O Orçamento do Estado (OE) 2025 tem sido motivo de luta política nos últimos meses. A peça legislativa que permite ao Governo gerir o País no próximo ano foi questionada antes de ser apresentada, alvo de negociações entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro; pretexto para André Ventura classificar de “mentiroso” o primeiro-ministro. No fim de tudo, aqui chegados, voltamos ao princípio: o documento proposto não reuniu o apoio de nenhum dos partidos fora da coligação governamental e apenas será viabilizado pelo voto contrariado do PS em nome da “estabilidade política”.
Texto | Aníbal FernandesIlustrações | Susa Monteiro/Arquivo
O OE 2025, para além de determinar os grandes números em termos de gastos e receitas do Estado, serve para aferir que tipo de investimentos estão previstos setorial e regionalmente para o País. O mesmo é dizer que é possível antever se obras há muito previstas para o Baixo Alentejo, por exemplo, vão ou não ter respaldo nas previsões orçamentais e se serão, ou não, desta vez, concretizadas.
Ontem, quinta-feira, 31 de outubro, já depois do fecho desta edição do “Diário do Alentejo” (“DA”) – se não aconteceu nenhuma surpresa – o OE 2025 foi aprovado na generalidade. Segue-se a discussão na especialidade, em que os partidos farão propostas de alterações pontuais, mas que, em último caso, poderão desvirtuar a proposta original. Apesar de haver intenções anunciadas nesse sentido, também é sabido que o PS se comprometeu a não contribuir para uma mudança radical nas contas apresentadas, nomeadamente, no que se refere ao saldo final positivo de 0,3 por cento do PIB, cerca de 800 milhões de euros.
“Entusiasmo” Gonçalo Valente, deputado do PSD eleito por Beja, disse ao “DA” estar “entusiasmado” com este OE, que, no seu entender, “quebrou, inequivocamente, com a história mais recente de falta de investimento” no Baixo Alentejo. O deputado que apoia o Governo acredita num “novo impulso” que gerará “respostas aos grandes problemas que têm votado o nosso território” e “impedido o crescimento económico, a competitividade e melhores respostas sociais”.“Após décadas de estudos, de promessas e de intenções, foi este governo, e isso é factual, que tomou a decisão de aproveitar o último estudo desenvolvido pelo atual conselho de administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba), relativamente à requalificação e ampliação do hospital de Beja, e dar-lhe o destino que todos ansiávamos, a sua concretização”, afirma o social-democrata, que assinala, ainda, “a eletrificação da ferrovia entre Beja e Casa Branca, dando este governo seguimento ao trabalho que vinha a ser feito neste sentido” e “a requalificação do IP8 entre o aeroporto e Beja” como fatores positivos do documento. O abastecimento de água pública na freguesia de Espírito Santo, em Mértola, também é referida como uma das promessas a ser cumpridas por este OE. Gonçalo Valente faz questão de referir as “várias medidas executadas durante estes seis meses, muito importantes para o setor agrícola, que é a grande força motriz do nosso distrito, repondo, assim, a confiança dos agricultores relativamente ao governo, pela previsibilidade e estabilidade que este veio trazer aos agricultores”.
“Continuidade” Para Nelson Brito, deputado do PS, este documento não traz nada de novo e limita-se a dar andamento ao que vinha da governação socialista: “o OE 2025 falha em novos compromissos com o Baixo Alentejo, apenas confere continuidade ao trabalho projetado em várias áreas pelo anterior governo do Partido Socialista”, afirma, exemplificando que o “único investimento a realizar” na região foi “iniciado [pelo anterior governo] e visa a requalificação e ampliação do Hospital José Joaquim Fernandes, na cidade de Beja”.Para o socialista, o “problema deste OE, no que à nossa região diz respeito, é que mais não é do que um saco cheio de dinheiro e vazio de compromissos relativos ao financiamento de um conjunto de projetos iniciados pelo anterior governo em áreas como a Saúde, Educação, Mobilidade, Justiça, Social, Agricultura e Ambiente”.
