Diário do Alentejo

Greve
Opinião

Greve

Luís Godinho, jornalista

16 de agosto 2019 - 15:00
Dizia Pedro Pardal Henriques que a greve poderá durar 10 anos, se tal se mostrar necessário para convencer os patrões a aumentar os salários dos motoristas daqui a dois anos. Retórica, portanto. De uma perspetiva inicial de parar o País em período de férias, o desejo de alguns, neste alguns se incluindo o rol dos habituais comentadores de ocasião, passou a ser o de deixar o País a “meio gás”. Esgotados os primeiros dias de greve, nem uma coisa, nem outra. Houve quem temesse o pior.
 
“Desta guerra haverá consequências irreparáveis para a economia portuguesa, mas, sobretudo, para os portugueses”, assegurou o secretário-geral da UGT. A Associação dos Industriais de Tomate calculou que ficariam em causa quatro mil postos de trabalho devido à impossibilidade de funcionamento das fábricas. E até a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) temeu o pior: “Vão faltar alimentos e outros bens nos supermercados, a indústria vai sofrer graves perdas e grandes exportadoras como a Autoeuropa correm o risco de parar a laboração”. As famílias preocuparam-se. O caos foi anunciado dias a fio pelos mais variados oráculos. “Este ano é ano de eleições. Se nós não conseguirmos fazer nada este ano, acho um bocado difícil”, resumiu o mesmo Pedro Pardal Henriques no congresso dos motoristas, colocando o assunto na esfera da disputa eleitoral.
 
Ao contrário do que sucede com enfermeiros ou professores, desta vez o Governo não é parte no conflito que opõe as empresas, representadas pela Antram, a alguns sindicatos (o novo contrato coletivo de trabalho foi assinado já neste ano entre patrões e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações). Não sendo parte do conflito, podendo apenas mediá-lo, não pode o Governo obrigar as partes a chegarem a acordo, ou sequer a sentarem-se à mesa das negociações. Mas pode, como sublinhou o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, definir serviços mínimos “mais extensos” atendendo ao risco de a greve poder provocar “prejuízos desmesurados”, afetando o regular funcionamento de setores essenciais ao interesse público e à economia, e avançar com a requisição civil quando ocorram “situações em que o incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços mínimos sejam causadores de graves perturbações da vida social”. O que foi feito.
 
Aqui chegados, resta lembrar Paulo de Carvalho, nem tanto no refrão de uma velha canção – (“Dez anos, é muito tempo/ muitos dias, muitas horas a cantar”) –, mas mais naquela parte da mesma música em que nos lembra que “a cantiga é quando um homem quiser”. Assim empresários e motoristas estejam disponíveis para entoar uma moda diferente da das últimas semanas, com cedências de parte a parte, deixando os mind games para os jogos de poker e para as entrevistas a treinadores de futebol.
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