A EDIA, em parceria com o IPBeja, levou a cabo a primeira Jornada de Reflexão sobre Migrantes, com o objetivo de debater os desafios e oportunidades referentes ao fenómeno da migração laboral associada à procura de mão de obra, especialmente, sazonal e indiferenciada.
Texto | Nélia PedrosaFoto | Ricardo Zambujo
O presidente da Câmara Municipal do Fundão, cidade que é considerada um exemplo nacional e internacional no acolhimento de imigrantes, defendeu na quarta-feira que a questão das migrações é a “última das grandes oportunidades para que os territórios do interior do País possam ser sustentáveis em todas as dimensões”.
Paulo Fernandes, através de um testemunho em vídeo apresentado no decorrer do painel “Os novos desafios territoriais na integração de migrantes”, no âmbito da Jornada de Reflexão sobre Migrantes, promovida, em Beja, pela Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturados do Alqueva (EDIA), em parceria com o Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), afirmou que o País “não tem alternativa” perante “este inverno demográfico que nos trouxe aqui”, perante “perdas de população brutais em zonas como o Centro interior ou o Alentejo interior”. Por isso, adiantou, “é impossível” conseguir resolver este problema “de décadas e décadas de perda de população ativa sem a entrada de imigrantes das mais diferentes zonas do mundo”.
“Sem esses imigrantes não há economia que resista. Não há serviço de proximidade, serviços de apoio sociais, turismo, agricultura, construção civil que resistam. É, de facto, hoje, absolutamente imprescindível que a questão da imigração [seja entendida] como um dos grandes fatores de criação de valor, de criação de emprego, também de criação de sustentabilidade para a segurança social, ou seja, é absolutamente imprescindível”, reforçou.
O autarca sublinhou, ainda, que a questão das migrações “obriga, também, a uma atuação muito grande a nível local”, pelo que, no caso concreto do Fundão, o município “não se ficou pelas suas competências tradicionais”. “A forma como olhamos para as nossas competências tem de ser ajustado ao nosso contexto, àquilo que são as nossas circunstâncias do século XXI. Nós, municípios, temos de estar também na linha da frente deste processo, porque este processo não é um problema, é a nossa grande oportunidade para alterar estruturalmente aquele que é, esse, sim, o maior dos problemas, que é o desafio demográfico que temos à nossa frente”.
A cooperativa Residencia de Trabajadores Temporeros Tariquejo SCA, no município espanhol de Cartaya, na província de Huelva, foi outro dos exemplos de boas práticas de integração apresentadas. De acordo com o gerente da residência, Mário Sanchez, mediante as necessidades de mão de obra identificadas na região pelos empresários e pelas estruturas públicas, a cooperativa, que é financiada maioritariamente por empresários agrícolas, “vai contratar [imigrantes] na origem”. Findo o trabalho agrícola temporário, os trabalhadores regressam aos seus países. O gerente realçou, ainda, que a cooperativa, que é a única “com esta índole na província de Huelva”, promove formação direcionada às empresas “para que se consciencializem de que os imigrantes também são pessoas” e disponibiliza, na residência, “mediadores que dialogam com os trabalhadores na sua língua”.
A contratação na origem, em países como Colômbia ou Venezuela, acrescentou, por sua vez, Carolina Silvestre Ferreira, membro da Fundação Vale da Rosa, foi precisamente a solução encontrada pela empresa sediada em Ferreira do Alentejo para resolver o problema da escassez de mão de obra. “Investimos muitos recursos próprios para ir buscar estas pessoas”, adiantou a responsável, acrescentando, no entanto, que a ideia “é que estas pessoas se fixem na região e que depois tragam a família”. “Fizemos um esforço muito grande de recrutamento de trabalhadores nacionais, e ainda conseguimos para algumas tarefas, mas para a colheita, sobretudo, era difícil. E a disponibilidade também é muito pouca para horas extra, fins de semana, e nós temos de dar resposta aos nossos clientes”, afirmou, sublinhando que “os empresários têm de se sentir responsáveis por estas pessoas”.
A jornada contou ainda com as intervenções de Ricardo Reis, diretor do Centro de Sondagens da Universidade Católica, e de Javier Pérez, subdiretor da Fundação Cepaim (Espanha).
“O que nos preocupa é o território” No decorrer da jornada, a anteceder o painel, teve lugar uma sessão interativa de auscultação das cerca de seis dezenas de participantes, que pretendeu “identificar constrangimentos, perspetivas, experiências e soluções relacionadas com a resposta às necessidades existentes de mão de obra e às implicações relacionadas com o fluxo de migrantes para as comunidades locais”. Segundo adiantou o presidente da EDIA ao “Diário do Alentejo”, o objetivo “é produzir um documento, que seja a ata deste encontro, e abrir a discussão”. Olhando, no entanto, para os resultados preliminares da auscultação, José Pedro Salema realçou que “há muita gente que diz a mesma coisa e, portanto, se há muita gente – desde o setor social ao setor público e ao setor privado – que está de acordo em que deve haver uma coordenação entre estas entidades, que deve haver mais fiscalização na entrada [dos imigrantes] e que deve haver mais exigência ao nível das condições de habitação, etc., por que é que não o fazemos?”.
Frisando ainda que a EDIA, “formalmente, não tem qualquer responsabilidade no tema da migração”, o responsável salientou, porém, que a empresa pretende “participar, estimular a discussão e encontrar as melhores respostas para o território”. “O que nos preocupa é o território. As pessoas, às vezes, associam a EDIA a quem vende a água à agricultura. É verdade, mas não é só isso. Nós estamos preocupados com o desenvolvimento da região, por isso é que estamos a promover esta discussão”.
Habitação sobrelotadasem “legislação enquadradora”Os 11 inspetores, sete técnicos superiores e três administrativos que integram o quadro da ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho de Beja “são manifestamente poucos” para a sua área de jurisdição, que engloba os 18 concelhos do Baixo Alentejo, admitiu a diretora da estrutura, Sofia Pereira, outra das intervenientes na jornada. “Tínhamos os 14 concelhos do distrito de Beja e acrescentámos os quatro do litoral – Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines. E estes quatro, somados, têm quase tantos trabalhadores como o resto do distrito”. A responsável sublinhou, ainda, que, relativamente ao fenómeno da imigração irregular, a habitação é uma das questões mais problemáticas, nomeadamente, “a sobrelotação”, no entanto, “não há legislação enquadradora para estas situações”. “É fácil dizer que as entidades não fiscalizam, que isto está aos olhos de toda a gente e ninguém faz nada, mas o que é facto é que não há legislação para, por exemplo, alojamento coletivo de trabalhadores em espaço urbano. Temos alguma intervenção no caso das habitações inseridas dentro das explorações agrícolas, e mesmo assim a legislação é parca nesse sentido”.