Ainda na área da Saúde, o presidente da Federação do Baixo Alentejo do Partido Socialista, reivindica “a garantia de que sejam terminadas as obras de construção do novo Centro de Saúde de Ourique, que se coloque a funcionar o novo Centro de Saúde de Vidigueira, que comece a funcionar o novo bloco operatório do hospital de Serpa e que comecem as obras de requalificação do centros de saúde e urgências básicas de Castro Verde e Moura. A contratação de médicos é essencial para a nossa região e sobre isso há um vazio”, aponta.Nos acessos, considera “fundamental” os investimentos no IP8, “nomeadamente, no troço Santa Margarida do Sado – Ferreira do Alentejo, o qual já está adjudicado, mas também que se prossiga a obra até Beja e que seja estudada a sua conclusão até Ficalho”. O mesmo para a ferrovia e para “o projeto de modernização e eletrificação da linha ferroviária entre Beja e Casa Branca, com projeto em elaboração e financiamento assegurado pelo Portugal 2030, e que nele se integre a ligação ferroviária ao aeroporto de Beja e a reabertura do ramal Beja-Funcheira”.Na lista de obras a “prosseguir” o deputado socialista refere “a obra de ligação da água de Alqueva às barragens do Roxo e da Rocha, bem como as redes secundárias de Messejana, Cuba e Vidigueira, e ainda Moura, Póvoa e Amareleja” e, na cidade de Beja, a conclusão do novo “Palácio da Justiça e a futura residência de estudantes do Instituto Politécnico de Beja”.
Nelson Brito, faz questão de assinalar que os projetos referidos “foram todos iniciados no anterior governo do Partido Socialista”, numa “legislatura abruptamente interrompida, mas que terão de ter continuidade”.
“Vergados ao PS” “É um mau orçamento”, começa por dizer Diva Ribeiro, deputada eleita pelo Chega, acrescentando que “desde o princípio que tentámos que houvesse uma negociação [com a AD], pois os portugueses queriam um governo à direita, mas Montenegro quis governar sozinho” e adotou o “orçamento socialista, vergando-se ao PS”.
Para o partido sentado mais à direita no hemiciclo de São Bento, temas como a corrupção, a emigração e a insegurança são fundamentais, e não constam da proposta apresentada pelo Governo. Quanto às reformas estruturais – Saúde, Justiça, Educação – também estão ausentes no OE 2025. As referências que existem não passam de “pensos rápidos”, afirma a deputada.
Já os dossiês com implicações diretas na região, nomeadamente, o que diz respeito “à requalificação e modernização do hospital de Beja, é mais do mesmo”, faltando “quantificar as verbas necessárias e referir qual a percentagem a ser suportada” pelos fundos nacionais e dizer onde se vai buscar o restante, se “ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], se ao Portugal 2030. São muitos ses”, refere Diva Ribeiro. Neste setor aponta também o atraso no investimento nos centros de saúde e a falta de uma estratégia “para a fixação de médicos” na região.
A deputada do Chega diz que “as acessibilidades são fundamentais para o desenvolvimento” e lamenta que “nada haja de concreto quanto à requalificação do IP8 – de Sines a Ficalho – ou a eletrificação da ferrovia, incluindo a ligação ao Algarve e a ligação ao aeroporto”.Por outro lado, o “corte anunciado de 50 por cento” nas verbas destinadas à floresta [ao montado] configura o “esquecimento da realidade do Baixo Alentejo em que os terrenos de sequeiro representam 80 por cento do total”.
“Muita parra e pouca uva” A Direção Regional do Alentejo (DRA) do PCP, aproveitando o facto de se ter reunido para preparar o congresso a realizar em meados de dezembro, em Almada, também analisou a proposta de OE 2025. Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP e responsável pela DRA, contactado pelo “DA”, disse que, numa “primeira análise, a nossa conclusão foi clara: tal como o anterior governo PS, também o Governo PSD/CDS demonstra uma total falta de vontade política em enfrentar seriamente os problemas da região, designadamente, em concretizar as infraestruturas indispensáveis para a melhoria da qualidade de vida e para a promoção do seu desenvolvimento. Podemos mesmo dizer que a proposta de Orçamento do Estado para 2025 ignora o Alentejo”.
O dirigente comunista refere, com ironia, que “se fizéssemos uma compilação de declarações de responsáveis políticos regionais ligados ao PS e ao PSD, ou de governantes que visitaram a região nos últimos meses, poderíamos ser levados a pensar que desta é que era, e que o orçamento ia-nos trazer boas novidades. Mas o que sobrou em propaganda e anúncios falta em concretização”.
