Dias e noites de preocupação, ansiedade e desespero. É desta forma que os produtores de melão e melancia no concelho de Ferreira do Alentejo têm vivido desde que a campanha arrancou no início de junho. Em causa estão os furtos constantes às suas explorações e, com eles, os prejuízos financeiros e materiais que acarretam. No último Conselho Municipal de Segurança da Câmara de Ferreira do Alentejo, no passado dia 17, pediram mais patrulhamento da GNR e fiscalização da ASAE, assim como medidas penosas e consistentes para quem comete estes delitos.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
“É de manhã à noite. Ontem estive na festa de anos do meu neto, mas estive sempre a pensar nisto e esta manhã quando vinha para aqui estava com aquela ansiedade para ver se já cá tinham vindo”. É com este sentimento de inquietação que António Lança, produtor de melão e melancia, descreve ao “Diário do Alentejo” o clima que, no último mês, se tem sentido nos campos agrícolas de Ferreira do Alentejo.
A situação de furtos de produtos nas explorações não é novidade. “Todos os anos” os produtores debatem-se com este cenário na campanha que começa no início de junho e termina no fim de setembro.
“Tudo o que está aqui apanhei sozinho. Se chegarem aqui dois ou três indivíduos rapidamente carregam 1000 ou 2000 quilos de fruta. Se tiverem de apanhar, num quarto de hora têm 500, 600 ou 1000 quilos de melancia ou melão no carro”, admite.
A alguns quilómetros do seu terreno, também Rafael Neves, produtor e prestador de serviços agrícolas, conta que só nesta campanha já teve “três tentativas de furto”, que acabaram por não se consumar porque chegou à sua plantação ao mesmo tempo que os infratores.
“Quando cheguei as pessoas não tinham nada e perguntaram-me logo se queria ver a carrinha, mas eu não quis ver carrinha nenhuma, porque se tivessem alguma coisa não me diziam para ver. É gente que está dentro de terrenos privados e que foi descoberta, não por eu estar a vigiar, mas por coincidência”, relata.
De uma forma geral, revelam os produtores, apesar de estarem “sujeitos aos valores do mercado”, num furto de 1000 quilos de melão ou melancia “se [os infratores] forem para a rua vender a 0,70 ou 0,80 cêntimos” o quilo, o que representa metade do valor do mercado, “são 600 ou 800 euros” que têm de lucro, “sem despesas nenhumas”, adianta António Lança.
“Já temos um mercado negro paralelo. Muitas vezes nós dizemos que as pessoas roubam para andarem vendendo porta a porta, mas nem é isso. Se houver um grupo que rouba dois ou três dias seguidos e que consiga grandes cargas, muitas vezes estão feitos com compradores que vêm buscar três ou quatro toneladas durante a madrugada, ou seja, a fruta nem chega a ser vendida na zona onde foi roubada”, afirma Rafael Neves, de 35 anos.
Os presumíveis autores dos furtos também não são desconhecidos e, muito menos, novidade. Segundo os produtores, “90 a 95 por cento são praticados pela comunidade cigana”, existindo, atualmente, uma mudança de paradigma.
“Inicialmente roubava-se em casal ou [vinha só] uma pessoa, mas agora quem tem vindo roubar traz grupos com três ou quatro pessoas e crianças de colo. Além de levarem uma maior quantidade, se encontrarem um produtor sozinho no campo há o risco de haver confrontos e alguma desgraça”, elucida Rafael Neves.
“Há um outro problema que é a saúde pública”
Para os produtores o que está em causa não é somente o ato de furtar, até porque “a quantidade de fruta que se estraga nas lavras não dá para negar uma peça a quem quer que seja”, o problema está na quantidade que é levada e nos estragos que são feitos.
“Todos nós já vimos uma pessoa descer do carro, colher um melão com a faca, montar-se no carro e abalar. Qual é o prejuízo que isto nos traz? Agora o que acontece nestes casos mais problemáticos é que arrancam a fruta com a mãe [planta principal da cultura], estragam os sistemas de rega, porque passam com os carros por cima, roubam o máximo de quantidade que conseguem e vendem-na”, critica. E acrescenta: “É uma coisa incontornável”.
Para António Lança, de 65 anos, há ainda outra situação “muito gravosa e perigosa”. “Nós fazemos tratamentos. Esta é uma cultura em que temos de fazer tratamentos, quer se queira, quer não, e pôr alguns pesticidas por causa dos insetos e das pragas. Nós estamos sujeitos a mil e uma fiscalizações, e ainda bem que é assim, e só aplicamos o que é o indicado para aquela cultura, mas isso não invalida que não faça mal às pessoas se for consumida imediatamente depois de uma desinfeção, [porque] tem de ter um intervalo de segurança, que pode ser de três, quatro, cinco ou seis dias, dependendo do produto que se aplica”, adverte.
