. Não gostamos que façam isso connosco mas, na verdade, fazemo-lo contra os outros”.

A mobilidade já não é a melhor. Sempre são quase 70 anos e uns quilitos a mais, admitiu. “Essa é outra. Vou no meu ritmo e ouço os adeptos a gritarem: ‘Vai de motorizada, dá aos pedais ou vai buscar uma trotinete’. Vou-me rindo, olhando para trás e desfrutando”. As histórias são muitas, umas mais deliciosas do que outras. Sempre recordou uma delas. “Um dia, em Santa Vitória, com o Teixeira Correia a apitar, entrei em campo com uma malinha de madeira. Começou logo a mandar-me sair, mas eu deixei a mala no chão. Ele pegou-lhe, aquilo abriu-se e espalhou-se tudo pelo chão. Demorei mais. Ficou fulo e disse-me: ‘Tinhas logo que trazer isto tudo aberto’. Ficou furioso e na segunda ‘piratice’ que fiz expulsou-me. Os árbitros têm-me aturado muito”, assumiu.

A hora da despedida terá outro encanto, porque homens bons como este fazem falta no futebol, mas, diz José Fernando: “Essa é a parte que me está doendo mais. Gostava de deixar o Piense num escalão mais acima. Tem-me dado muitas alegrias e agora vejo o meu clube na mó de baixo. Fico triste!”.

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