E exemplifica: “Falou-se muito [da ampliação do hospital] que ia ser agora que ia ser concretizado, mas o que consta do relatório do OE” é apenas que “o Governo em 2025 adota as diligências necessárias para assegurar os procedimentos para a construção e equipamento de infraestruturas hospitalares”.
“Ou seja, uma mão cheia de nada. Estamos no domínio das ‘diligências’, não há conclusão do projeto e verbas inscritas no OE 2025 não as conseguimos encontrar, isto para não falar da inexistência de medidas e verbas para suprir a falta de médicos ou para melhorias nos centros de saúde”, concretiza Ângelo Alves.
Quanto à rodovia, “as falhas são imensas”, diz, apontando, “desde logo, a inexistência de verbas para recuperar a rede viária, designadamente, no distrito de Beja. Tanta propaganda em torno do IP8 e o que temos neste momento? A construção das variantes a Beringel e a Ferreira, e pouco mais”, pergunta e responde, reafirmando a posição do PCP que defende “o IP8 com duas faixas em cada sentido, entre Sines e Vila Verde de Ficalho”.
“Muita parra e pouca uva” é assim que o dirigente do PCP se refere quando fala da ferrovia. “Muito se tem falado da eletrificação da linha ferroviária entre Casa Branca e Beja, até pela boca do secretário de Estado das Infraestruturas”, mas no OE “não há qualquer referência no relatório que acompanha a proposta”, assinala. “A única medida conhecida até agora é a decisão, confirmada pelo presidente da CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional], de abertura de um aviso no âmbito do Alentejo 2030 para que a Infraestruturas de Portugal se possa candidatar ao financiamento comunitário. Ou seja, falar de ‘breve início das obras’ ou é ingenuidade ou é engodo”. Quanto à ligação entre Beja e Funcheira ou ao ramal para o aeroporto “aí as nuvens são ainda mais densas, não se conseguindo vislumbrar nenhum investimento no imediato”, diz.
O aeroporto é outro motivo de preocupação. O PCP considera que “tem condições para se afirmar como um aeroporto complementar ao novo aeroporto de Lisboa”, mas, “da parte do Governo nem uma vírgula quanto a investimentos que seriam fundamentais para a [sua] valorização”. E acusa o secretário de Estado de ter vindo a Beja “afirmar a importância militar da BA11 para aí se escudar da ausência de decisões e, sobretudo, de vontade em afrontar os interesses da concessionária ANA que não quer ouvir nem falar em investimentos no aeroporto de Beja”.
“Bom senso” David Simão, presidente da Associação Empresarial do Baixo Alentejo Litoral (Nerbe/Aebal), congratula-se com [a provável] “aprovação do OE 2025, pois o País precisa deste instrumento de orientação macroeconómica e financeira, uma vez que existira um sentimento generalizado de que era necessário a viabilização deste orçamento para impedir que o País caísse num cenário de crise política, constatando-se assim que prevaleceu o bom senso e o sentido de estado, ficando o País capacitado para prosseguir com a consolidação orçamental, executar o PRR, aliviar a carga fiscal, melhorar salários, preservar as funções sociais do Estado, reduzir assimetrias e continuar a convergir com a Europa, entre outros importantes desafios que o futuro próximo nos trará”.
No entanto, o dirigente associativo diz que, “apesar da nota positiva, devemos agora, em sede de discussão da especialidade, aperfeiçoar este documento, pois é necessário implementar medidas robustas que aumentem a capacidade produtiva, modernizem o tecido empresarial e fortaleçam a competitividade da economia portuguesa”.
Defende, portanto, “medidas como a revisão dos escalões de IRS, de forma a que os aumentos dos salários sejam repercutidos no ganho mensal das famílias; a descida de impostos para as empresas promovendo o crescimento económico e aumentando assim a capacidade de investimento público/ /privada do País; a viabilização do investimento na desburocratização do Estado, nomeadamente, no licenciamento de novos negócios e investimentos e a realização de investimentos nas infraestruturas que tanto fazem falta para a coesão territorial”, o que considera ser “primordial”.
“Muito pouco” No que diz respeito à área da Cultura, António Revez, diretor artístico do grupo de teatro Lendias d’Encantar e do Festival Internacional de Teatro do Alentejo (FITA), não vê nesta proposta “alterações significativas que dignifiquem o setor cultural” e, assim, continua “muito longe o desejado um por cento do OE para a Cultura”.
