Diário do Alentejo

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27 de outubro 2024 - 08:00
Pedro do Carmo e João Dias. Dois ex-deputados que deixaram o parlamento, mas que continuam com a política à flor da pele

Foram anos dedicados exclusivamente à política, como deputados. Há cerca de sete meses, a 10 de março, apurados que foram os votos do círculo eleitoral de Beja nas eleições legislativas antecipadas, Pedro do Carmo (PS) e João Dias (PCP) ficaram a saber que no início desta legislatura já não teriam assento no hemiciclo de São Bento. Como se diz no meio político, era o “regresso à base”. Respetivamente, ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, em Ourique, e ao Centro de Saúde de Beja. Estão, digamos assim, na retaguarda, mas continuam atentos à vida política e a participar em outros fóruns, nomeadamente, nas assembleias municipais dos seus concelhos. O “Diário do Alentejo” falou com os dois antigos deputados para tentar perceber como é voltar a casa e se existe alguma nostalgia da vida parlamentar.

 

Texto Aníbal Fernandes

Fotos Ricardo Zambujo

 

Há pessoas, profissionais das mais diversas áreas que, não sendo políticos a tempo inteiro, desde muito novos dedicaram parte importante do seu tempo à atividade política, quer na escola, nos sindicatos, nas autarquias, em associações da sociedade civil e, até, no parlamento nacional.

É o caso dos dois protagonistas com quem falámos: Pedro do Carmo (PS) e João Dias (PCP). O primeiro, licenciado em Direito, assumiu, em 1996, o cargo de diretor do Centro de Emprego de Ourique durante três anos, tendo transitado, de seguida, e por igual período de tempo, para Beja, para o Centro de Emprego e Formação Profissional, até 2002.

O segundo, hoje com 51 anos, é licenciado em Enfermagem com uma pós-licenciatura em Enfermagem de Reabilitação e pós-graduação em Tratamento de Feridas e Viabilidade Tecidular, e exerceu a sua profissão durante duas décadas na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, em Beja, onde coordenava a Comissão de Prevenção e Tratamento de Feridas.

Paralelamente, era consultor da Ordem dos Enfermeiros e da Direção-Geral de Saúde e lecionou nas universidades de Évora e Coimbra e na Escola Superior de Enfermagem São José de Cluny, entre outras colaborações.

Pedro do Carmo, em 2005, envolveu-se, exclusivamente, na atividade política, tendo sido chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Barrancos até ter conquistado a autarquia de Ourique para os socialistas e assumido o cargo de presidente, de onde só saiu para São Bento, onde permaneceu durante três mandatos, da XIII à XV legislaturas, chegando a presidir à Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas. No Partido Socialista, foi presidente da Federação do Baixo Alentejo, também, durante três mandatos.

João Dias, militante do Partido Comunista Português desde 1996, integrou a concelhia do seu partido, foi eleito para Assembleia Municipal de Beja e, em 2018, foi de armas e bagagens para a Assembleia da República, onde substituiu o seu camarada João Ramos, que renunciou ao mandato por motivos pessoais.

Também participou na Comissão de Agricultura e Mar, na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à atuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior e foi membro suplente na Comissão de Assuntos Europeus, na Comissão de Saúde, tendo integrado o Grupo de Trabalho dedicado à Valorização de Produtos Agroalimentares em Portugal.

 

Regressar à base

 

Há sete meses, depois dos votos contados, e da constatação da sua não reeleição pelo círculo eleitoral de Beja, os dois deputados regressaram à base.

“Regressei ao Instituto de Em-prego e Formação Profissional, casa onde desempenhava atividade profissional antes de aceitar desafios políticos para o desempenho de funções públicas”, conta Pedro do Carmo. No entanto, não será por muito tempo.

O ex-deputado socialista revelou ao “Diário do Alentejo” que “em breve, através de uma licença sem vencimento”, assumirá funções numa empresa privada “que quer valorizar o [seu] conhecimento, experiência política e sentido de definição de estratégias para a concretização de determinados fins positivos”.

