Diário do Alentejo

Centralismos
Opinião

Centralismos

Luís Godinho, jornalista

28 de outubro 2019 - 10:10

Deixem-me apresentar-vos Arnaldo Otegi Mondragon. Nascido em 1958, foi deputado do Herri Batasuna e militante da ETA. Teve uma participação importante na assinatura do chamado “Pacto Estella”, no âmbito do qual a organização separatista basca declarou uma trégua “incondicional e indefinida” na luta pela independência. É reconhecido como um “elemento chave” para o fim do movimento terrorista que abalou Espanha (seja lá o que Espanha signifique) desde, pelo menos, 1974. Foi preso em maio de 2005, em pleno processo de negociação entre a ETA e o governo de Madrid, mas a detenção não o impediu de classificar o rei de Espanha como chefe supremo do exército, isto é, “o responsável pelos torturadores, [quem] impõe o regime monárquico ao nosso povo por meio da tortura e da violência”.

 

A partir desse momento, Arnaldo Otegi Mondragon passou a responder por mais e mais processos judiciais, ficou preso durante longos anos e pelos mais variados indícios de crime, até que um dos recursos chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que acabou por condenar o estado espanhol. Daí resultaram novas perseguições judiciais contra o dirigente basco e novas prisões até nova condenação de Madrid em novembro de 2018. Considerou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que Arnaldo Otegi Mondragon não teve direito a um julgamento justo. E considerou-o com toda a razão. Desde logo pelo facto de o juiz-presidente ser militante – sim, militante – do Partido Popular espanhol. Depois porque o procurador tinha participado no processo de ilegalização do Herri Batasuna.

 

Não foi um julgamento justo. Porém, no passa nada. Se dúvidas do contrário existissem, ter-se-iam dissipado esta semana com a condenação de diversos políticos catalães detidos preventivamente há cerca de dois anos, entre os quais Oriol Junqueras, historiador, professor universitário e ex-vice-presidente do governo da Catalunha, a pesadas penas de prisão pelo Supremo Tribunal de Madrid. Foram condenados pelo suposto crime de sedição [i.e., rebelião], numa decisão judicial que veio confirmar a existência de presos políticos num país da União Europeia.

 

Vale a pena olhar para esta sentença com algum cuidado e lembramo-nos que os tribunais da Bélgica e da Alemanha rejeitaram a extradição de Carlos Puigemont, ex-presidente do governo da Catalunha, por considerarem que não foram cometidos quaisquer crimes. Será que existiu um julgamento justo quando a defesa não pôde questionar livremente as testemunhas de acusação numa sala, toda ela, contrária ao separatismo catalão? A arrogância de Madrid ajuda-nos a perceber o quão difícil é transferir poder de onde ele se encontra concentrado para as periferias. Sendo assim em Espanha, onde apesar de tudo existem regiões e comunidades autónomas, é muito pior em Portugal, onde a centralização é um pesadíssimo fardo para as populações do interior. Talvez a anunciada criação de um Ministério da Coesão Territorial ajude a que, finalmente, a descentralizar e regionalizar deixem de ser verbos de encher.

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