Diário do Alentejo

Moedas
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Luís Godinho, jornalista

27 de novembro 2019 - 16:40

Obedecendo a métricas diferentes, 10 anos não significam o mesmo para a Nina da casa da praia evocada na moda de Paulo de Carvalho ou para a afirmação de Carlos Moedas na primeira linha da política nacional. Se, no amor, 10 anos deixam a nostalgia “de uma flor sem tempo/De uma geração”, na política representam a consolidação de um período de afirmação. Convém relembrar a história. Depois de vários anos de carreira na banca de investimentos (incluindo a Goldman Sachs), apadrinhado por Pedro Passos Coelho, eis o surgimento de Carlos Moedas no palco político, enquanto adjunto de Eduardo Catroga – o Catroga! – nas conversas com o PS de Sócrates quando o assunto era Orçamento do Estado, programa de estabilidade ou, finalmente, a intervenção da Troika.

 

Na véspera das Legislativas de 2011 estava prevista a sua candidatura num lugar elegível por Lisboa quando Mário Simões, à época presidente da distrital do PSD, o desafiou a concorrer por Beja, acabando por ser eleito. PSD e CDS formaram governo com um programa disposto a ir “muito além da Troika”, como desde logo explicou Pedro Passos Coelho. E Carlos Moedas, enquanto secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, ficou encarregue de representar o País no âmbito da negociação e coordenação do programa de ajustamento económico e financeiro, i.e., nas conversas com a Troika. Ou seja, foi uma das figuras mais importantes desse governo, no que teve de bom (como o equilíbrio das contas públicas) e no que teve de mau.

 

Sucede que esse governo Passos/Portas, no qual Carlos Moedas desempenhou um papel cimeiro, foi dos mais nefastos de sempre para o Baixo Alentejo. Foi logo em 2012, por exemplo, que se decidiu acabar com a subconcessão rodoviária do Baixo Alentejo, cujos trabalhos estavam em curso e que iria permitir a ligação de Beja a Lisboa e a Sines por autoestrada. As terraplanagens, pontes e viadutos abandonados ao longo do IP8 ainda estão para contar a história. Foi também esse governo, ainda nesse mesmo ano, que decidiu privatizar a empresa gestor de aeroportos, ANA, vendendo-a por três mil milhões de euros aos franceses da Vinci, um “gigante” da construção presente em mais de 100 países, sem acautelar a especificidade do aeroporto de Beja, cuja gestão o Estado deixou de controlar.

 

Não me pretendendo alongar, o ponto é este: conhecendo o passado, um passado tão recente, causa alguma estranheza ouvir Carlos Moedas lamentar-se pela existência de problemas cujo governo de que fez parte não só não resolveu como até agravou. Então o mesmo homem que recebeu o Beja Merece+ e disse ficar “triste” quando vem a Beja e vê “as obras de uma autoestrada que começaram a construir, mas depois não acabaram”, não é o mesmo que integrou o núcleo duro do governo que mandou parar essas mesmas obras? Dir-me-ão que talvez não fosse possível fazer de modo diferente, tendo em conta o colapso das contas públicas. Discordo. E, na discordância, permitam-me citar Ramalho Eanes: “Não há inevitabilidades. O futuro não está escrito em parte nenhuma”. As opções políticas são da responsabilidade dos decisores políticos. E Carlos Moedas teve a sua quota-parte de responsabilidade nalgumas das decisões de que agora já parece esquecido.

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