Quanto ao desafio que foi regressar à casa de partida, Pedro do Carmo diz que foi “facilitado pela noção nunca perdida de que o exercício político é efémero, transitório e instável, também pouco dado a reconhecimento pelo que se faz em defesa das pessoas e dos territórios. Quem está na política nunca deve perder o contacto e a noção da realidade, até das coisas mais simples que compõem as rotinas diárias de qualquer cidadão”.

Também João Dias encarou esta mudança de forma “natural”. “O fim da tarefa como deputado traduziu-se no regresso ao meu posto de trabalho no Centro de Saúde de Beja, mais concretamente, na Unidade de Cuidados na Comunidade de Beja. Um regresso que encarei com muita satisfação por voltar ao exercício da profissão de enfermeiro à qual tenho um enorme orgulho e prazer em exercer”. Quanto o regresso ao ensino superior, como professor, “é uma possibilidade em aberto”.

No entanto, confessa que “estaria a mentir” se dissesse que não sente falta “da participação em tão relevante cargo, ainda para mais tendo o distrito de Beja perdido o [único] deputado do PCP [e] como consequência a perda de uma das poucas vozes que defendia e lutava por um distrito tão abandonado. Podemos chamar nostalgia, contudo eu prefiro falar numa saudade que tem uma razão de existir que é a luta por melhores condições de vida no nosso distrito, no nosso país, por um mundo melhor, mais justo e mais solidário”.

Deputado durante seis anos, o militante do PCP diz ser “impossível não ter saudade quando se exerce um cargo com gosto e tanto empenho” e o dia-a-dia é “tão preenchido do ponto de vista do trabalho institucional, onde exerci cargos de grande relevância como os de ser vice-presidente da Comissão de Saúde e vice-presidente da Comissão de Agricultura, representações internacionais, os debates parlamentares onde não perdia a oportunidade para falar de Beja, mas, principalmente, fica a saudade do contato permanente de ligação às populações e aos nossos territórios para, a partir desse contacto, agarrar nas dificuldades e problemas encontrados e lutar pela sua resolução na Assembleia da República”.

 

Olhar de fora

 

Os últimos meses têm sido fartos de polémicas e discussões, fruto de uma composição parlamentar em que não existem maiorias óbvias e o Governo é minoritário.

Pedro do Carmo vê com “preocupação” a falta “de capacidade para dialogar, gerar compromissos e focar nos problemas e desafios colocados aos portugueses e ao país. Há muitos problemas estruturais que, pela falta de recursos, nunca poderão ser resolvidos apenas por um governo de turno em funções. Além das diferenças partidárias, é preciso convergência, sustentabilidade e previsibilidade na concretização de respostas para as pessoas e os territórios como o do Baixo Alentejo”, explica.

Em relação ao Orçamento do Estado 2025, o socialista considera que “o País precisa de mínimos de estabilidade”, e que a proposta do PSD “apresenta muitas soluções apenas possíveis pela boa gestão das contas do governo PS e outras que prosseguem opções anteriores. Por exemplo, a proposta de orçamento cumpre a legislação autárquica, o que implica mais recursos financeiros para o Poder Local. Vinha de trás e mantém-se. Há projetos e investimentos anunciados agora que foram trabalhados anteriormente, por exemplo, no hospital de Beja. Até se poder fazer, as coisas não caem do céu ou nascem de geração espontânea em seis meses. É por isso que, tendo havido eleições recentemente e não sendo previsível que novas eleições tragam um quadro de representação muito diferente, a abstenção é a posição adequada a pensar no país, tendo o PS outras prioridades e opções”.

Já João Dias sente que o atual cenário parlamentar “agravou o sistema de interesses que vivem à custa da promiscuidade, que favorece os que já têm muito. Continuam-se a alimentar polémicas e casos e à boleia disso vai-se desviando a atenção dos problemas do País passando assim uma esponja sobre problemas como os baixos salários e pensões, a falta de acesso à saúde e o direito à habitação. Discordo da ideia de que o parlamento não tem uma maioria estável, uma vez que na atual correlação de forças do parlamento é muito estável a maioria dos que defendem políticas que agravam as condições de vida das pessoas e tenho a certeza que veremos isso na aprovação do Orçamento do Estado. Veremos que não faltará uma maioria estável que impedirá a aprovação das medidas positivas para a vida de quem trabalha, para a melhoria dos serviços públicos, para o combate à pobreza, e, em concreto, quando surgirem medidas para o nosso distrito, veremos que há uma maioria estável para as rejeitar”, prevê.

