Diário do Alentejo

Há palavras que morrem com quem as viveu
Opinião

Há palavras que morrem com quem as viveu

Vítor Encarnação, professor

14 de maio 2020 - 17:55

Palavras inteiras, cheias de terra e de sol, de lonjuras e de léguas, de cismas e de partes, de bruxas e de medos, de serões e de modas, de charruas e de foices, de mulas e de outras cavalgaduras, de arramadas e de farrejo, de searas e de montados, de ceifa e de monda, de taipa e de cal, de telha-vã e de adobe, de eiras e de moinhos, de peneirar e de joeirar, de ribeiras e de lajes de pedra, de pegos e de pardelhas, de rodilhos de trapo e de quartas de barro, de infusas e de cocharros, de poços e de caldeirões, de andar justo e de comedias, de melhaduras e de merendicas, de cangalhas e de cabrestos, de sacas de empreita e de talegos, de torradas espetadas num garfo e de café de chocolateira, de benzeduras e mezinhas, de arneiros e de panelas de ferro, de ferradores e abegões, de almocreves e ganhões, de fornos de poia e de casqueiros, palavras tão fortes, tão metidas na pele e na carne da memória, mas ao mesmo tempo tão frágeis, tão à mercê deste tempo voraz, guardadas em rugas e cabelos brancos, debaixo de boinas, dentro de olhos intensos como vidas, dentro de bocas que poucos querem ouvir, dentro de peitos que ninguém escuta, mas dentro dessas bocas, dentro desses peitos há palavras que são a oralidade da alma alentejana.

 

Se não as soubermos ouvir, se não as salvarmos, se não cuidarmos delas, há palavras que morrem com quem as viveu.

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