Diário do Alentejo

Liberdade
Opinião

Liberdade

Vítor Encarnação, professor

29 de abril 2020 - 18:00

A primeira memória que tenho da liberdade é uma simplificação de conceitos, sabe a gaivotas que voam, a papoilas que crescem, a terras de fraternidade, amigos em cada esquina, há, sobre esse tempo, uma ideia de céu azul dentro de mim. Depois descobri que nem todos esperávamos aquela madrugada e esse dia inicial inteiro e limpo, e, incrédulo, o céu toldou-se no meu pensamento. 

 

Depois, a vida veio mostrar-me que tudo é relativo e discutível, que ansiamos por liberdade, mas raramente a sabemos aplicar da forma que nós queremos e sonhamos, ou é o pai e a mãe, ou é a escola, ou é a família, a profissão, o dinheiro, o tempo, a rotina, o cansaço, a resignação, os políticos, os que não concordam connosco.

 

Estamos presos a tudo isto, habituamo-nos, vamos vivendo.

 

A nossa incapacidade de fugirmos destas clausuras, o nosso inconsciente está sempre amarrado a elas, é normalmente resolvida através da atribuição de culpas. Culpamos desde o pai e a mãe até aos que não concordam connosco. Essa acusação é fácil de fazer, o nosso carcereiro é visível, tem um rosto, significa que nós sabemos sempre quem nos restringe a liberdade. O problema desta pandemia é que ela não tem uma face, ultrapassa tudo o que conhecemos, é uma tirania que não se rege por horas, leis, exames, números, e, como nenhuma outra, rouba-nos uma das coisas mais preciosas da nossa vida: os afetos.

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