“Só por isto já dá para perceber que o orçamento é ruim para quem mais precisa dele. Mas, ele é igualmente ruim porque não contém nenhuma resposta à necessidade de investimento nos projetos estruturantes do nosso distrito, como seja o caso da ampliação do hospital de Beja, a conclusão do IP8 ou mesmo a eletrificação e modernização da linha do Alentejo entre Casa Branca- -Beja-Funcheira, com a ligação ao aeroporto, este também deixado fora do orçamento. Ou seja, este orçamento, como muitos dos anteriores, fica-se por promessas quanto aos projetos fundamentais. O que surge é apenas ‘o Governo em 2025 adota as diligências necessárias para assegurar os procedimentos…’. Essa música já nós conhecemos, as verbas necessárias para a sua concretização, nem vê-las”, conclui.

 

Nunca dizer nunca

 

Por agora, Pedro do Carmo – que na última reunião magna do PS foi presidente da Comissão Organizadora do Congresso, diz manter “uma grande proximidade aos militantes e às estruturas do PS, aos autarcas de que faço parte como presidente da Assembleia Municipal de Ourique e membro dos órgãos da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e à realidade local, regional e nacional. Não estou a tempo inteiro, mas estou de corpo inteiro na defesa daquilo em que acredito e, desde logo, no potencial do mundo rural”.

Mas, confessa, teve “muito orgulho e gosto no desempenho de funções em representação do Baixo Alentejo e como presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura” e continuam-lhe a chegar “diversas mensagens de reconhecimento e saudade de instituições, dirigentes e cidadãos do registo e do trabalho desse tempo”. O regresso às funções de deputado “não é uma questão de disponibilidade, mas de oportunidade. Quem esteve e gosta da intervenção cívica e política nunca pode dizer nunca”.

Por seu lado, João Dias, mantém a sua participação partidária nos organismos do partido para os quais havia sido eleito, nomeadamente, no executivo da Direção da Organização Regional de Beja (Dorbe) do PCP. 

Quanto à sua disponibilidade para voltar a São Bento, sente que ainda tem muito para dar no que diz respeito à sua participação política. No entanto, “o crescimento, os conhecimentos e a experiência que a vida parlamentar me deu, podem, naturalmente, ser aproveitados para outros cargos que sirvam a nossa gente e a nossa região. Considero até que seria um desperdício ficar sem intervenção política. Quero ser útil e ajudar o meu povo, a minha terra, com toda a certeza integrado no projeto coletivo do meu partido, o PCP”.

 

O dia-a-dia no Parlamento

 

Nem de propósito. Estreou na passada terça-feira, no âmbito do festival Doclisboa, no cinema São Jorge, em Lisboa, o mais recente trabalho do realizador Rui Pires, “O Palácio dos Cidadãos”. Trata-se de um documentário rodado no último ano da pandemia e que “promete contrariar a presunção de que os cidadãos não participam na vida política e permite aos deputados fazerem uma auto-reflexão sobre como é que respondem (ou não) aos anseios da sociedade”, escreveu a crítica de cinema do “Público” nesta semana. De facto, para os menos atentos, a vida de um deputado pode não passar da sua presença no hemiciclo, mas é muito mais do que isso. Para Pedro do Carmo, pode-se ir dos “oito ao 80”. O ex-deputado do PS procurou “estar sempre ao nível mais intenso, mantendo uma grande proximidade [ao seu círculo], com vários deslocações entre Ourique e Lisboa, mesmo a meio da semana”. No seu caso, como presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura, era “obrigado” a muitas deslocações pelo País. Mas a rotina dos parlamentares pode-se resumir assim: à segunda-feira, contacto com o eleitorado; terça e quarta-feira de manhã, reuniões das comissões parlamentares que participam no processo legislativo, receção de instituições e fiscalização do Governo; à tarde, trabalho no plenário; quinta e sexta-feira de manhã, mais trabalho no hemiciclo. À tarde e no fim de semana, regresso à base.

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