A mesmo opinião é partilhada pelo colega Rafael Neves. “Por exemplo, o melão já se come, mas tem um fugo. Então hoje vou dar-lhe tratamento e na próxima semana vou colhe-lo, ou seja, a fruta já está comestível, mas ainda está a respeitar o intervalo de segurança que nós aplicamos. Mesmo a minha mulher não vai lá apanhar uma fruta sem que eu lhe diga qual é, porque ela não sabe qual foi o melão que fui tratar”. E acrescenta: “Só nós sabemos quais são os setores que estão prontos e quais não estão”.
Para os agricultores, os clientes que compram a fruta a não produtores ou em sítios não autorizados para venda, por ser mais barata, têm “mea culpa” neste processo, uma vez que “quando não há mercado as pessoas não roubam”.
“Às vezes as pessoas comem um fruto e dizem que tem muito potássio porque ficam mal da barriga, mas não, o problema é que compram esses produtos a essa gente [que furta] e depois acontecem essas situações”, reconhece António Lança.
“Por isso é que continuam, o crime compensa”
Segundo Rafael Neves, esta situação que “todos os anos” acontece não é “levado a sério” e, por isso, “não traz grandes consequências” a quem pratica este crime.
No último Conselho Municipal de Segurança da Câmara de Ferreira do Alentejo, que decorreu no passado dia 17, o agricultor, enquanto porta-voz do grupo, sugeriu que as medidas aplicadas a quem furta sejam penosas e consistentes para que as possíveis consequências sejam dissuasoras.
“Por exemplo, os carros que fossem apanhados em furtos eram automaticamente apreendidos e abatidos. Assim, as pessoas começavam a pensar melhor se valeria a pena, por 150 quilos de melão, ficar sem carro. [Assim como] obrigar a pagar a fruta ao preço de venda para o mercado e comunicar à segurança social os indivíduos que praticam estes furtos e, caso tenham, os subsídios serem cortados”, resume.
Outra crítica apontada por Rafael Neves é a questão dos produtores serem contactos para ir buscar a fruta que é apreendida pela GNR proveniente de furtos anteriores. Segundo o produtor, “ninguém quer fruta apanhada por ninguém”, uma vez que não se sabe em que circunstâncias é que o produto estava antes de ser colhido e em que condições esteve até então.
“Uma coisa é quando roubam um carro e no outro dia é encontrado, ou seja, se o carro está em condições é entregue à pessoa, agora a fruta não dá. Para que é que nós queremos essa fruta mal apanhada? Mas isso é uma coisa que tem que ver com a justiça”, questiona.
Ainda assim, ambos reconhecem que desde que decorreu a reunião intensificaram-se os patrulhamentos da GNR junto das explorações, assim como a denúncia de vendedores com produtos furtados.
“Reunimo-nos há poucos dias com a câmara e com a GNR – no ano passado também o fizemos – e tem dado alguns frutos, [porque] abrandou um bocado a questão dos roubos. Agora, as patrulhas da GNR também estão a fazer efeito, porque a GNR já passa mais vezes pelos campos”, diz António Lança.
Rafael Neves admite também, ao “DA”, que a proposta de georreferenciação das explorações – muitas delas dispersas no território e isoladas da população ou distantes da estrada – à GNR será crucial.
“No próximo ano, por exemplo, conforme [os produtores] vão tendo a certeza que vão instalar uma lavra naquele sítio vão à GNR e fazem a sua georreferenciação para facilitar o trabalho das patrulhas, porque, no meu caso, para chegarem até mim [numa situação de emergência] tinha de deixar os autores [do furto] presos a uma corda para ir buscar a GNR à estrada”, explica.
Em declarações ao “DA”, o presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, Luís Pita Ameixa, confirma, ainda, que da reunião resultou também o envio de uma “comunicação” ao ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Fernandes, para “chamar a atenção para este problema”, e à ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, para pedir uma fiscalização “mais robusta” e semelhante à que acontece na campanha da azeitona.
“Na altura da azeitona, que é no inverno, há o programa ‘Azeitona Segura’, que tem funcionado de algum modo, e agora há menos esse tipo de atividade de segurança, por isso, seria um exemplo do que poderia ser aplicado durante esta época”, reforça.
Paralelamente, o autarca admite que foi ainda feita “uma publicação” à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) “por causa do comércio” para controlar e fiscalizar “os produtos que são furtados” e, por isso, “sem documentação” e “por causa da saúde pública”.
Sem conseguir contabilizar o número atual de queixas efetivadas à GNR, não só por se estar a meio da campanha, mas também porque, na maioria das vezes, estas “não são formalizadas” por “receio de represálias”, Luís Pita Ameixa reconhece que esta é uma situação complicada e que pode escalar para outros patamares rapidamente.
“Isto cria alarme social e faz a comunidade [pensar] que há criminalidade. Depois isso também cria a possibilidade de haver confrontos, [porque] as pessoas estão nas suas explorações e descobrem lá outras pessoas a rondar... O que é indesejável”, conclui.