Devido “a dificuldades no fornecimento atempado de equipamentos necessários para o desenvolvimento” da obra na ponte do Vascão, a Infraestruturas de Portugal informou, recentemente, que a interdição da circulação rodoviária se irá manter até fim de setembro, adiando, assim, uma vez mais, a sua reabertura. População e comerciantes lamentam constrangimentos causados pelo encerramento, nomeadamente, a nível económico. Câmara de Mértola critica a “falta de planeamento global” em torno da obra e garante que, desde o início, “alertou para a importância estratégica desta ligação e para o impacto que o encerramento da ponte teria na mobilidade, na economia local e no quotidiano das populações”.
Texto | Nélia PedrosaFoto | Ricardo Zambujo
A manhã vai a meio e na localidade de Espírito Santo, sede de freguesia do concelho de Mértola, com exceção de uma ou outra carrinha da junta ou de trabalho agrícola, poucas são as viaturas que atravessam a Estrada Nacional 122 (EN122) que liga os distritos de Beja e Faro. É assim desde finais de setembro passado, quando a circulação automóvel na ponte do Vascão, na junção dos concelhos de Mértola e Alcoutim, foi interrompida para obras, sublinha Nelson Caldeira, de 44 anos, arrendatário há seis do snack-bar café Valadas, com portas abertas para a referida estrada nacional. “Esta é uma estrada em que havia sempre circulação de manhã à noite. Tinha muito movimento. Todo o tipo de pessoas. Camionistas, passeios de motorizadas, tudo. E agora chegamos a estar uma, duas horas sem ver aqui um carro. Só mesmo pessoas aqui da localidade. Ou então algumas que vêm enganadas durante o dia a perguntar a direção para ir para o Algarve, apesar de haver placas a indicar [o corte]. Mas não consomem. Trânsito… é mesmo pouco ou nada”.
Sublinhando que o desvio da EN122 para o Algarve, seguindo pela EN506 (junto a São Bartolomeu de Via Glória), EM507 (Giões) e, por fim, ER124, em direção a Pereiro e Alcoutim, “é feito antes de chegar a Espírito Santo [a cerca de 4,5 quilómetros]” e que quem faz o percurso inverso “sai [no desvio] depois de Espírito Santo”, assegura que é um dos “mais prejudicados” com toda esta situação. “E aqui eu estou, mesmo entalado”, reforça.O último dia de novembro de 2024 foi apontado, inicialmente, como a data para a reabertura da ponte do Vascão, encerrada para obras de “reabilitação e reforço estrutural”. Entretanto, o prazo foi adiado para 16 de maio, devido a dificuldades de fornecimentos de material. E, mais recentemente, citada pela “Lusa”, a Infraestruturas de Portugal (IP), empresa que gere a rede viária portuguesa, explicou que “devido a dificuldades no fornecimento atempado de equipamentos necessários para o desenvolvimento da obra” torna-se “imprescindível” manter a interdição da circulação rodoviária na ponte, ao quilómetro 72,816 da EN. Assim, “os desvios de tráfego criados, e que estão devidamente sinalizados, vão manter-se em vigor até ao dia 30 de setembro, altura a partir da qual se prevê a reposição total do trânsito no local”. A Infraestruturas de Portugal apela à “melhor compreensão” dos utilizadores da EN122 para “os eventuais transtornos” do atraso provocado pelas dificuldades de fornecimento de material verificadas.
Nelson Caldeira ainda não contabilizou os prejuízos decorrentes destes mais de oito meses de encerramento da ponte, mas não tem dúvidas de “que, no final, vai ser uma diferença boa”, em comparação com as receitas de anos anteriores. “Nota-se bem no dia a dia que se está a perder dinheiro. Este ano é para esquecer. Agora entramos no verão e era quando havia mais movimento, com as pessoas a deslocaram-se de férias para o Algarve. Ainda pensei que abrisse a meio do verão para ver se aproveitava aqui alguma coisinha… o verão é essencial [para o negócio]”.
Mas as queixas, e os prejuízos, sublinha o comerciante, estendem-se a todo o concelho. “As pessoas reclamam mesmo em Mértola. Porque há pessoas que depois optam por outras alternativas. E em vez de virem por aqui, já vão por outros lados. E o movimento torna-se menos. E temos pessoas [da freguesia de Espírito Santo] que trabalham aqui perto, em Alcoutim, em lares e coisas do género. E que todos os dias têm de dar a volta [pelo desvio]. Passando a ponte, se calhar em 10, 15 minutos estavam lá. Agora, talvez levem 40, porque têm de voltar para trás, fazer o desvio… mas as pessoas estão todas revoltadas. Não se admite… uma ponte tão pequenina”. A cerca de cinco quilómetros da sede de freguesia, para sul, encontra-se Sedas, uma das duas localidades do concelho de Mértola mais próximas da ponte do Vascão. Atualmente viverão no monte, de forma mais permanente, contabiliza Arminda Martins, de 78 anos, “umas 14 ou 15 pessoas”, todas já na terceira idade – “As pessoas novas que viviam aqui foram-se embora porque não havia trabalho”, justifica. A grande maioria, à sua semelhança, regressaram à terra natal depois da reforma, após uma vida a trabalhar, principalmente, nas imediações da capital. Há uns oito anos, desde que passou a alternar temporadas entre Sedas e o Laranjeiro (concelho de Almada), criou o hábito semanal de ir às compras a Vila Real de Santo António com o marido, porque “Mértola não tinha um supermercado em condições – agora é que tem”. Afinal, frisa, “são só 50 quilómetros”. “Eram”, apressa-se a dizer. Pela via alternativa “são mais uns quantos quilómetros, porque tem de se voltar para trás [até ao desvio]”, já para “não falar no estado de parte da estrada, que, para além de estreitinha, não tem bermas ”.
