Está aí o novo ano e, com ele, velhos e novos problemas. Quisemos saber o que pensam e o que desejam para 2025 personalidades da região de diferentes áreas. Demografia, imigração e a aposta em infraestruturas para o Baixo Alentejo mereceram a atenção dos nossos entrevistados, mas as Autárquicas do final do ano também já mexem.
Texto Aníbal Fernandes
Ana Matos Pires, diretora do Serviço de Saúde Mental do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, mostra-se apreensiva em relação ao novo ano. Apesar de “pela enésima vez” a ampliação do hospital estar prevista em Orçamento do Estado, acredita que ainda não é desta que vai acontecer.
“Tenho a expectativa de que se inicie. Obviamente que é importante para a região porque, ao contrário de muitas pessoas da região – eu sou adepta, defensora e considero uma mais-valia a existência do Hospital Central do Alentejo –, [considero que] isso não exclui a necessidade de mantermos e aumentarmos a qualidade em termos estruturais dos recursos em saúde nas outras áreas do Alentejo, nomeadamente, em Beja, Portalegre e Santiago do Cacém”.
Aliás, considera “extraordinariamente importante que se faça a ampliação do hospital, porque é uma das maneiras de contribuir para a fixação de novos médicos”. No entanto, também aqui “as expectativas não são muito boas. As condições físicas não serão o mais importante, mas o exemplo da Psiquiatria mostra que também é importante termos boas instalações para trabalhar”.
Quanto à fixação de clínicos, a situação “está francamente má e estou muito cética em relação à melhoria deste cenário, porque o hospital perdeu valências e se não fizermos um investimento real em formação pode perder idoneidades”, diz. “Em 2025 tivemos Pediatria, Psiquiatria, Medicina Interna e Intensiva, Cuidados Primários e Ortopedia, mas há um grande défice da atividade formativa”, constata.
O fenómeno migratório também tem implicações na área da Saúde e “está a ter um impacto muitíssimo negativo naquilo que são as respostas que temos para dar. Estou muito preocupada, quer como clínica, quer como cidadã, com o que está a acontecer na região de Beja. Em 2024 desmembraram-se várias redes de tráfico de seres humanos, mas a integração das pessoas não está ser feita como deve ser. Há um racismo e xenofobia que são manifestos e culturais, e estou muito apreensiva com a recente aprovação da legislação que muda a Lei de Bases da Saúde e que prevê que os imigrantes não legalizados não tenham acesso à Saúde. Estou preocupada com as pessoas, porque é um direito fundamental que não está a ser cumprido e, por outro lado, com as implicações que isso possa ter em termos de saúde pública. Este cenário pode determinar mais infeções, mais contágios, muito mais gastos de recursos, porque a assistência de emergência não pode ser negada. Está-se a fazer uma péssima política de integração de imigrantes, aflige-me imenso que nos esqueçamos que nos anos 60 fomos nós que estávamos nos bidonvilles [bairros de lata] de Paris e que estejamos a fazer rigorosamente a mesma coisa”, lamenta.
E como 2025 é ano de eleições autárquicas, “e vão surgir imensas promessas que não passam de propostas eleitoralistas, num ambiente em que o populismo está em ascensão”, Ana Matos Pires diz que os “partidos democráticos têm responsabilidades acrescidas”, pedindo que as propostas que vão surgir “sejam o mais realistas possíveis e dirigidas às necessidades da população”.
Problema complexo
João Paulo Ramôa, natural de Beja, empresário, provedor da Santa Casa da Misericórdia e ex-governador civil do distrito, tem o olhar particularmente atento virado para as questões sociais, que considera um desafio para o futuro.
A queda demográfica e a imigração são faces da mesma moeda. Para se resolver o problema do envelhecimento da população, “as soluções identificadas não chegam. Temos necessidade de imigrantes para sermos sustentáveis”, defende.
A este respeito diz que “é preciso pensar global e atuar local. Em Portugal não vivemos numa bolha e no Alentejo também não. A imigração é um fenómeno que está a acontecer em toda a Europa e vai continuar, quer seja por causa de guerras, das secas ou motivações económicas”.
Para João Paulo Ramôa, esta é uma “situação complexa” e não ajuda ter “posições extremistas”. Nem portas escancaradas, nem portas encerradas, “a solução está algures no meio e não deve ser única”, avisa.A resolução deste problema passa pela “união das instituições, autarquias e empresários que trabalham nesta área”, o que poderá contribuir para uma política de “integração”.
As diferenças – culturais, religiosas, linguísticas – podem assustar as pessoas, e um dos caminhos a percorrer poderá ser aquele que “algumas empresas portuguesas estão a fazer, e bem, nos Palop [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], criando centros de formação na origem e trazendo os que precisam. Somos mais humanistas ajudando alguns do que deixando entrar todos”, deixando-os à sua sorte.O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Beja revela que “65 por cento dos colaboradores da instituição são estrangeiros”, na maioria brasileiros, o que é uma vantagem por causa da língua. “Temos de integrar estas pessoas, são comunidades com vontade de se estabelecerem aqui”, conclui.
