Diário do Alentejo

Tibério e Augusto no século XXI
Opinião

Tibério e Augusto no século XXI

Santiago Macias, arqueólogo

20 de março 2020 - 11:00

O imperador Augusto morreu em 19 de agosto de 14. Há mais de 2000 anos. É do tempo deste homem de Estado a versão mais antiga do fórum de Beja. Como num jogo de “mikado”, as ocupações foram-se sucedendo no sítio mais alto, e mais importante, da cidade de Beja. Passos de maior destaque nesse longo processo de construção? A ocupação da Idade do Ferro, as imponentes construções de época romana, os vestígios do período islâmico e a extraordinária Casa da Moeda quinhentista. 

 

Abel Viana tateou um pouco os terrenos do fórum de Beja. Os tempos eram outros e, para além da recolha de alguns materiais e de um esquisso do local, pouco mais se fez. Foi preciso esperar 50 anos para que um longo processo de resgate dessa memória da cidade se pusesse em marcha. A partir de 1997, e sob a direção de Maria da Conceição Lopes, professora na Universidade de Coimbra, começaram as escavações. A arqueóloga defenderia, pouco depois, uma tese de doutoramento sobre Beja e o seu território. Um trabalho corajoso e de difícil concretização. A Cidade Romana de Beja: Percursos e Debates Acerca da “Civitas” de Pax Ivlia é estudo com duas décadas que continua atualíssimo e que, ante os recentes ataques de que o património em áreas rurais tem vindo a ser alvo, mais pertinente se torna.

 

A partir de 2008, as escavações ganharam outro fôlego e começaram a emergir dados de grande relevo sobre a cidade romana. A par com a descoberta de uma Casa da Moeda, da qual se pode dizer que é verdadeiramente única. Os tempos mais recentes foram marcados por alguns sobressaltos. Notícias menos boas – escavações interrompidas, degradação de estruturas, etc. – mereceram o destaque que as notícias menos boas sempre têm.

 

Teve recentemente lugar a apresentação do projeto para reabilitação do sítio do fórum romano de Beja. A esperança renasce. Pelo menos, foi essa a ideia com que fiquei. Dão-se, objetivamente, passos para a reabilitação de uma área com cerca de 2000 metros quadrados. Ainda que haja acertos a fazer – e aspetos a incorporar, em termos arqueológicos –, a reversibilidade/adaptação modular do centro de interpretação é um achado e lança pontes de diálogo para o futuro. Que perspetivas se abrem, a partir daqui?

- A concretização do projeto e a valorização das estruturas;

- A possibilidade de monumentalização das ruínas, via anastilose – (re)construção a partir de elementos previamente existentes – ou outros métodos;

- A necessidade de uma articulação do futuro centro de interpretação + centro de arqueologia com o restante património da cidade, nomeadamente, o Museu Regional, a rua do Sembrano, a igreja de Santo Amaro e o sítio de Pisões. Caso contrário, a lógica dispersiva e capelística dominará;

- Uma desejável conclusão do processo de escavações, seguido da sua publicação.

 

Em 21 de junho de 2019 escrevi neste mesmo jornal um artigo sobre o fórum romano de Beja. Reitero o que então disse. Em seis meses houve avanços significativos. Termino com as mesmas palavras que então: “A tomada de decisões sobre o património, na perspetiva da sua reabilitação, nem sempre é ‘simpática’. Nem imediata. É mais fácil ‘feirizar’ a História, criar ‘eventos’ e complementá-los com iniciativas folclóricas. Dá muito menos trabalho e rende mais, no curto prazo. Ora, como bem sabemos, e tendo em conta o que nos resta do fórum, o património é matéria para o longo prazo”.

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