Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

24 de abril 2020 - 16:00

Paulo Monteiro disse, esta semana, ter apresentado queixa na PSP de Beja quando um homem lhe contou ter sido “dispersado” à bastonada por polícias depois de sair à rua para apanhar rede de internet e falar com o filho. Também esta semana, Vítor Paixão descreveu na sua página pessoal de Facebook a forma como foi insultado por um de seis militares da GNR que fizeram uma pausa na “linha da frente” para passar por uma loja de conveniência, em Beja, onde entraram em grupo. Lá do norte, da Maia, chegaram-nos esta semana as lágrimas e a revolta de Paula Teixeira. Lágrimas porque a mãe morreu vítima de covid-19. E revolta porque o presidente da junta de freguesia tratou de impedir o enterro: “A única forma de o corpo entrar no cemitério era ser cremado”, referiu Paula Teixeira. 

 

Contaram-me esta semana o caso de um homem que, trancado em casa e impedido de visitar a mulher, que se encontra num lar, pôs termo à vida. Ninguém num qualquer serviço do Estado terá sequer olhado para ele e compreendido as razões do desespero. Nem isso interessa. Li esta semana um artigo online sobre um grupo de pessoas que recusou fazer testes de despistagem à covid-19, em Moura. “Deixem-nos morrer com o raio que os parta”, foi o comentário que uma mulher achou oportuno fazer na página do jornal. Há por lá outros, do mesmo tom e pior gosto. 

 

A propósito de redes sociais, o Jorge Barnabé publicou esta semana um “post” a defender a celebração do 25 de Abril na Assembleia da República: “É nossa obrigação, como democratas, combater o ódio e a mentira, porque o medo, a desgraça e a divisão da sociedade é aquilo que alimenta os fascistas”. Pouco depois estava a ser acusado de ter um “discurso fundamentalista e ortodoxo”. Eu próprio partilhei esta semana uma notícia do jornal “Público” intitulada “Para responder à hipocrisia e mau gosto, Alegre avança com petição a favor do 25 de Abril no Parlamento”. Choveram insultos a Manuel Alegre, com gente indignada por não ter podido “comemorar a Páscoa com os seus mais queridos idosos”. Como se fosse comparável uma sessão parlamentar, em tudo semelhante às que se têm realizado, com o movimento de centenas de milhares de cidadãos de um lado para o outro. 

 

Ainda esta semana, li que os comandantes dos corpos de bombeiros se queixam de lhes estar a ser “sonegada informação como as moradas onde há casos positivos” ao contrário do que estará a suceder, por exemplo, com as forças de segurança. Parece, então, que teremos para aí a circular listas com nomes e moradas de pessoas doentes, passadas de quartel em quartel. Ora, se numa qualquer operação de socorro se deverá presumir, sempre, a existência de um caso de infeção, tomando medidas de proteção e segurança, para que servirão tais listas? 

 

Claro que esta semana também ouvi um conselheiro de Estado defender que uma aplicação de telemóvel para controlar os movimentos dos cidadãos “pode ser muito útil”, hoje pela pandemia, amanhã pelo terrorismo, depois de amanhã por outra coisa qualquer. Foi também esta semana que me desliguei dos noticiários da SIC, não sei se devido à irritação com as aldrabices do Trump (sem contraditório), se por manifesta intolerância a pivots televangelistas. Não vale a pena enumerar mais exemplos. Estes já bastam para demonstrar que faz todo o sentido celebrar o 25 de Abril? Hoje e sempre.

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