Diário do Alentejo

Crónica: Desporto individual em tempo de pandemia

01 de abril 2021 - 12:00

“Hoje, a semente que dorme na terra/ e se esconde no escuro que encerra/ amanhã nascerá uma flor”, um trecho do inspirador poema “O Melhor de Mim”, cantado por Mariza, uma das mais aplaudidas cantoras portuguesas, ao qual ancoramos este estímulo, qual encorajamento para os atletas individuais cuja atividade desportiva se tem mantido suspensa.

 

Texto Firmino Paixão

 

É isso, que melhor dica para todos os que têm estado mergulhados na escuridão da inatividade, na suspensão, adiamento ou, se calhar, no cancelamento de projetos pessoais, quantos sonhos terão ficado por concretizar, mas canta a Mariza que “também eu estou/ à espera de mim/ algo me diz/ que a tormenta passará”. Acreditamos que sim, a tormenta vai dando sinais de nos deixar, assim sejamos, ao mesmo tempo, corajosos, resilientes mas, sobretudo conscientes e pragmáticos.

 

Sim, porque no desporto, como na vida, mais do que estarmos empenhados em clarificarmos quais serão as nossas metas, devemos estar muito mais preocupados em descobrirmos o caminho que teremos que percorrer para lá chegarmos. Uma boa gestão da motivação e da ansiedade tem uma importância determinante para o sucesso dos nossos compromissos.

 

Voltemos à Mariza e ao poema escrito por A.C. Firmino, para recordarmos que “é preciso perder/ para depois se ganhar/ e mesmo sem ver/ acreditar!”, pois “é a vida que segue/ e não espera pela gente/ cada passo que dermos em frente/ caminhando sem medo de errar”.

 

Esta é a tónica, depois de tantas incertezas, de tantas hesitações, de tantas carreiras que sofreram profundas reformulações. Temos que nos fazer ao caminho. E caminharmos com passos firmes e seguros, caminharmos sem medo de errar, porque o sentimento a que, doravante, nos devemos submeter é a autoconfiança, acreditarmos que somos capazes. “Creio que a noite/ sempre se tornará dia/ e o brilho que o sol irradia/ há de sempre nos iluminar”, poema mais inspirador não haverá, por certo, e a força interior, a profundidade, a emoção que a intérprete lhe acrescenta, tem o seu êxtase no refrão “sei que o melhor de mim/ está para chegar/ sei que o melhor de mim, está para chegar”.

 

Que mensagem encorajadora, qual lição de vida que devemos interiorizar, degustando cada estrofe, como se as sílabas nos galvanizassem para novas e melhores conquistas à luz do sol que nos ilumina. Temos sempre que acreditar que o melhor de nós está para chegar, é essa a força que nos fará descobrir o caminho para o ponto onde queremos aportar.

 

A motivação de qualquer desportista, como nos diz Paulo Guerra, o primeiro campeão da Europa na história do atletismo luso, “é um dos principais pilares para o êxito desportivo. Sendo assim, o atleta tem que ser acarinhado, tanto pelo treinador como pelos pais, com um discurso direcionado no sentido de que, para alcançar o objetivo, é necessário treinar sempre, pois todos os adversários estão a treinar quando outros estão sentados no sofá e, assim, será impossível realizar o sonho que cada atleta tem. No desporto, a sorte, o êxito, só acontecem com trabalho”.

 

O tetra campeão europeu de corta-mato, natural de Barrancos, adianta que, sendo assim, “o melhor é criar pequenos objetivos, semana a semana, para que, uma vez por mês, haja um objetivo maior, traçando metas individuais ou coletivas”. O melhor atleta europeu, nos mundiais de corta mato, enriquece este contributo para a motivação, opinando que “com esta paragem, tão longa, nas competições e sem planificação de uma época desportiva, a quebra da rotina diária que cada desportista tem (não havendo pequenos objetivos para ter a vontade necessária de realizar bons treinos), irá criar desmotivação e, muitas vezes, o abandono da atividade física”.

 

O antigo discípulo de Moniz Pereira, Bernardo Manuel e Rafael Marques quis recordar que “todos estamos a ser privados do melhor simbolismo que a humanidade tem… a liberdade e, por isso, nunca a atividade física foi tão importante. Sempre sugeri que a atividade não deve ser feita individualmente, pois os treinos em conjunto são muito mais agradáveis e motivadores para que não haja desistências, mas sim continuidade”, reforçou o atual embaixador do Plano Nacional da Ética no Desporto, pelo Instituto Português do Desporto e Juventude.

 

O que fazer então para invertermos esta ausência, este estado de ansiedade, de desmotivação, para não irmos tão longe, ao desespero, criado pela crise epidemiológica que temos vivido? Paulo Guerra aconselha: “Para sairmos desta atípica fase, todos temos que acreditar que este tempo é um irrisório tempo dentro da vida de cada um e que o desporto é um dos maiores instrumentos para a boa saúde física e mental de cada cidadão, seja ele desportista ou não”. Cá está a chave. Acreditar! Tal como no refrão do poema, com a notável interpretação de Mariza: “É preciso perder /para depois se ganhar/ e mesmo sem ver/ acreditar”.

 

Na mesma sintonia está o professor João Roberto Gretz, brasileiro, especializado em Marketing e Relações Humanas, autor da obra “Motivação” (Editora Thomas Nelson, 2010), na qual defende que “o caminho do sucesso está dentro de você” e esta convicção suscita a ideia de regressarmos àquele princípio inicial de não nos empenharmos em clarificar etapas intermédias, mas valorizarmos, preferencialmente, o percurso por aonde devemos seguir, para vencermos os obstáculos intermédios que se nos depararem, até ficarmos com a nossa meta, o nosso sucesso, o nosso destino final, no horizonte.

 

E como? O professor João Gretz, famoso pelas suas palestras motivacionais, tem a receita: “O melhor caminho para o sucesso em todas as esferas da vida é acreditar e agir, não nos prendermos com dificuldades ou sentimentos negativos. Superar o desânimo com movimento e ação”, advogando que esta é a essência da motivação. “Ter um sonho de vida, confiar na nossa capacidade de atingirmos o nosso objetivo e torná-lo realidade desde já. O tempo é agora”, assegura Gretz, também autor do famoso título “Voando como a águia - a inteligência espiritual como fator de mudança”, publicação em que se inspirou o selecionador Luiz Felipe Scolari para motivar os jogadores da seleção nacional de futebol durante o Euro 2004, disputado em Portugal.

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