“Ir à volta são mais uns 30 quilómetros para um lado e 30 para outro. É muito. Agora não vale a pena. O que se poupava nas compras gastava-se nos combustíveis”, assegura.
Para além disso, “agora vem o verão, todos nós temos filhos e netos e eles costumavam vir para aqui passar as férias porque até à praia de Monte Gordo é um saltinho, levava-se mais ou menos meia hora. Agora leva-se uma hora. Já não vão vir para fazer praia”.
Frisando que “há comerciantes aqui em redor, como cafés, à beira da estrada, que têm perdido muito [com o encerramento da ponte]”, Arminda Martins considera que os reiterados atrasos na conclusão das obras “são uma falta de consideração para com as pessoas que cá vivem”. “Pensaram assim: ‘Ah, aquilo está ali nos confins do inferno e eles não saem de lá, então podemos demorar. Não acredito, de maneira nenhuma, que a desculpa esfarrapada [de dificuldade de fornecimento de material] seja a verdadeira”.
“Falta de consideração e respeito” por “quem aqui decidiu viver e investir” João Palma, proprietário do café restaurante Muralha, localizado na vila de Mértola junto à EN122, única via de ligação ao Algarve, tem vindo, igualmente, a notar “uma quebra” no negócio desde que o trânsito na ponte do Vascão foi interrompido. À semelhança de Nelson Caldeira, ainda não calculou os prejuízos, até porque “há alguns eventos que, de vez enquanto, dão uma lufada de ar fresco, como o Festival Islâmico [que decorreu em finais de maio]”. Mas, no verão, frisa, irão “sentir bastante”.
“Nós levamos um ano inteiro à espera do verão. Porque é o que nos dá um alento para o inverno. E agora… O comércio local vai todo sentir uma quebra. E vamos ver como é que isso vai correr. Para casas como a nossa, que está à beira da estrada, acredito que vai ter uma influência negativa”, afirma o empresário de 39 anos, sublinhando que, para “além desta quebra momentânea”, há “uma preocupação acrescida” com a eventual alteração de hábitos de quem passa pelo concelho. “Pode haver aqui uma rota diferente, que as pessoas vão criando ao fim de tantos meses. Depois habituam-se a ir por ali. Descobrem outra casa onde se come muito bem”, reforça, relembrando que “há uns anos as pessoas de Serpa vinham por Mértola para irem para o Algarve”, mas as estradas, por exemplo, entre a Mina de São Domingos e Mértola, “estão tão ruins” que as pessoas encontraram alternativas, nomeadamente, “irem por Espanha, para Ayamonte e depois para Vila Real de Santo António e Monte Gordo”. E conclui: “Mértola sempre foi uma vila de passagem e de turismo também. Mas muito de passagem. E é uma referência gastronómica. Não é por acaso que há tantos restaurantes e cafés aqui na região. As pessoas passam em direção ao norte ou ao sul e almoçam ou jantam em Mértola. Já tínhamos o problema das estradas… e agora o desvio não veio ajudar. Isto é revoltante. Há aqui uma falta de consideração e respeito enormes por quem aqui decidiu viver e investir”.
Câmara critica “falta de planeamento global” em torno da obra O presidente da Câmara de Mértola, Mário Tomé, confirma ao “Diário do Alentejo” que o encerramento da ponte do Vascão “tem sido profundamente prejudicial para o concelho de Mértola”, considerando que “é um eixo vital de ligação entre o Alentejo e o Algarve e o seu encerramento obrigou a desviar todo o tráfego por vias secundárias, menos preparadas e em pior estado de conservação, como é o caso da estrada municipal 506-1”. Na prática, prossegue o autarca, “isto traduziu-se num aumento significativo dos tempos de viagem, tanto para particulares como para empresas, com reflexos diretos na mobilidade dos trabalhadores, no acesso a serviços essenciais como saúde ou educação e nas deslocações para compras ou atividades de lazer. Os constrangimentos agravaram-se também para os serviços públicos e privados que dependem desta ligação para servir o território”.
