Diário do Alentejo

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Vítor Encarnação, professor

24 de fevereiro 2020 - 10:00

Sai completamente vazio da aula. O corredor da escola é um beco sem saída e à entrada da sala dos professores agarra-se bem à alma para não a deixar cair. É como se dentro dele se tivesse partido a engrenagem que gera a motivação e o engenho de ensinar. Como se os rolamentos se houvessem soltado dos eixos ou um coração palpitante, de repente, desistisse. Ou um professor perdesse a ilusão. No intervalo grande tenta recompor-se. Bebe um café, fuma dois cigarros e a ânsia, tudo sem filtro. Os livros que traz na mala são um molho de cartas sem endereço e ele é um carteiro perdido. Esmorece tantos anos depois. Não sabe o que há-de fazer aos alunos que estão ali à sua frente, supostamente para o ouvirem e acreditarem nele.

 

Parece mentira como o tempo o fragilizou! Ele que já se sentiu Nóe, e a sua obstinação era a barca que levava aquelas moças e aqueles moços todos lá dentro, e os salvava do desânimo, ele, esse barqueiro de emoções, andava agora à deriva com um horário a servir-lhe de jangada. Mas lembra-se que a sala de aulas já foi uma rua, uma casa, um peito aberto, conquistas e medos, lágrimas felizes e das outras, noite, luz, tréguas, pai, mãe, gritos e murmúrios, um ninho, Deus, Diabo, paixões, guerra e paz. Metallica e Bach, asas, viola campaniça e abismos. Entra. Pega no giz e giza a aula. O sumário de hoje é: Poemas talhados na gramática das coisas.

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