Diário do Alentejo

A tríade do desenvolvimento do Baixo Alentejo
Opinião

A tríade do desenvolvimento do Baixo Alentejo

Manuel Maria Barroso, técnico superior da Administração pública

06 de setembro 2019 - 10:15

Não muito distantes estão os tempos em que se percorriam quilómetros e quilómetros pelas nossas estradas ou campos e não se via qualquer tipo de atividade agrícola ou pecuária As circunstâncias, as infraestruturas e as vontades são, quiçá, os três elementos fundamentais para tal mudança, aliás, à semelhança da música, onde uma “tríade” se refere ao conjunto de três notas musicais que estruturam a formação de um acorde. Neste caso, o acorde do desenvolvimento do Baixo Alentejo.

 

O nosso distrito e/ou região tem vindo a registar um grande processo de ajustamento económico e de desenvolvimento, aliás, acompanhando os tempos, as realidades e as circunstâncias atuais. Este tipo de processos e mudanças não é novo nem é novidade histórica! Como se sabe, ao longo da história têm-se verificado mudanças estruturais e circunstanciais, mais ou menos significativas. A título de simples exemplo, voltando a umas quantas páginas atrás no calendário do tempo, deparamo-nos com a promoção da opção político-económica da cerealicultura; esta circunstância, sem querer formular qualquer juízo técnico ou de valores políticos, foi tomada, à época, como uma mudança “interessante”, dando primazia às culturas cerealíferas anuais em desfavor da cultura arvense e da pecuária.

 

Hoje o saldo é inequivocamente positivo! Em pleno regime democrático, com a generalização e aplicação dos conhecimentos científico e tecnológico, próprios de um país que faz parte das principais plataformas e grupos de estados desenvolvidos do mundo, em especial, da União Europeia, outras mudanças são inevitáveis face ao passado. Tais mudanças, sendo observadas diretamente nos mais diversos setores, têm igualmente visibilidade nas circunstâncias sociais, económicas, culturais e educativas… na vida das pessoas. As taxas de analfabetismo (funcional ou não), os níveis de escolarização e formação, o acesso aos cuidados de saúde (embora, com as reticências conhecidas), os níveis de empregabilidade (com especial enfoque para a empregabilidade feminina), a participação comunitária (onde a possibilidade de eleger ou ser eleito representa o expoente máximo da dignidade cívica), a mobilidade social ou “elevador social” (hoje é possível tomar como provável que o filho de um operário possa chegar a uma profissão diferente da profissão do seu pai) e a integração e inclusão do todas as pessoas na vida comunitária são apenas alguns dos muitos exemplos que nos trouxe a dita mudança história… essa mudança histórica que queremos melhorar e universalizar.

 

Em segundo lugar, as infraestruturas que hoje a nossa região dispõe, em boa medida pelo aproveitamento dos financiamentos comunitários, têm vindo a conferir a possibilidade de desenvolvimento outrora inexistente ou com dificuldade de implementar. Sob o meu ponto de vista, o fator determinante para toda esta mudança chama-se Alqueva; obviamente, sem esquecer outros fatores de enormíssima importância com que hoje, felizmente, contamos na nossa região (clusters de Sines, bacia mineira, adaptação aeroportuária de Beja, etc.). Não será necessário explicitar os muitos indicadores onde essa mudança nos tem trazido benefícios. Todos nós reconhecemos, mesmo com interpretações pessoais nem sempre consensuais, pois, neste caso, tratar-se-á de uma matéria própria da singularidade humana e da vida em liberdade e em democracia.

 

Se a barragem de Alqueva veio permitir uma profunda alteração na “parte visível” do nosso território, na verdade, a sua “parte menos visível” é hoje um “cluster agro” em franco desenvolvimento, com um inequívoco contributo para a melhoria das nossas condições gerais de vida. As dúvidas, aqui ou ali mais ou menos fundamentadas, sobre os efeitos de tais mudanças, designadamente, no que se refere à sustentabilidade ambiental afim às novas culturas, não podem (nem devem) eclipsar o desenvolvimento e o bem-estar da nossa região e das nossas gentes. A ciência e as tecnologias, associadas aos legítimos sistemas de controlo, são a melhor resposta para tais dúvidas. Creio, pelo que vou procurando saber, informando-me através de fontes independentes que, embora havendo algumas dúvidas pertinentes, o desenvolvimento tem sido controlado na sua generalidade e para nossa (e minha, obviamente) tranquilidade, poderemos pensar num futuro melhor e bem diferente daquele em que eu, pelo meu “calendário já com algumas folhas anuais” ou pelas minhas circunstâncias de vida, já vivi e conheci.

 

Finalmente, mas não necessariamente em último lugar desta sequência, aparecem as vontades e, neste caso, as boas vontades, aquelas que podem ser úteis e eticamente adequadas para todos… sem exceção. Immanuel Kant, filósofo prussiano do século XVIII (embora falecido já no século XIX), deixou-nos alguns sábios contributos, dos quais me permito partilhar a seguinte frase: “Neste mundo, e até fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade”.

 

Pois bem, as “boas vontades”, no caso do nosso Baixo Alentejo, embora legitimamente extrapoláveis para o contexto global, apenas se podem situar ao nível do desenvolvimento integrado, completo e sustentável, onde o bem-estar das pessoas seja a matéria nuclear e imprescindível. Nada se poderá pensar ou fazer sem pensar no que representa a ação em benefício das pessoas, quer no plano individual, quer no plano coletivo.

 

Nada me faz declarar ou suspeitar de que o atual processo de cultivo das nossas terras não esteja controlado e monitorizado, quer sob o ponto de vista das tecnologias, quer sob o ponto de vista do cumprimento das normas sobre a matéria. De igual forma, sou capaz de admitir que possa haver algum tipo, forma ou nível de incumprimento… em qualquer domínio. Porém, há uma coisa em que não arrisco, de todo, ou seja, não “embarco” na lógica da suspeição gratuita sobre as iniciativas altruístas de quem promove ações de desenvolvimento como as que surgem nos nossos campos. Seguramente, haverá formas de monitorizar estes processos, os quais, até prova em contrário, têm gerado riqueza e promovido melhores condições de vida à nossa comunidade.

 

Nesta mesma linha de raciocínio, fico relativamente perplexo com as não “boas vontades” das autoridades decisoras, ao nível central ou regional, sobre o que o Baixo Alentejo precisa e merece. Não poderá ser aceitável que se interrompam compromissos públicos de investimentos, sem fundamentos e sem alternativas adequadas. O Baixo Alentejo e todos nós merecemos mais respeito por parte de quem tem a “batuta” das decisões sobre a aplicação dos recursos públicos. Tal como as outras regiões, sempre demonstrámos saber “pensar e agir local e regionalmente”, sem que, para isso, tenhamos de olvidar ou negligenciar a nossa condição de parte integrante de um país que amam e defendem: Portugal!

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