Para o também ator, “a ausência de uma verdadeira política pública para o setor da cultura e das artes performativas” é “preocupante”, uma vez que a aposta do Governo “parece ser numa maior colaboração com fundações de direito privado”.
Para a região, António Revez não espera “alterações significativas com o OE apresentado”. “Continuamos sem medidas que contrariem o abandono e o despovoamento, nomeadamente, dos artistas, a região continua sem capacidade de fixar ou atrair novos criadores artísticos, as estruturas de criação sem meios para aumentar as suas equipas. Esperamos mais do mesmo, muito pouco”, conclui.
“Água” Rui Garrido, presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul e da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo, gostaria que o OE 2025 apresentasse sugestões para ajudar a minimizar o défice hídrico na região. “Isso passa por apoiar a construção de novas pequenas represas no território” e equacionar “o transvase do Tejo para sul, que ganha cada vez mais adeptos e também precisa de financiamento”. Uma situação urgente, “uma vez que a água do Alqueva não é infinita e vai ser disponibilizada aos espanhóis e ao Algarve”, diz.
Quanto às políticas destinadas à floresta, Rui Garrido diz que é uma preocupação antiga e que no passado, na região, “as ajudas foram zero. O que não se compreende, uma vez que o montado necessita urgentemente de ser revitalizado”.
“Transferência de competências” António Bota, presidente da Câmara Municipal de Almodôvar e do conselho intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), recorda que nos últimos anos “foram feitas transferências de competências para as autarquias e que, ainda agora, as verbas atribuídas ficam aquém do necessário”, para cumprir as tarefas.
A título de exemplo refere o caso da sua autarquia, onde o défice na área da Educação “ascende a cerca de 250 mil euros por ano, existindo municípios com valores mais elevados”, uma vez que “as despesas com a manutenção dos edifícios, muitos deles recebidos em más condições de conservação e muito antigos, exigem despesas regulares impossíveis de prever e, como tal, difíceis de contabilizar”.
Acresce que, “em maio de 2024, os funcionários foram aumentados, com retroativos a janeiro. Até hoje ainda não fomos ressarcidos desse gasto e já se prevê um novo aumento em janeiro de 2025”, com a inerente “subida dos custos associados para a segurança social, seguros e horas extras”. A concluir, o autarca de Almodôvar diz “não ser justo que sejam os municípios a suportar as despesas em áreas que eram da competência do Estado central”, coisa que este OE não resolve.
“Pouco amigo das autarquias” João Efigénio Palma, presidente da Câmara Municipal de Serpa, resume da seguinte forma a sua opinião sobre o OE 2025: “Em síntese, poderei dizer que este orçamento está muito distante de ser um orçamento amigo das autarquias locais e amigo da região”.
Para este autarca, “há dois aspetos que são essenciais na análise do Orçamento do Estado: a forma como são tratadas as autarquias locais e a forma como é tratada a região. Quanto às autarquias locais, estamos perante um orçamento de ‘serviços mínimos’ que até cumpre no essencial quanto ao volume de verbas na participação dos impostos do Estado, mas que fica muito aquém no âmbito do Fundo de Financiamento da Descentralização, o que provoca impactos negativos nas finanças da autarquia, sabendo-se que com as novas competências gastamos muito mais do que recebemos (com destaque para a Educação) e, continuando adiada a aprovação de uma nova lei das finanças locais, impunha-se um reforço geral de verbas, continuando ausentes instrumentos de financiamento que seriam muito importantes, como por exemplo uma linha de apoio à reabilitação de estradas e caminhos municipais”.
Quanto à região, “falta clareza no que se refere aos investimentos necessários e que têm vindo a ser reivindicados, não se identificando verbas para a ampliação do hospital distrital de Beja, ignorando-se a necessidade da reversão do hospital de São Paulo para a esfera pública, a falta de verbas para que o IP8 possa ser uma realidade em toda a sua extensão entre Sines e Vila Verde de Ficalho, bem como verbas para a requalificação geral das estradas. Por outro lado, a modernização das linhas ferroviárias e o aproveitamento do aeroporto de Beja passam igualmente ao lado deste orçamento. Tenho alguma esperança de que em sede de especialidade possam ser apresentadas propostas que deem expressão concreta às necessidades da região. Caso contrário resta-nos continuar a lutar pela sua concretização”.