Quanto à habitação para acolher os que chegam, João Paulo Ramôa vê o problema por outro ângulo: “É preciso habitação?”, questiona. “Não. O que é preciso é terem um emprego que lhes permita ter habitação”, responde.
Olhar para o interior
Luís Afonso, nascido em Aljustrel e residente em Serpa, cartunista do “Público” e de “A Bola”, autor de “A Mosca” que passa diariamente no universo da “RTP”, não pede muito para 2025: “Se houvesse possibilidade, gostava que quem de direito olhasse para o interior e visse o que faz falta aqui para que as pessoas queiram vir e ficar por cá”.
A Saúde, os acessos – aeroporto de Beja incluído – e a Educação são temas que o preocupam. “A conclusão da A26 até à fronteira com Espanha era importantíssima”, diz, lembrando que a quantidade de veículos pesados que utilizam a velhinha estrada nacional, por si só, justificaria a empreitada, já para não falar nos números da sinistralidade anual e “nas vidas que se poupariam”.
Mas o que o espanta é o desinvestimento feito na ferrovia. “Quando vim viver para Serpa, em 1988, o ramal de Moura ainda funcionava. De lá para cá tem sido sempre a descer. É uma aberração”, afirma, acrescentando que quando se olha “para aquilo a que se chama o mundo desenvolvido, vemos que a ferrovia está onde as pessoas estão. Aqui, alguém com responsabilidades governativas nos anos 90 escreve livros sobre como ser um bom primeiro-ministro, mas foi o responsável pelo desmantelamento da ferrovia”.
Num território em que a Agricultura é predominante, Luís Afonso lembra que as decisões políticas, nesta matéria, foram “desde sempre do oito ao 80. No Estado Novo quiseram fazer do Alentejo o celeiro da nação; agora é o tempo do olival. Nem uma coisa nem outra são naturais, sobretudo, se forem apostas únicas. Um Alentejo ambientalmente sustentável não tem nada a ver com qualquer uma dessas visões”, explica. E até acha curioso como a nostalgia alentejana, bem vincada no cante, queira fazer parecer natural as extensas searas de trigo.
E quanto ao fenómeno migratório? “Precisamos de pessoas, e muitas das que cá estão têm qualificações que nos fazem falta e estão a fazer trabalho indiferenciado”. Este sentimento que agora medra contra os imigrantes leva-o a dizer que “temos de pensar que os portugueses, e em particular os alentejanos, emigraram para todo o lado. Não gostamos que nos olhem de lado na Suíça, na Alemanha ou no Reino Unido por sermos estrangeiros, pois não? Isto sem prejuízo de todos, imigrantes ou não, terem de cumprir a lei”.
Não há vida sem água
Nuno Faustino, presidente da Associação de Criadores de Porco Alentejano, com sede em Ourique, diz que o grande desafio para 2025 continua a ser o abastecimento de água. “A persistência das alterações climáticas, com os consequentes períodos de seca e de falta de chuva”, continua a ser o principal problema a resolver “nos territórios do Sul do Alentejo e no setor da pecuária extensiva”.
Para este agricultor, a solução passa pela tomada de medidas “de alteração na rede de distribuição da água”, de forma a permitir a produção de forragem para minimizar a ida ao mercado. “Não é fazer regadio puro e duro”, alerta, “é apenas permitir a viabilidade económica das explorações”.
Os últimos anos – e de forma persistente na última década (2024 foi a exceção) – têm levado os produtores a reduzir os seus efetivos, no seu caso em cerca de 30 por cento. Para manter a atividade e, paralelamente, a presença humana no território, evitando a proliferação de matos, javalis ou incêndios, é necessário tomar medidas, defende.
“A água do Alqueva não vai chegar para todos”, avisa, acrescentando que a solução passa por descobrir “novas fontes de água” para o grande lago do Sul. A interligação entre bacias hidrográficas pode ser uma solução, apesar de “haver muita gente que discorda alegando razões ambientais. Uma coisa é certa: não há vida sem água”.
Outro dos problemas é a preservação das raças autóctones, nomeadamente, o porco alentejano que, considera, “está em risco de extinção”. “O Governo tem de fazer alguma coisa para evitar este cenário e apoiar as organizações na promoção e venda do produto”, reclama.
Quanto à imigração, Nuno Faustino considera que “faz falta”, mas defende algum controlo. “Na pecuária extensiva não se sente a necessidade de muita mão de obra, mas noutro tipo de explorações fazem falta”, reconhece.
