Diário do Alentejo

Um olhar de Otelo Galinha sobre o Clube de Xadrez de Vidigueira

08 de abril 2021 - 15:10

O Clube de Xadrez de Vidigueira tem uma geração de praticantes em que é notória a preocupação de ensinar os princípios básicos do jogo aos mais novos. No ano passado, o clube competiu no campeonato distrital da Associação de Xadrez de Beja algo que não se repetiu devido ao covid-19

 

Texto Firmino Paixão

 

Atravessando uma fase de expectativa em relação ao regresso às competições, o Clube de Xadrez de Vidigueira pretende elaborar um plano de implementação do xadrez no concelho, uma iniciativa estruturada, em conjugação com escolas, pais, empresas e município, com o objetivo de formar uma nova geração de jogadores, assegura o dinamizador do clube, Otelo Galinha, um grande “embaixador” da modalidade.

 

O Clube de Xadrez de Vidigueira foi fundado em maio de 1999. Com que objetivos?

 

O objetivo inicial foi passar para o plano associativo aquilo que já acontecia em termos informais. Nessa altura, a Vidigueira tinha muitos praticantes, que se reuniam com regularidade. Ora tendo número e qualidade suficientes, demos o passo lógico: criar um clube para oficializar a prática e poder competir a nível federado, quer nas competições da Federação Portuguesa de Xadrez, quer nos torneios organizados por outros clubes e entidades. Nessa fase inicial participámos com frequência nos distritais, individuais e por equipas, organizados pela Associação de Xadrez de Beja e em torneios um pouco por todo o sul do país. Também organizámos alguns torneios e o xadrez fazia parte integrante dos jogos concelhios, promovidos pelo município.

 

Neste percurso de 22 anos o clube tem cumprido esses pressupostos?

 

Infelizmente não. Na altura em que iniciámos as atividades, a grande maioria dos jogadores já tinha 17,18 ou 19 anos. Começámos a sair da nossa terra, para estudar ou trabalhar, ainda participámos em competições com regularidade, mas já sem a mesma disponibilidade. O tempo para atividades desportivas, nomeadamente ao fim de semana, reduziu-se drasticamente. A partir daí o foco passou a ser não perder por completo o trabalho já feito e tentar reativar o clube com jogadores mais jovens.

 

Promover o xadrez, competir, formar, qual a componente que tem sido menos conseguida?

 

Sem dúvida formar. Atualmente, competir é muito fácil, bastará a inscrição em qualquer clube (ou até individualmente) e a filiação na Federação Portuguesa de Xadrez para se estar apto a participar em competições, independentemente da idade, nível ou experiência. Promover também não é difícil, desde logo porque cada jogador é um “embaixador” da modalidade e vê-se preocupação das entidades competentes nesta faceta. Os benefícios da modalidade são conhecidos e os agentes sociais estão sensíveis a isso. A parte da formação é que é mais complicada. Desde logo porque exige tempo e disponibilidade de quem forma, mas também de quem é formado. O xadrez compete com milhares de atividades destinadas às crianças, e cuja interatividade é maior.

 

O evento de maior visibilidade que o clube organiza é o Torneio 25 de Abril que, em 2020, não se realizou. Espera poder realizá-lo este ano?

 

Bem que gostaríamos, mas infelizmente não estarão reunidas as condições. O xadrez é um jogo de proximidade. Por muitas precauções que se tomem existe atualmente um risco em reunir 50 ou 60 jogadores num espaço fechado. Além disso, o Torneio da Vidigueira pretende diferenciar-se de uma outra forma. A competição é séria, mas o ambiente é mais descontraído. Há um grande espírito de desportivismo e camaradagem e tudo culmina num almoço convívio com jogadores, árbitros, familiares e representantes da edilidade, algo que atualmente seria impraticável, e não queremos perder essa identidade.

 

O momento alto dos torneios foi a presença do mestre António Fernandes (2016), para uma simultânea com cerca de 30 praticantes?

 

Um momento inesquecível! Não é todos os dias que temos a hipótese de jogar com um grande mestre. O plano era criar os alicerces para realizar um torneio oficial. Já tínhamos feito duas edições do Torneio da Vidigueira, mas sem contabilização para o ranking ELO, que é um sistema de pontuação dos jogadores consoante as suas vitórias. Para ajudar a lançar essa semente, nada melhor que ter o melhor jogador português de sempre a partilhar os seus conhecimentos, não só no jogo jogado, como também na palestra acerca das vantagens do xadrez.

 

António Fernandes diz que o xadrez é um jogo de cálculo, de lógica, de visão espacial…

 

São 64 casas, 32 peças, cada qual com movimentação e função específicas… isso torna as possibilidades de jogadas infinitas. Mas nem todas essas jogadas são boas. É aí que entra o cálculo, ou seja, a antevisão das possibilidades para escolher os melhores lances a realizar, tendo em conta as possíveis respostas do adversário. Lógica, porque uma ação provoca uma reação, cada jogada tem consequências que nos devemos esforçar para identificar.  Visão espacial, porque tem de se analisar o tabuleiro como um todo e levar em atenção a ação das peças em jogo.

 

Que benefício reconhece no xadrez para a saúde mental e para a agilidade comportamental de um praticante?

 

Já existem diversos estudos que comprovam que a prática do xadrez melhora vários processos cognitivos e reduz o impacto de doenças cerebrais degenerativas (como o alzheimer ou a senilidade). O xadrez ensina a tomar decisões, a aceitar consequências, a observar e reagir perante desafios, a ter noção de tempo e espaço e a resolver problemas. Basicamente, exercita as aptidões que utilizamos durante toda a vida.

 

É notório que existem alguns mitos em torno do xadrez enquanto modalidade. O clube tem conseguido desmistificá-los?

 

Pouco a pouco os estereótipos vão caindo. Não é necessário ter um nível de inteligência especial para jogar, a evolução nota-se mais em horas de estudo e experiência do que em QI. É óbvio que existem pessoas com mais predisposição para este jogo, algo a que poderemos chamar talento natural, mas isso é verdade para todos os desportos. O xadrez não é aborrecido. É uma batalha em miniatura, que nos absorve por completo e nos exige recursos que, por vezes, julgávamos não ter. O xadrez não é complicado. As regras aprendem-se em cinco minutos e o estudo e a prática é que nos fazem evoluir.

 

O que faz falta para promover um maior incremento do xadrez na comunidade?

 

Existem países que o incrementaram através do currículo escolar, introduzindo-o como disciplina opcional, a par da música ou dos trabalhos manuais. Os países do antigo bloco soviético mantêm essa tradição e, na Índia, os resultados têm sido surpreendentes. Qualquer decisão de incluir o xadrez como disciplina em Portugal, só pecará por tardia.

 

É verdade que a ‘peça mais forte’ do xadrez é uma dama? Porquê?

 

Sim, é a peça mais forte porque é a que tem mais amplitude de movimentos e maior raio de ação. O porquê de se chamar dama… dava para outra entrevista.

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