O diploma de reposição de freguesias foi promulgado no passado dia 12 pelo Presidente da República, depois de ter sido vetado em janeiro. No distrito de Beja são nove as autarquias repostas segundo os limites territoriais que tinham antes de 2013, passando-se, assim, de 75 para 84 freguesias.
Texto Nélia Pedrosa
O Presidente da República promulgou na quarta-feira da semana passada, dia 12, o diploma de reposição de freguesias, como é obrigado por lei, após este ter sido reconfirmado pela Assembleia da República, no dia 6, “por maioria absoluta dos deputados em efetivação de funções”, como se pode ler no texto da promulgação. No mesmo documento, Marcelo Rebelo de Sousa sublinha, no entanto, que “não é permitida a criação de freguesias durante o período de seis meses imediatamente antecedente à data marcada para a realização de quaisquer eleições a nível nacional” (ver caixa). A Anafre – Associação Nacional de Freguesias, e também deputados do PS e PSD, argumentam, contudo, que a referida lei estabelece que as novas freguesias apenas serão criadas na sequência das Autárquicas, previstas para setembro ou outubro, pelo que as Legislativas antecipadas, entretanto marcadas para dia 18 de maio, não terão qualquer influência no processo.
Recorde-se que o Presidente da República tinha vetado o diploma da desagregação em 12 de fevereiro, justificando tal decisão com a existência de dúvidas quanto “à capacidade para aplicar as consequências do novo mapa já às eleições autárquicas de setembro ou outubro deste ano, daqui a pouco mais de seis meses”.
No caso do distrito de Beja, o processo de reposição de 302 freguesias agregadas durante a reforma administrativa de 2013, por imposição da troika, contempla as uniões de freguesias de Aljustrel e Rio de Moinhos, de Almodôvar e Graça dos Padrões, de Santa Clara--a-Nova e Gomes Aires (também em Almodôvar), de Alfundão e Peroguarda (Ferreira do Alentejo), de Ferreira do Alentejo e Canhestros, de Safara e Santo Aleixo da Restauração (Moura), de Garvão e Santa Luzia (Ourique) e de Vila Nova de São Bento e Vale de Vargo (Serpa) e ainda as freguesias de Colos e de Vale de Santiago (ambas em Odemira), que cedem território para repor a extinta freguesia de Bicos. No total, são nove as freguesias repostas segundo os limites territoriais que tinham antes de 2013. O distrito passará, assim, de 75 para 84 freguesias. De acordo com a Lei n.º 25-A/2025, publicada em “Diário da República” um dia após a promulgação, serão constituídas comissões de extinção de freguesia no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei, que funcionarão até à conclusão da última instalação dos órgãos eleitos nas próximas Autárquicas. Às referidas comissões compete “executar todos os atos preparatórios estritamente necessários à extinção da freguesia, nomeadamente, a aprovação dos mapas finais com a discriminação de todos os bens móveis e imóveis, universalidades, direitos e obrigações da freguesia de origem a transferir para as novas freguesias, bem como a identificação da alocação de recursos humanos a cada freguesia a repor”. Serão, ainda, constituídas, até 31 de maio, comissões instaladoras por cada freguesia a repor, e a quem compete “preparar a realização das eleições para os órgãos locais” de setembro ou outubro, assim como “definir as sedes das freguesias a repor”. Com exceção das competências atribuídas pela lei às referidas comissões, “os órgãos da freguesia a extinguir mantêm as suas competências legais até à tomada de posse dos novos órgãos autárquicos”.
Reposição devolve “proximidade às populações”
Para o coordenador distrital de Beja da Anafre, “é com grande alegria” que veem a reposição das nove freguesias no distrito. “Isto é um trabalho de cerca de quatro anos, em que as juntas de freguesia e a Anafre se empenharam. Houve alguns avanços, mas muitos recuos, acima de tudo. Nos últimos dois anos o trabalho foi intenso nas juntas, nas assembleias de freguesia, nas assembleias municipais e, depois, na Assembleia da República, com o grupo de trabalho [criado no seio da 13.ª Comissão do Poder Local e Coesão Territorial] que nos últimos meses teve de fazer horas extra para conseguir ter esta lei preparada para ser promulgada pelo Presidente da República, que depois acabou por não ser aceite, o que para nós foi um absurdo, porque não conseguimos perceber porquê”, adianta Vítor Besugo ao “Diário do Alentejo”, sublinhando que a reconfirmação do diploma pelos deputados “veio dar razão à Anafre e às freguesias”, sendo que o veto do Presidente da República, a 12 de fevereiro, “só fez perder tempo”.
Ainda assim, reforça o autarca, “há tempo”, até porque “o trabalho de casa está feito, agora é implementar”. “Quando foi feito o processo para a proposta de desagregação de freguesias teve de ser elaborado um estudo económico-financeiro para saber como é que iria ser, onde é que seriam as sedes de cada uma das freguesias a separar”, salienta, considerando que o processo de agregação, em 2013, “foi muito mais complicado”, porque foi feito “tudo muito rápido, sem qualquer estudo, sem as pessoas estarem à espera, agora já sabem como [as freguesias] funcionavam”. Acima de tudo, diz, a reposição devolve “a proximidade às populações”.
Questionado quanto às reservas do Presidente da República, Vítor Besugo afirma que “não existem quaisquer dúvidas” sobre a aplicação do diploma, dado que “as Autárquicas são mais de seis meses depois da promulgação da lei [13 de março]”. “São seis meses e quinze dias”, precisa, adiantando que a Anafre “lamenta” as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, porque “não está a respeitar os autarcas, nem a Anafre, nem os deputados que trabalharam intensamente para que fosse possível chegar a este ponto”. *Com “Lusa”
Especialistas divididos sobre prazo
Cândido de Oliveira, professor catedrático jubilado da Escola de Direito da Universidade do Minho, em declarações à “Lusa”, considera que a lei de reposição de freguesias pode avançar já, porque, quando foi elaborada “não tinha eleições nacionais à vista a menos de seis meses”. Considera, ainda, que “são as eleições nacionais em períodos normais que a lei-quadro tem em mente”. “Não foi uma lei criada à última hora. A dissolução do Parlamento e a realização de eleições legislativas não vêm prejudicar a razão de ser da lei”, afirma. Para o especialista, o prazo de seis meses foi estipulado para que não haja lugar a “favoritismos eleitoralistas na decisão de criação de freguesias”. Questionado sobre se, independentemente das Legislativas, haveria tempo para fazer avançar o processo até às eleições autárquicas, previstas para setembro/outubro, o professor sustenta que a questão “só se coloca se não houver vontade política de levar a cabo a criação efetiva das freguesias”. Jane Kirkby, especialista em direito público e administrativo, por sua vez, também em declarações à “Lusa”, defende que, tendo em conta a norma dos seis meses, a criação de freguesias “não terá qualquer efeito senão depois das eleições presidenciais de janeiro de 2026”. “Daqui até janeiro de 2026 não haverá qualquer período de seis meses sem eleições, tendo em conta a perspetiva de eleições legislativas em maio [entretanto marcadas para dia 18] e de eleições autárquicas em setembro/outubro”, esclarece.