Para além disso, “o setor turístico – que tem um peso importante na economia local – ressentiu-se. Muitos visitantes procuram Mértola vindo do Algarve, e com os atuais desvios e dificuldades de acesso houve uma quebra evidente no fluxo turístico, com impactos negativos na restauração, alojamento e comércio local”. E reforça: “Apesar de compreendermos a necessidade de garantir a segurança das pessoas, a ausência de uma solução rápida e eficaz tem causado danos reais e acumulados no dia a dia da nossa população e no desenvolvimento económico do concelho”.
Ainda relativamente ao estado da estrada por onde é desviado o trânsito, o presidente adianta que uma parte, cerca de três quilómetros, “também necessita de intervenção e está projetada”, contudo, “face à previsão do corte inicial [de 30 de setembro a 30 de novembro de 2024], não seria inteligente recuperar a estrada a dois/três meses, uma vez que ficaria em mau estado devido ao fluxo”. Neste momento, diz, “estas previsões caíram e a estrada, que já necessitava de alguma intervenção, piorou bastante devido ao atraso”. Mário Tomé considera que “esta situação deveria ter sido ponderada pela IP e, no limite, que houvesse uma requalificação destes quilómetros para que as condições de segurança rodoviária se mantivessem salvaguardadas”. “A rede viária no concelho de Mértola é muito extensa e é impossível intervencionar todas estas estradas num curto espaço de tempo. Seja pelas limitações humanas ou de circulação, seja pelas limitações orçamentais. Foi nosso intuito intervencionar nas principais artérias do concelho”, justifica.
Criticando, ainda, “a falta de planeamento global em torno desta obra”, o edil sublinha que, “desde o início, a Câmara Municipal de Mértola alertou para a importância estratégica desta ligação e para o impacto que o encerramento da ponte teria na mobilidade, na economia local e no quotidiano das populações”.“É inaceitável que uma obra com esta dimensão e implicações tão significativas para o território não tenha tido um plano alternativo devidamente estruturado. Os atrasos podiam acontecer, como infelizmente estão a acontecer, mas era essencial que estivessem previstas, desde o início, medidas mitigadoras concretas: uma comunicação clara e atempada e, acima de tudo, a preparação adequada do percurso alternativo. A estrada de desvio, nas condições em que se encontra, pode, eventualmente, servir como alternativa de emergência nos meses de inverno. No entanto, é completamente inadmissível que se mantenha como solução durante o verão, especialmente, quando, paradoxalmente, se encontra hoje em pior estado do que quando começou a ser utilizada. É uma situação que demonstra falta de sensibilidade para com o território e para com as necessidades de quem cá vive e trabalha diariamente”.
E quando questionado sobre a “preocupação acrescida” com uma eventual alteração de hábitos, referida pelos empresários ao “DA”, Mário Tomé considera que “é um risco claro, mas também não podemos e não trabalhamos para ficar reféns do tráfego sazonal que passa por Mértola”. “Neste momento, Mértola tem níveis de visitação superiores a qualquer concelho do distrito. Seja pela valorização do património histórico e/ou natural, seja pelos vários eventos que realizamos ao longo do ano… A ideia é sempre complementar e conciliar as várias atividades para manter os níveis de atratividade elevados. De referir, ainda, que estão na calha outros projetos que dignificam Mértola e permitirão um ainda maior fluxo de pessoas, nomeadamente, a Estação Biológica de Mértola e a ligação transfronteiriça Mértola-Fernandes-Pomarão. Estes projetos, entre tantos outros, transportarão Mértola para uma realidade completamente diferente. Falamos de um centro de investigação que terá 40 pessoas de todo o mundo a trabalhar diretamente, com palestras, colóquios, visitas de estudo, turmas internacionais que estarão cá várias temporadas… Mas também falamos de uma nova ligação a Espanha que permitirá a Mértola estar ligada a Sevilha ou a Huelva a pouco mais de uma hora e meia de viagem”.
O “DA” tentou, ainda, chegar à fala com o presidente da Junta de Freguesia de Espírito Santo, Luís Caetano, mas tal não foi possível até ao fecho da presente edição.
Investimento de cerca de três milhõesDe acordo com a Infraestruturas de Portugal, citada pela “Lusa”, as obras em curso têm por objetivo fazer uma “reabilitação e reforço estrutural da ponte do Vascão “ e garantir “a melhoria dos níveis de disponibilidade, fiabilidade, conforto e segurança”. A intervenção “compreende a substituição integral do tabuleiro rodoviário, a criação de uma faixa de rodagem com seis metros de largura, que comporta duas vias, uma em cada sentido; duas bermas laterais e dois passadiços”, precisou. Será também feita a “pavimentação, a colocação de sinalização e de barreiras de segurança”. A IP anunciou, em julho de 2024, que tinha feito a consignação da empreitada “EN122 – Ponte do Vascão (km 72,816) – Reabilitação e reforço estrutural”, um investimento orçamentado em cerca de 2,9 milhões de euros.