Diário do Alentejo

Água nossa que já não cai do céu
Opinião

Água nossa que já não cai do céu

Rui Marreiros, gestor

26 de dezembro 2019 - 10:10

Uma equação de várias variáveis e múltiplas incógnitas que começa a ficar de difícil resolução.  De um lado, com um cenário de aumento progressivo da procura: do abastecimento público, fruto do crescimento da população e das utilizações que direta ou indiretamente geram necessidades crescentes da sua utilização em meio urbano; da agricultura, cujo crescimento em algumas zonas faz subir rapidamente a fasquia quanto às necessidades de água.  Quer num caso, quer noutro, não há alternativas nem produtos de substituição. Na escola aprendia-se que a água é insípida, incolor e inodora. Faltou acrescentar outra característica: única e insubstituível. Até ao momento não há qualquer líquido que ocupe o seu lugar nas propriedades e dimensões essenciais associadas à manutenção da vida.

 

Mas, se a procura aumenta, do outro lado da equação a oferta diminui, também de forma progressiva e anualmente decrescente, não só devido às utilizações ineficientes que lhe são dadas, por exemplo, no ciclo urbano da água, em que algumas entidades gestoras insistem em se desviar do caminho certo, mas também devido a uma das piores consequências das alterações climáticas, a diminuição da precipitação, que, a par do aumento da temperatura, criam condições particularmente agravadas para uma diminuição preocupante das disponibilidades hídricas. Há soluções? Claro que sim!  Seremos capazes de as implementar? Temos essa obrigação!  Depende de quem conseguir que isso aconteça? De nós todos! Vamos às soluções.

Uma solução simples (mas apenas aparentemente)? Podemos construir mais barragens, mas ainda que tal seja possível, no balanço entre os benefícios e os impactos, trata-se de uma medida que só faz sentido se chover, caso contrário serão grandes obras de engenharia, secas e vazias ou desproporcionadamente dimensionadas para captar os episódios de precipitação cada vez mais intensos, torrenciais e concentrados.

 

Uma solução complexa (pelo menos para as zonas do interior)? Até há algum tempo era quase do domínio da ficção, exceção para casos muito extremos e pontuais, assumir o mar como origem de água potável e a dessalinização como um meio para o conseguir. Apesar de ser uma tendência ou talvez até, no futuro, uma alternativa para as zonas do litoral, dificilmente será uma possibilidade viável para as regiões do interior, pela distância, diferença de cota e necessidade de inversão completa dos sistemas existentes atualmente.

 

Uma (nova) origem de água? A água residual tratada em estações de tratamento de águas residuais de última geração, recentemente alvo de novo enquadramento legal, mas que se afigura pouco viável como uma verdadeira alternativa, até para usos secundários, já que, novamente, nas zonas do interior, menos densamente povoadas, a concentração urbana existente não permite gerar água residual tratada suficiente para que se assuma como uma verdadeira alternativa, por exemplo, para a agricultura. O regresso às origens tradicionais? Temos as águas subterrâneas, é verdade, outrora uma reserva estratégica, mas sujeitas agora a uma pressão crescente sobre a quantidade com cada vez mais captações e sobre a qualidade, fruto de algumas práticas desajustada face à pressão que exercem de forma crescente no binómio, solo/água.

 

Voltar às origens superficiais? As existentes começam a não chegar para as encomendas, entre grandes e pequenas barragens, diques e charcas, legais, ilegais, por legalizar, clandestinas ou assim-assim, não são capazes de responder à pressão da procura, antecipando-se que, a manter-se este cenário, surjam perdas económicas graves em culturas permanentes já instaladas, haja uma limitação ao surgimento de novas atividades económicas que tenham o acesso à água como fator limitante (não só a agricultura mas também na indústria) e se verifique um agravamento dos conflitos existentes entre diferentes utilizações, caso não haja uma inversão desta tendência.

 

Então, afinal, quais são as soluções? Uma, ou pelo menos a principal, complementada aqui ou ali: gerir melhor o que temos e a isso chama-se eficiência. Eficiência na gestão dos recursos hídricos (outra equação bem antiga e de resultados inconstante ao longo do tempo) com uma intervenção pública muito marcada pela monitorização, planeamento, licenciamento e fiscalização adaptando a procura e a oferta em cada região.

 

Seremos, afinal, capazes de as implementar? Sim, se a todos os utilizadores exigirem com mais responsabilidade e uma maior atuação ao nível do uso eficiente da água, no setor urbano, onde a água é contabilizada em metros cúbicos, mas também no setor onde a verdadeira mudança, talvez a grande mudança resida, a alteração do comportamento na utilização da água na agricultura, um setor onde a água é medida em hectómetros cúbicos (equivalente a um milhão de metros cúbicos) e as áreas são medidas em hectares.  Depende de quem conseguir que isso aconteça? De nós todos! Portugal sempre foi estudado nas escolas e apontado nas universidades como um país rico em disponibilidades de água (apesar de algumas dependências de Espanha nos cursos de água internacionais) mas com alguma variabilidade inter-regional e intra-anual, variabilidades estas que se acentuam a cada dia.

Assumindo que ainda não estamos preparados para falar de transvases (ou já estaremos?), “importando água de regiões mais ricas, a norte”, será imperativo gerir regionalmente muito melhor a água que temos, não condicionando o crescimento económico das atividades que dela dependem e sem pôr em causa o abastecimento adequado a todos os demais utilizadores e consumidores. Revisitar exemplos internacionais de sucesso, escolher os parceiros regionais certos, adequar e adotar uma verdadeira política de planeamento e gestão que, ao longo de todo o ciclo da água, dissemine as boas práticas e determine de forma controlada, acompanhada e regulada a implementação de uma verdadeira política integrada de gestão de recursos hídricos é um imperativo regional que devemos encarar de frente.

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