Diário do Alentejo

Protestos de agricultores obrigam Governo a recuar nos cortes

10 de fevereiro 2024 - 08:00
Maria do Céu Antunes reuniu-se ontem, em Moura, com movimento civil
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Se tudo correu como previsto, representantes do Movimento Civil dos Agricultores do Baixo Alentejo reuniram-se ontem, pela segunda vez no espaço de uma semana, com a ministra da Agricultura, em Moura, para negociarem uma série de medidas “abrangentes e estruturais” para a região.

 

Texto Aníbal Fernandes

Na noite de sexta-feira, dia 2, para sábado, dia 3, os agricultores que estavam estacionados junto à fronteira de Vila Verde de Ficalho, no concelho de Serpa, desmobilizaram o protesto após terem recebido a garantia de Maria do Céu Antunes de que o Governo iria rever os cortes anunciados para as explorações de agricultura em modo biológico e produção integrada.

Na altura, José Maria Charraz, um dos organizadores do bloqueio, citado pela “Lusa”, revelou ainda que, ontem, quinta-feira, dia 8, às 19:00 horas – já depois do fecho desta edição do “Diário do Alentejo” –, teria lugar em Moura “uma reunião presencial” com a governante.

Outro dos organizadores da marcha, António João Veríssimo, contactado pelo nosso jornal, disse que “o Governo tinha dado garantias” quanto aos cortes de 35 e 25 por cento e que a ministra “avançou com a ideia de passar cartas de conforto” aos agricultores, enquanto a questão não estivesse resolvida em Bruxelas.“Temos a expectativa de que isso seja cumprido”, avançou o agricultor, mostrando-se convencido de que “o primeiro-ministro não queira que tudo isto caia em saco-roto” em vésperas de eleições.

Na terça-feira passada, o mesmo interlocutor revelou ao “Diário do Alentejo” que já tinham enviado por email os pontos que gostariam de discutir sobre a agricultura no Baixo Alentejo com a governante, sem, no entanto, querer adiantar os temas.

Entretanto, o “Diário do Alentejo” teve acesso ao caderno reivindicativo dos agricultores que bloquearam a fronteira do Caia, no concelho de Elvas, e que passa pela “reposição imediata das ajudas e assunção dos compromissos contratualizados; revisão do Plano Estratégico da Política Agrária Comum (Pepac) e adequação à realidade portuguesa; políticas agrícolas com diretrizes de médio e longo prazo, criando um clima de estabilidade; dotação orçamental adequada a cada pilar; ecorregimes adequados a cada território; convergência para a média da União Europeia; revisão do calendário de pagamentos; desburocratização dos licenciamentos, nomeadamente, através do balcão do agricultor; reconhecimento dos serviços ambientais; fatores de produção a preços justos e competitivos; que a Agricultura faça parte da disciplina de cidadania nas escolas; e exigir que a entrada de produtos agrícolas de países terceiros esteja sujeita às mesmas regras da União Europeia”.

 

CAP diz que é “ilusão” Na passada segunda-feira, dia 5, à saída de uma reunião no Ministério da Agricultura, que juntou a ministra da tutela e as confederações de agricultores, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), considerou que o anúncio de apoios no valor de 500 milhões de euros para o setor não passava de “uma ilusão”.

“Estamos na presença de um pacote de apoios virtual” que não “têm nada a ver com a realidade” que tinha sido anunciada na conferência de imprensa conjunta com o ministro das Finanças, na semana passada.

O dirigente dos agricultores explicou que “a maior parte do dinheiro [referido] tem a ver com os apoios devidos à situação de seca e já tinha sido anunciado”, nomeadamente, “a redução do ISP do gasóleo agrícola” – que passa de 4,7 para 2,1 cêntimos por litro – que “foram negociados em sede de concertação social e já estão inscritos no Orçamento do Estado para 2024 (OE2024). Não há nada de novo”, concluiu.

Luís Mira avançou ainda que os 60 milhões de euros para o pagamento integral das candidaturas às medidas de produção integrada e biológica serão suportados pelo OE2024, “mas necessita de autorização de Bruxelas e pode demorar mais dois meses”.

Também Rui Garrido, presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo, considera que a “única coisa positiva” que saiu da reunião é o compromisso do Governo em pagar na totalidade os apoios à agricultura biológica e à produção integrada, apesar de precisar da autorização de Bruxelas.“Acredito que, depois de dois ministros, em conferência de imprensa, terem garantido que isso ia acontecer”, o pagamento integral dos apoios “aconteça mesmo”. “Seria o cúmulo dos cúmulos se tal não acontecesse”, disse.

Também o dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Pedro Santos, à saída da mesma reunião, considerou que o dinheiro avançado pela ministra “não era real” e criticou a linha de 50 milhões para empréstimos sem juros anunciada por Maria do Céu Antunes, considerando que “os pequenos agricultores, que já se encontram descapitalizados, não conseguem contrair mais empréstimos”.

 

URSULA VOM DER LEYEN RECUA NOS PESTICIDAS

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na terça-feira, dia 6, que vai propor a suspensão da proposta do Pacto Ecológico que visava reduzir a utilização de pesticidas a metade até ao fim da década. No discurso na sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a presidente da comissão defendeu que é necessário apresentar uma proposta “com coesão mais amadurecida” sobre pesticidas e quer envolver agricultores, políticos, cientistas, mas também o setor financeiro, produtores de sementes e de pesticidas.

“Precisamos de analisar a situação em conjunto para partilhar ideias e, mais importante ainda, para desenvolver cenários para o futuro, precisamos de ultrapassar um debate polarizado e criar confiança”

Há quem considere as declarações de Von der Leyen “um primeiro passo” para a reforma do actual Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac) que, nas últimas semanas, tem sido alvo de crítica e protestos dos agricultores em vários países da União Europeia.

“O relatório do Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura na União Europeia deverá ser apresentado no final do verão e será extremamente importante. Os resultados e recomendações deste diálogo serão discutidos no Parlamento e com os Estados-membros e constituirão a base da nossa futura política agrícola”, disse.

“Os agricultores são os primeiros a sentir os efeitos das alterações climáticas, as secas e as inundações destroem as colheitas e ameaçam o gado.

Os agricultores estão a sentir o impacto da guerra lançada pela Rússia, da inflação, do aumento do custo da energia e do aumento do custo dos fertilizantes. No entanto, trabalham arduamente todos os dias para produzir os alimentos de qualidade que consumimos. Por isso, penso que lhes devemos apreço, agradecimento e respeito”, afirmou.

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