Tempos incertos
Santiago Macias, diretor do Panteão Nacional, licenciado em História e ex-presidente da Câmara Municipal de Moura, olha para o mundo, para Portugal, para o Alentejo e para a sua terra, Moura, considerando que “nunca os tempos foram tão incertos e tão preocupantes como aqueles que vivemos”.
O retrato “fora de portas” não é famoso: “Rodeados por líderes, em geral, muito fracos, com uma guerra que se arrasta na Ucrânia (importaria ler um pouco de história e ver ‘como isto começou’…), por entre os interesses americanos, a incompetência europeia e um Kremlin que sempre foi o herdeiro do império bizantino, o que causa preocupação são as quase quatro mil ogivas nucleares ativas. E não falemos de Gaza, que é a vergonha de todos nós. A nível internacional, não há motivos para tranquilidade”, diz.
Quanto a Portugal, “importa fazer perceber ao Governo que o problema não é o Estado. E que, mais do que nunca, precisamos de serviços públicos de qualidade (a começar pela Saúde), que precisamos de segurança (sem paranoias securitárias e a falsa ideia de que Portugal é um país perigoso), que precisamos de transportes públicos em condições, que precisamos do ensino público. Precisamos de trabalho pago com justiça e com dignidade”.
O historiador considera que “a nossa região passa por uma revolução demográfica sem precedentes. A integração dos imigrantes é o nosso grande desafio. Por mais que a alguns custe encaixar a ideia, a imagem folclórica do Alentejo criada pelo fascismo é para as vitrinas da História. O Alentejo do século XXI já é outro. Tenho ainda a esperança em duas coisas: primeiro, que se acabe, de vez, com a miragem de um aeroporto em Beja como alternativa a Lisboa; segundo, que se consiga fazer de Évora uma digna capital europeia da cultura em 2027”.
E termina, regressando a casa, fazendo “votos de mudança política e que o atual e incompetente executivo seja removido por uma câmara de maioria CDU. Porque o meu concelho merece tempos de esperança”.
Quatro desafios
Habitação, imigração, desenvolvimento social e as Autárquicas do final do ano são os temas destacados por Jorge Barnabé, natural de Beja e presidente do Observatório do Baixo Alentejo.
“É fundamental que a região, através das autarquias e do Governo, entenda a importância social e estratégica para o desenvolvimento regional da construção de habitação, que permita responder às necessidades existentes e atrair população”, defende, considerando “preocupante que, passados dois anos do início das estratégias locais de habitação e de celebração de contratos de financiamento do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], nada ou quase nada esteja construído”. E defende que a habitação é “uma prioridade emergente do presente, mas também essencial para o futuro e o tempo que resta para cumprir esse objetivo é cada vez mais curto”.
O atual fenómeno migratório “é um dos desafios mais importantes da nossa região: compreender e aceitar a necessidade de integrarmos novos residentes, a maioria (por necessidade estrutural) com as comunidades imigrantes. A região precisa de população, de mão de obra, de satisfazer as necessidades e reforçar a competitividade das empresas e dos setores produtivos. Essa realidade é inalterável e é importante colocar de lado o preconceito, mobilizar forças e construir soluções. É fundamental combater o discurso que intoxica e que se baseia na falácia e na divisão, porque não é um discurso sério e tão pouco contribui para a resolução do problema”.
Para Jorge Barnabé, “o desenvolvimento social, numa perspetiva integrada e em rede, capaz de corresponder às necessidades das populações cada vez mais isoladas, da integração de imigrantes, de competitividade educativa e qualificativa, de acesso à saúde e com reforço de respostas a novos problemas de saúde, são desafios e preocupações que deveriam mobilizar os agentes da região: autarcas, agentes económicos e sociais e também o governo”. Daí que “a persistência nos problemas” não seja “uma forma de os resolver mas de os agravar, criando em muitas situações atrasos difíceis de recuperar e agudizando os custos das soluções”.
Por último, as eleições autárquicas, cujas “expectativas políticas talvez sejam as mais relevantes para a região”. Considera que “o poder político mais importante e com impacto direto na vida das populações é o autárquico” e que “as autarquias são a primeira e principal resposta na coesão territorial e na resolução de problemas. Sabemos com insistência que as expectativas sobre as políticas públicas do Governo são residuais”.
“Em 2025 é expectável assistirmos a algumas mudanças de governação local em alguns concelhos. Em Cuba, Serpa e Almodôvar os atuais presidentes não se recandidatam e em Beja, Aljustrel, Ourique e Moura podemos assistir a algumas surpresas, que advêm de uma alteração da distribuição de votação com o crescimento do Chega. O crescimento do partido Chega é difícil de avaliar ainda, mas terá certamente impacto, que vai além do bom senso e da avaliação assertiva do trabalho desenvolvido pelos autarcas em exercício. É um fenómeno! O novo quadro autárquico será importante de analisar, sobretudo, criando equilíbrios necessários para políticas intermunicipais”, conclui.