Diário do Alentejo

Manifesto
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Luís Godinho, jornalista

08 de janeiro 2020 - 11:45

Entre os 40 cozinheiros que em dezembro rumaram à cidade espanhola de Zafra encontravam-se sete portugueses: António Loureiro, de Guimarães, os irmãos Óscar e António Gonçalves, de Bragança, Diogo Rocha, de Viseu, o lisboeta José Avillez, acompanhado por David Jesus (chefe de cozinha no Belcanto) e o portalegrense José Júlio Vintém, um dos nomes maiores da gastronomia alentejana. Para variar, no que ao mundo rural diz respeito, o que lá foram fazer passou despercebido aos principais meios de comunicação social portugueses. E, no entanto, foi dado um passo importante para afirmar o mundo rural, contrariar o despovoamento que afeta boa parte do território português, e criar alternativas profissionais e económicas em regiões de enorme potencial mas com pouca capacidade para se fazer ouvir.

 

Do Manifesto de Zafra, então aprovado, que servirá de guião para pressionar tanto os governos de Madrid e de Lisboa como a Comissão e o Parlamento Europeu a tomarem medidas em defesa do mundo rural, falaremos daqui a pouco. Antes, porém, uma breve explicação sobre o que está em causa, nas palavras de um dos chefes de cozinha presente na iniciativa e proprietário de um restaurante numa aldeia espanhola de 50 habitantes: "É-me mais fácil obter carne kobe do que uma perdiz caçada pelo meu vizinho". Barreiras burocráticas erguidas contra as "velhas sociedades rurais" (para utilizar a expressão feliz de Henrique Raposo) e uma legislação que favorece os grandes distribuidores em detrimento dos pequenos produtores locais são fatores que condicionam muito negativamente as hipóteses de desenvolvimento do mundo rural. E isso vai ter de mudar apoiando os cozinheiros, mas também os pequenos comerciantes, que queiram comprar carne, legumes ou frutas aos produtores locais, contribuindo para a dinamização das economias familiares.

 

"A gastronomia é chamada a ser – já é – um dos salva-vidas dos territórios despovoados, um ponto de atração que pode contribuir para fixar a população rural que há anos foge para as grandes cidades", sublinha Carlos Maribona, jornalista e crítico gastronómico colaborador de publicações como o espanhol "ABC" ou a portuguesa "Revista de Vinhos". Entre os 10 pontos do Manifesto de Zafra destaca-se a importância da gastronomia como "embaixadora turística" e geradora de riqueza e de emprego, comprometendo-se os cozinheiros (ao todo, somaram-se 30 estrelas Michelin) a utilizar os produtos autóctones e os produzidos localmente, fomentando a sustentabilidade dos modos de produção e a recuperação de produtos diferenciados do território.

 

"Exigimos medidas concretas para impulsionar os mercados locais e facilidades para a comercialização de todos os produtos do campo com normativas que promovam a realidade social e empresarial do mundo rural". A ideia passa por desafiar as instituições e os partidos políticos a envolverem-se num pacto de estado em defesa do mundo rural que comprometa todos os níveis da administração pública e facilite a disponibilização de recursos para "recuperar condições de vida dignas" nas vilas e aldeias. É uma proposta que o Baixo Alentejo não deve deixar de assumir como sua.

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