A gestão do Hospital de São Paulo voltou a ser assumida pela Santa Casa da Misericórdia de Serpa após a extinção do acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas (UMP). O presidente da UMP justifica a extinção do protoloco com a situação financeira da misericórdia. A provedora diz, por sua vez, que, “à data”, não estão “criadas as condições para resposta às questões colocadas” pelo “Diário do Alentejo”.
Texto | Nélia PedrosaFoto | Vasile Iavorovschi
O acordo firmado no início do ano passado entre a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a Santa Casa da Misericórdia de Serpa (SCMS) com vista à gestão, por parte da primeira, do Hospital de São Paulo, chegou ao fim. O presidente da UMP, em declarações ao “Diário do Alentejo” (“DA”), afirma que “não havia condições” para manter o protocolo “perante a situação financeira” da SCMS.
“Consideramos que é mais sensato para todas as partes extinguir o protocolo sem prejuízos de nenhuma delas”, reforça Manuel de Lemos, adiantado que estão na disposição de, após findo o Processo Especial de Revitalização (PER) entretanto requerido pela SCMS – com o objetivo de implementar negociações entre a instituição e os seus credores de modo a que se consiga aprovar um plano de recuperação que permita a revitalização da entidade para que possa continuar a desenvolver a sua atividade –, “reavaliar” a situação.
Contactada pelo “DA”, a provedora da SCMS avançou que consideram, “à data, não estarem criadas as condições para resposta às questões colocadas” pelo nosso jornal, pelo que informam “que, oportunamente, as mesmas serão respondidas”.
Em julho do ano passado, sensivelmente seis meses após a UMP ter assumido a gestão da unidade hospital, Isabel Estevens explicava ao “DA” que “a transferência” de “toda a área da saúde” para a união só tinha sido aprovada oficialmente em assembleia-geral da SCMS realizada a 2 de julho, estando a conclusão de todo o processo “para breve”. Fazia, no entanto, um balanço positivo da transferência da gestão, frisando que “é necessário existir uma gestão hospitalar profissionalizada”, e reconhecia na UMP “toda essa experiência”, sendo que “não é por acaso que tem a gestão de mais de 20 hospitais a nível nacional”. À SCMS caberia, então, “gerir só a parte social”.
Recorde-se que a UMP assumiu a gestão do Hospital de São Paulo a 16 de janeiro do ano passado, tendo reaberto o serviço de atendimento permanente (SAP) – encerrado desde 30 de setembro de 2023 devido à “grave situação económica” da SCMS, que não permitiu “garantir disponibilidade de médicos” – e inaugurado a nova unidade médico-cirúrgica, um investimento de 3,7 milhões de euros. De acordo com um comunicado da UMP enviado, na ocasião, ao “DA”, o serviço de urgência ficaria disponível das 08:00 às 24:00 horas e a unidade médico-cirúrgica, “que foi construída de raiz”, previa “a realização de 2 500 a 3 000 cirurgias por ano”. A UMP adiantava, também, que pretendia “trabalhar para que esta unidade hospitalar possa ter uma gestão mais profissionalizada e que possa adquirir competências com benefícios em cuidados de saúde para a comunidade servida pelo Hospital de São Paulo”. Era referido, ainda, que a unidade iria “disponibilizar serviços clínicos diversos, nomeadamente, de cuidados continuados (convalescença e paliativos), consultas de especialidade, exames com meios complementares de diagnóstico e terá capacidade para cirurgias de ambulatório e internamento”.
Em dezembro de 2023, após o anúncio de que a UMP passaria a assumir a gestão do Hospital de São Paulo, Manuel Lemos explicava que aceitaram ajudar na gestão da unidade de saúde depois de a SCMS ter manifestado dificuldade em fazer essa gestão e pedir apoio.
Câmara e movimento de utentes manifestam preocupação O presidente da Câmara de Serpa, que revela ao “DA” ter sido informado pela provedora de que “a União das Misericórdias estava fora do processo, que era novamente a santa casa que estava a assumir a parte social e a parte da saúde e que iria entrar com este processo [especial de revitalização] no sentido de precaver e tentar arranjar soluções para a continuidade da instituição”, sublinha que a preocupação da autarquia é “muito anterior à extinção deste acordo”.
“A preocupação da Câmara de Serpa tem a ver com a situação financeira da santa casa tendo em conta a importância que esta instituição tem, quer nos cuidados que presta aos utentes, quer ao nível dos postos de trabalho. Ter a santa casa da misericórdia, uma instituição secular, nesta situação, é algo que nos perturba e que nos causa preocupação”, reforça João Efigénio Palma, frisando que a situação atual “demonstra que esta aposta na prestação de serviços da área de saúde não pode ser vista como alguns a veem, pensando que nos nossos territórios, de baixa densidade, com pessoas com baixos níveis de rendimento, seja uma atividade possível de levar a cabo como qualquer atividade comercial ou industrial de outro género”. O autarca salienta que “os governos têm de se convencer de que a Constituição tem de ser cumprida”, pelo que cabe ao Estado “assumir na íntegra os cuidados de saúde das pessoas que aqui vivem”.
João Efigénio Palma considera, ainda, que a SCMS, “quando se abalançou numa atividade [área da saúde] para a qual não estava vocacionada, enveredou por um caminho muito complicado e os resultados estão à vista”. O autarca sublinha, no entanto, que “esta mesa da SCMS está a tentar resolver uma situação” que não foi por si criada. E conclui: “Estamos sempre disponíveis para falar, para trabalhar, com a santa casa e esperamos que esta situação menos boa seja ultrapassada”.
Luís Mestre, membro do Movimento de Defesa do Hospital de São Paulo, afirma, por sua vez, que, “na prática”, a UMP “nunca assumiu a gestão do hospital de Serpa, de tal forma que não passou da reabertura do serviço de atendimento permanente”, comummente designado de “serviço de urgência”. “Não houve consultas externas, não houve meios complementares de diagnóstico, o serviço de urgência continua a funcionar sem raio x, o bloco operatório [da unidade médico-cirúrgica] continua fechado. Portanto, continuamos com um serviço de urgência com o mínimo dos mínimos. E agora, com a ausência da União das Misericórdias Portuguesas, tememos que a situação até se possa vir a agravar por causa da situação financeira da santa casa da misericórdia local e que o hospital possa estar em risco”.
Frisando, no entanto, que o movimento defende o regresso da unidade de saúde à esfera pública, Luís Mestre acrescenta que, “uma vez que estamos à porta de eleições legislativas, vamos tentar chegar a todos os candidatos para virem a público dizer o que é que pensam e querem fazer deste hospital”. O movimento irá, ainda, “insistir com os pedidos de reuniões” com a SCMS. “Ao longo do último ano pedimos várias reuniões à santa casa, e também à união, mas sempre sem sucesso”.