Lembrei-me de Caetano Veloso quando recebi a primeira mensagem com o convite para assinar uma petição apelando a que o primeiro-ministro “intervenha no sentido de impedir” a criação do Museu Salazar, recentemente anunciado pelo presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, terra natal do ditador. Corria o mês de setembro de 1968, vivia o Brasil em plena ditadura militar. Vestido com roupas de plástico brilhante e com colares exóticos, Caetano Veloso entra no palco do Teatro da Universidade Católica de São Paulo e inicia uma dança erótica. O público reage de forma escandalizada, ouvem-se vaias ruidosas, vira costas para o palco. Os músicos, por seu lado, viram costas para as costas do público. E a participação de Caetano nesse festival de música torna-se lendária: “Eu digo não/ Eu digo não ao não/ Eu digo/ É proibido proibir”. E proibido proibir – a frase que Caetano Veloso foi buscar às paredes do Maio de 68, Il est interdit d’interdire, para compor a sua “marchinha ternária” – é mesmo uma bela evocação para quem defende que o nosso direito à liberdade de expressão pressupõe o respeito pelo direito dos outros ao exercício dessa mesma liberdade.
É por isso que, por princípio, sou avesso a apelos no sentido de proibir iniciativas artísticas ou culturais, ou censurar opiniões, por mais erradas ou patéticas que me possam parecer. Nasci em julho de 1970. Nasci em casa, numa pequena vila, não porque a maternidade estivesse fechada mas porque só as famílias ricas tinham dinheiro para pagar cuidados médicos. Os outros, muitas vezes, nasciam, cresciam e morriam num sofrimento atroz sem que ao longo da vida fossem assistidos num hospital ou num simples consultório. Sem segurança social, os velhos eram deixados à sua sorte, lançados para uma miséria extrema, quando famílias inteiras tinham de emigrar à procura de trabalho.
Não fosse o 25 de Abril, o meu destino teria sido igual ao de todos os outros: deixar a escola uma vez concluída a quarta classe e começar a trabalhar com 11, 12 anos de idade. Jamais uma filha minha poderia chegar à universidade. Em 1968 estava o meu pai a regressar da Guerra Colonial. Regressou doente, morreu passados poucos anos, mas regressou, ao contrário de muitos milhares de jovens soldados que perderam a vida nessa guerra estúpida para onde a cegueira de um ditador arrastou o País. Por essa altura tinha a minha sogra 18 anos, era estudante de Direito em Coimbra, e nem o facto de ser jovem ou de ser mulher lhe valeu: foi presa e torturada pela PIDE por defender ideias contrárias à do regime.
Nasci, pois, em julho de 1970, no mesmo mês em que Salazar morreu. Fosse o dito centro interpretativo de Santa Comba um espaço para recordar às novas gerações o que foram os anos negros do fascismo em Portugal e nada teria a opor. Não o sendo, tornei-me o assinante 11 796 da petição contra o Museu Salazar. E lembrei-me novamente de Caetano, forçado a partir para o exílio meses depois do “É proibido proibir”. Há proibições que vale a pena assumir. A petição pode ser assinada nesta página.